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Guia de Leitura

Sociedade do cansaço

16 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Já não vivemos em uma sociedade imunológica: a violência imanente ao sistema é neuronal e, portanto, não desenvolve uma reação de rejeição no corpo social.

 

Byung-Chul Han, “Sociedade do cansaço”

“A sociedade do trabalho e a sociedade do desempenho não são sociedades livres. Elas geram novas coerções. A dialética do senhor e escravo está, não em última instância, para aquela sociedade na qual cada um é livre e que seria capaz também de ter tempo livre para o lazer. Leva, ao contrário, a uma sociedade do trabalho, na qual o próprio senhor se transformou num escravo do trabalho. Nessa sociedade coercitiva, cada um carrega consigo seu campo de trabalho. A especificidade desse campo de trabalho é que somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor. Assim, acabamos explorando a nós mesmos. Com isso, a exploração é possível mesmo sem senhorio”.

O filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, professor universitário de filosofia e estudos culturais na Universidade de Artes em Berlim, Byung-Chul Han, teve o livro Sociedade do cansaço publicado no Brasil em 2015, com tradução de Enio Paulo Gianchini, pela editora Vozes.

Han tem atualizado os temas da filosofia alemã de maneira simples e original: analisando o homem contemporâneo, a subjetividade, as novas formas de dominação, a depressão e as esperanças, seus escritos parecem definir diretamente o que somos, no mundo em que vivemos.

A sociedade do cansaço que Han problamatiza é efeito de uma sociedade do desempenho. “A sociedade de hoje é uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI é uma sociedade de desempenho”. Nela, o discurso motivacional e seus efeitos colaterais estão crescendo desde o início do século XXI e este discurso não mostra sinais de desaquecimento. Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda. As instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superação das próprias limitações. Byung-Chul Han mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX, descrita por Michel Foucault na década de 1970, perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. “A violência neuronal não parte mais de uma negatividade estranha ao sistema. É antes uma violência sistêmica, isto é, uma violência imanente ao sistema”. As pessoas  cobram-se cada vez mais para apresentarem melhores resultados, tornando-se, elas próprias, vigilantes, e carrascas, de suas ações. A ideologia da positividade é perversa, nos faz submetermos-nos a trabalhar mais e a receber menos.

Uma das principais consequências é um aumento significativo de doenças como depressão, transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade. Na sociedade do desempenho todas as atividades humanas decaem para o nível do trabalho e o homem se torna “hiperativo e hiperneurótico”. Continue lendo

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lançamentos

O interregno em que vivemos

15 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] No fim das contas, entre a Babilônia imaginada por Borges e o mundo que a modernidade outrora nos prometeu – que JeanPaul Sartre captou na frase sublime ‘le choix que je suis’ (‘a escolha que eu sou’) – jaz o interregno no qual estamos vivendo agora: um espaço e um tempo estendidos, móveis, imateriais, sobre os quais reina o princípio da heterogenia de fins, talvez como nunca antes. Uma desordem que é nova, mas ainda assim babélica”.

gravura de Evandro Carlos Jardim

Babel – Entre a incerteza e a esperança, novo livro do grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman, escrito em co-autoria com o jornalista italiano Ezio Mauro, acaba de ser lançado no Brasil pela Zahar, com tradução de Renato Aguiar.

Sob a forma de um amplo diálogo, os autores discutem os impasses do capitalismo globalizado, os perigos do enfraquecimento da democracia e o papel da esperança que resiste, ainda que no meio movediço que abarca as relações incertas de nosso tempo.  Continue lendo

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Sinto-me incapaz de pensar sem escrever

10 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
René Magritte. La clef des songes

René Magritte. La clef des songes

Para o olhar atento do sociólogo, antes de desdobrarem-se em eventos sociais, os acontecimentos cotidianos já revelam sinais do tempo. Zygmunt Bauman, em Isto não é um diário, parte de reflexões suscitadas por leituras de notícias de jornais, de lembranças, de análises tecidas ao longo do acompanhamento vivido do desenvolvimento da situação política e econômica mundial, observando acontecimentos rotineiros para pensar sobre os significados neles contidos e pontuar questões sobre o mundo contemporâneo: o significado da palavra democracia nos movimentos que levaram à Primavera Árabe, a impiedosa perseguição aos ciganos na França, a bolha imobiliária americana, o papel dos países emergentes na estratégia mundial de globalização, ou mesmo sua paixão então recém-descoberta pelo escritor José Saramago.

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Formas esquivas do mal

15 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Cegueira Moral reúne cinco diálogos de Zygmunt Bauman com Leonidas Donskis, filósofo e professor de ciência política na Universidade de Vytautas Magnus, na Lituânia.

O livro, que tem como subtítulo “A perda da sensibilidade na modernidade líquida”, constitui-se como materialização de um debate a respeito da insensibilidade diante do sofrimento do outro, fenômeno concomitante ao desejo de controle sobre a privacidade alheia.

Os filósofos abordam o problema do mal não restringir-se às guerras ou circunstâncias extremas como nas quais as pessoas agem forçadas por condições de coerção. O mal atualmente, mostra-se na passividade com que se assiste ao sofrimento alheio. Uma miopia ética, cegueira moral, que disfarça-se sob o signo da banalidade cotidiana.  Continue lendo

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