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Piccole virtù

29 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Natalia Ginzburg

Natalia Ginzburg

Numa prosa que se equilibra entre o ensaio e a auto-biografia, As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg (Palermo 1916 – Roma 1991), é uma pequena joia literária. O livro, que reúne onze textos, é tido como um dos maiores da escrita memorialística do século XX. A tradução para o português, feita por Maurício Santana Dias, acaba de ser lançada pela Cosac Naify; a edição conta com posfácio de Cesare Garboli.

Lançado originalmente em 1962, é conhecido desde então pela escrita elegante e clara da escritora.  Um dos textos é o belo “Retrato de um amigo”, um perfil do poeta e amigo Cesare Pavese. Também são tema para suas reflexões as relações entre as gerações, sua experiência de medo e pobreza em tempos de guerra, sua visão, irônica e cômica, sobre Londres, cidade que lhe parece inóspita. Sua visão, de sensibilidade profundamente humana, dota esses textos de uma beleza perturbadora. 

Seu estilo, é evidência do desencanto pós-guerra. Sua percepção, é atenta àquilo que passa desapercebido.

Como analisa Patricia Peterle, no artigo “A voz de Natalia Ginzburg”, a narrativa da autora, “apesar da sua singularidade, acompanha os movimentos tortuosos das manifestações artísticas do entreguerras e do crucial período posterior à década de 1940. Memórias, ensaios, uma prosa ou um texto teatral revigorantes, uma escritura nítida preocupada com as ações e os gestos cotidianos. Num panorama pelos seus escritos, passa-se de um neorrealismo inicial, presente nos primeiros romances, para uma narração mais vigorosa que aos poucos vai sendo aprendida e construída, fruto das experiências de mundo e daquelas vivenciadas em primeiro plano. Preocupações íntimas, mas também relacionadas à essência do ser humano, perfiladas pelo toque e pela sensibilidade do seu olhar e testemunho”.

Natalia Ginzburg foi das mais expressivas figuras femininas na Itália do século XX. Pertenceu ao mais expressivo grupo intelectual da literatura e crítica italiana, do qual fazia parte Cesare Pavese, Italo Calvino, Elio Vittorini, Giulio Einaudi, Eugenio Montale. Militante política, teve seu primeiro marido o intelectual antifascista Leone Ginzburg, morto na prisão em 1944. Um dos filhos do casal é o grande historiador italiano Carlo Ginzburg, conhecido, entre outras, pela obra O queijo e os vermes (1976). Natalia casou-se depois com o crítico literário Gabriele Baldini. Integrou o Partido Comunista, foi ativista política e deputada. Trabalhou na editora Einaudi, em Turim, foi tradutora, entre outros, de Marcel Proust e de Gustave Flaubert e publicou seu primeiro romance em 1942, sob pseudônimo.

O jornal Folha de São Paulo, em seu caderno Ilustríssima, divulgou trecho do livro, o texto “Sapatos rotos”.

 

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Trecho de “As pequenas virtudes”:

 

“No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber.

No entanto fazemos frequentemente o contrário: apressamo-nos a ensinar o respeito pelas pequenas virtudes, fundando sobre elas todo nosso sistema educativo. Desse modo, escolhemos a via mais cômoda: porque as pequenas virtudes não apresentam nenhum perigo material, ao contrário, mantêm ao abrigo dos golpes da sorte. Descuidamos de ensinar as grandes virtudes, apesar de amá-las, e gostaríamos que nossos filhos as assimilassem: mas nutrimos a confiança de que elas emergirão espontaneamente de seu espírito, num dia futuro, considerando-as de natureza instintiva, ao passo que as outras, as pequenas, nos parecem fruto de reflexão e cálculo, e por isso pensamos que devam ser absolutamente ensinadas.

Na verdade a diferença é só aparente. As pequenas virtudes provêm igualmente do fundo de nosso instinto, de um instinto de defesa: mas nelas a razão fala, sentencia, disserta, como um brilhante advogado da integridade pessoal. As grandes virtudes jorram de um instinto em que a razão não fala, um instinto ao qual me seria difícil dar um nome. E o melhor de nós está nesse instinto mudo, e não em nosso instinto de defesa, que argumenta, sentencia e disserta com a voz da razão.

A educação não é outra coisa senão um certo vínculo que estabelecemos entre nós e nossos filhos, certo clima no qual florescem os sentimentos, os instintos, as ideias. Ora, creio que um clima todo inspirado no respeito às pequenas virtudes resulte insensivelmente em cinismo, ou no medo de viver. Em si mesmas, as pequenas virtudes não têm nada a ver com o cinismo ou com o medo de viver: mas todas juntas, e sem as grandes, geram uma atmosfera que leva àquelas consequências. Não que as pequenas virtudes sejam, em si mesmas, desprezíveis: mas seu valor é de ordem complementar, e não substancial; elas não podem estar sós, sem as outras, e são – quando desacompanhadas – um pobre alimento para a natureza humana. O modo de exercitar as pequenas virtudes, em medida temperada e quando for de todo indispensável, o homem pode encontrá-lo em torno de si e bebê-lo no ar: porque as pequenas virtudes são de uma ordem bastante comum e difusa entre os homens. Mas as grandes virtudes, essas não se respiram no ar: e devem ser a primeira substância da relação com nossos filhos, o primeiro fundamento da educação. Além disso, o grande também pode conter o pequeno: mas o pequeno, por lei natural, não pode jamais conter o grande.”

[Trecho divulgado pela editora, em seu blog]

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ginzburg

 

 

AS PEQUENAS VIRTUDES

Autor: Natalia Ginzburg
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 23,03 (160 págs.)

 

 

 

 

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