O crítico e historiador da arte Hal Foster é conhecido por suas reflexões sobre as vanguardas artísticas do pós modernismo. Em O retorno do real, propôs um modelo das recorrências históricas das vanguardas, em que reconhece um movimento cíclico, no qual as vanguardas sobrepõem-se, colocando-se em relação a inevitáveis falhas das anteriores. Para Foster, esses ciclos são complementares, não opostos. Analisando os modelos críticos na arte e na teoria a partir de 1960 por meio de uma nova narrativa da vanguarda histórica e da neovanguarda, ele argumenta que a vanguarda retorna para nós do futuro, reposicionada por práticas inovadoras do presente. Segundo Foster, vivenciamos, agora, um retorno ao real, em que arte e teoria voltam-se para a materialidade de corpos reais e de lugares concretos. O livro, originalmente publicado em 1996, agora é lançado no Brasil pela Cosacnaify, com tradução de Célia Euvaldo e texto de orelha de Sônia Salzstein.
Diante da questão pertinente e insistente sobre como lidar com o presente após a sua passagem, Rimbaud disse: “Il faut être absolument moderne“. Segundo Adorno, a sucessão contínua de movimentos ao longo do modernismo corresponderia a uma necessidade histórica, consequência da acomodação da arte à sociedade de consumo. Ideia que Peter Burger analisou da seguinte maneira:
“[…] reconhece-se facilmente a relatividade histórica de outro teorema de Adorno: a opinião de que só a arte que serve a vanguarda pode fazer justiça ao movimento histórico de desenvolvimento das técnicas artísticas. Cabe perguntar seriamente se a ruptura com a tradição levada a cabo pelos movimentos históricos de vanguarda não terá tornado supérfluo o discurso que relaciona o tempo presente com o momento histórico das técnicas artísticas”.
Hal Foster, em O retorno do real, considera discutível a posição assumida por Peter Burger, sob o ponto de vista da análise das neo-vanguardas. O principal problema que Foster aponta é a noção de Burger de que não existe possibilidade de atuação para uma denominada neo-vanguarda, dada sua contextualização, que é baseada na construção de Marx sobre o reaparecimento de Napoleão: os grandes eventos da humanidade ocorrem sempre duplamente – da primeira vez, como tragédia, da segunda, como farsa. Põe-se em jogo a possibilidade de uma nova vanguarda. Foster rejeita a ideia de ruptura baseada no novo e indica a possibilidade da renovação baseada no conhecimento do posterior: através do conceito de nachtraglichkeit – posterioridade –, que é retirado do universo lacaniano.
Outra vertente intelectualmente marcante da crítica de Foster é sua análise, retomando as teses de Adorno e de Guy Débord, da penetração do espetáculo e da produção mercadológica de bens em todas as esferas da vida social e artística. Sua análise engloba os aspectos políticos e históricos das experiências traumáticas sofridas pelas vanguardas e aponta que, esgotados os recursos das categorizações modernistas, tanto críticos e historiadores como espectadores se perguntam como é possível ler a insistente “sobrevida” da arte contemporânea. Para ele, abre-se um mundo de “qualidades sem pessoas”, em referência a Robert Musil – escritor de quem, em artigo publicado pela revista Ars, Foster citou o seguinte significativo trecho:
“Um mundo de qualidades sem homens surgiu de experiências sem a pessoa que as experimenta, e quase parece que a experiência idealmente privada é algo do passado, e que o amigável fardo da responsabilidade individual vai dissolver-se num sistema de fórmulas de sentidos possíveis. Provavelmente a dissolução do ponto de vista antropocêntrico, que durante tanto tempo considerou o homem como o centro do universo, mas que há séculos está se apagando, finalmente chegou no “eu” propriamente dito”.
Autor: Hal Foster
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 39,20 (280 págs.)