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Sobre o Estado

1 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
grassmann

gravura de Marcelo Grassmann

Sobre o Estado, do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) reúne os cursos por ele ministrados no Collège de France entre 1989 e 1992. Sua análise detém-se na transição do Estado absolutista, próprio da Idade Média, para o Estado moderno, cuja constituição vai se moldando ao longo dos séculos a partir da separação entre poder político e religioso e da diferenciação entre os poderes.

Esta compilação dos textos permite analisar e estudar este “objeto impensável”, do qual, em última instância, todos os poderes tiram a sua legitimidade. 

Segundo Bourdieu, a França e a Inglaterra do século XVII já possuíam uma das principais características do Estado moderno: um corpo político separado da pessoa do príncipe, da nobreza feudal e da Igreja.

A análise desfaz a ilusão do “pensamento de Estado” ou a crença em um princípio de governo orientado para um bem comum, mas também a do Estado como construção de um aparelho burocrático cuja função seria manter a ordem social.

Para Bourdieu, o Estado, “ficção coletiva” porém de efeitos reais, é simultaneamente o produto, o resultado e o espaço de uma complexa luta de interesses. Segundo o sociológo, o Estado é “a gênese de um campo social, de um microcosmo social relativamente autônomo no interior de um mundo social abarcador, onde se joga um jogo particular, o jogo político legítimo”.

Ao longo dos três anos de curso, sua investigação sobre as representações e as funções do poder na sociedade, portanto, desemboca no problema do Estado, compreendido por ele como um mecanismo do poder, criado ao longo da história, cuja base de dominação é simbólica. Dessa forma, ultrapassando a questão econômica, a ideia de Estado atua no imaginário para justificar-se.

Segundo Bourdieu, como diz ao refletir sobre o duplo sentido da palavra “Estado”, conforme publicado pela versão brasileira do jornal Le Monde Diplomatique: “Retomar a gênese do Estado é retomar a gênese do campo onde a política se desenrola, se simboliza, se dramatiza em suas formas características. Entrar nesse jogo do político legítimo, com suas regras, é ter acesso à fonte progressivamente acumulada do “universal”, à palavra universal, às posições universais a partir das quais é possível falar em nome de todos, do universum, da totalidade de um grupo. É possível falar em nome do bem público, do que é o bem público, e, ao mesmo tempo, apropriar-se dele. Esse é o princípio do “efeito Janus”: há pessoas que possuem acesso ao privilégio do universal, mas não é possível ter o universal sem ao mesmo tempo monopolizar o universal. Há um capital do universal. O processo constitutivo dessa instância de gestão do universal é inseparável do processo de constituição de uma categoria de agentes que se apropriam desse universal. […]

“A gênese do Estado é, em suma, inseparável da constituição do monopólio do universal, e o exemplo por excelência desse processo é a cultura. Todos os meus trabalhos anteriores podem ser resumidos da seguinte forma: essa cultura é legítima porque se apresenta como universal, oferecida a todos porque, em nome dessa universalidade, podemos eliminar sem medo aqueles que não estão nela inseridos. Essa cultura, que aparentemente une, mas em realidade divide, é um dos grandes instrumentos de dominação porque pressupõe monopólio, monopólio terrível porque não podemos acusá-la de privada (pois é universal)”.

Sua análise distancia-se conclusões tradicionais da sociologia e da filosófica marxistas. A crítica de Marx à exploração econômica do proletariado por parte do Estado burguês é considerada por Bourdieu, porém não serve-lhe como definitiva.

O estudo sobre o Estado de certa maneira sintetiza o pensamento de Bourdieu e sua tese da constituição progressiva de um conjunto de campos – jurídico, administrativo, intelectual, parlamentar –, cada um, espaço de lutas específicas.

A obra, notável pela erudição e pelo rigor científico, foi organizada por Patrick Champagne, Remi Lenoir, Marie-Christine Rivière e Franck Poupeau. Este, concedeu uma entrevista à revista Cult, na qual diz, sobre o livro: “Trata-se de um curso oral, no qual a palavra é livre, menos censurada que no texto escrito. Bourdieu chama atenção para isso, enfatizando a dificuldade de transmitir suas análises a um público muito heterogêneo: ele deve falar a “colegas” sociólogos como também a não iniciados na disciplina; daí seu esforço de pedagogia, de explicação não somente de seus argumentos e teses, mas também de sua estratégia de pesquisa, de seu programa científico. Existem, pois, páginas inéditas sobre o que significa construir um modelo da gênese do Estado, no cruzamento da história com a filosofia política e com a sociologia, que não se encontraria num livro. Há também longas reflexões sobre as pesquisas passadas que revelam todas as suas sutilezas”.

A edição brasileira foi traduzida por Rosa Freire d’Aguiar.

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para visualização.

 

pierre bourdieu

 

SOBRE O ESTADO

Autor: Pierre Bourdieu
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 48,30 (576 págs.)

 

 

 

 

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