Literatura

Em tom menor

2 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Renina Katz, “Cárceres”, 1977

Amanhã não tem ninguém, de Flávio Izhaki, é um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom deste ano. O romance atravessa quatro gerações de uma família judia, narrado em primeira pessoa por seis diferentes personagens. O livro é dividido em sete partes e 69 capítulos, de modo que é o resultado de uma junção entre fragmentos narrativos, cujo fio condutor é a história da família – uma narrativa ao mesmo tempo fragmentária e circular.

Algumas das personagens são um adolescente, perdido em meio ao funeral do avô; um homem que escapa de um AVC, mas cuja esposa repentinamente falece; uma mulher que não consegue se comunicar com o filho, preso em um interminável jogo de videogame. Diferentes entre si, assemelham-se pelo forte sentimento de finitude e pela incomunicabilidade.

A prosa de Flávio é fluente, perpassando as dramáticas relações familiares e sustentando a tese do desencantamento do mundo e da incomunicável e incontornável melancolia do sujeito moderno, fragmentado.

Sérgio Sá, em resenha elogiosa, publicada no jornal O Globo, analisou: O lindo título condensa a forma como a narrativa se desdobra: a negação da identidade no porvir. […] Duplo desespero incorporado”.. O crítico aponta profundidade reflexiva e maturidade literária na prosa de Izhaki e escreve: “Gosto de ver nessa tragédia contemporânea em tom menor um Autran Dourado menos épico e mais urbano. Tempo, corpo e fé entre a casa (morta ou, quem sabe, assassinada) e a rua (disfarçada), ambas feitas de silêncios e subterfúgios. Na polifonia está a chave para o leitor não encontrar solidariedade em nenhum dos personagens. Os fragmentos de felicidade estão apenas na linguagem”.

Segundo Ricardo Russano, em resenha publicada no blog literário Amálgama, critica: “A fragmentação do livro, seja nos discursos baseados em recordações confusas, seja apresentada pelo próprio fato de o livro ser contado sem continuidade, por seis vozes diferentes da mesma família, reforça a dificuldade de comunicação e, mais do que isso, a dificuldade de construir um todo, de algo mais do que partes difusas que só parecerão se juntar precariamente com o passar do tempo – e das páginas. O modo de narrar de cada uma das personagens deixa muito a desejar: o livro é contado em seis vozes diferentes… que falam igual. As mesmas técnicas para sobrepor frases e deixá-las com menos coesão, bem como a repetição de ideias ditas de maneira diferente, se fazem presentes em todas as vozes durante o romance, o que faz o leitor sentir que não lê seis vozes diferentes, mas seis nomes diferentes de um mesmo narrador”.

De acordo com análise de João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada na UERJ, em resenha publicada no jornal Estado De São Paulo, o primeiro livro de Izhaki, “De Cabeça Baixa (2008), alcançou um equilíbrio raro entre virtuosismo narrativo e desenvolvimento da trama. Amanhã Não Tem Ninguém (2013) demonstra um amadurecimento extraordinário”. No romance, segundo Rocha: “Detalhes que se tornam significativos: Ana converte-se ao catolicismo. O bisneto se chama Patrick, nome de santo católico irlandês. Não surpreende, pois, que Patrick apenas se realize nas redes virtuais e em jogos de videogame. Talvez ele tenha sido o único a intuir o drama da avó – a coisa oculta desde a fundação da família. Afinal, se mentiras estruturam uma vida, o mundo virtual bem pode ser a peça que falta para (des)armar o quebra-cabeça”.

Já Alcir Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, em resenha escrita para a Folha de São Paulo, analisa de maneira mais crítica: “O romance basicamente avança através das rápidas lembranças dos diversos membros da família. Não são lembranças extraordinárias. Ao contrário, são vidas pequenas, que se resolvem relativamente mal no tom menor da rotina. […] Se fosse menos plano, o tom menor não faria mal ao livro, assim como poderia fazer bem a ele o tema dos judeus no Brasil, que já teve em Samuel Rawet um grande escritor. No entanto, a questão étnica teria de ser mais do que reiteração do estereótipo da culpa e da menção a datas do calendário religioso. Nesses termos, não admira que o desfecho do livro venha num programa de videogame, transformado – também ele – em lição de autoajuda sobre as fases da vida”.

 

AMANHÃ NÃO TEM NINGUÉM

Autor: Flávio Izhaki
Editora: Rocco
Preço: R$ 28,00 (200 págs.)

 

 

 

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