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Tradução: Carta Aberta a uma vítima da propaganda falaciosa de Ben Stein

23 abril, 2008 | Por admin

Há pouco mais de 1 semana estreiou nos Estados Unidos um polêmico filme de viés propagandista entitulado “Expelled: No Intelligence Allowed” (Expulso: Inteligência Não Permitida”). O diretor é Nathan Frankowski – estreante na direção – e o filme conta com a atuação e roteiro de um notório defensor do movimento do Design Inteligente – se você ainda não sabe do que se trata, clique aqui. Em meio às inúmeras polêmicas que o filme suscita, algumas entrevistas com renomados cientistas evolucionistas como Michael Shermer, editor da revista Cético e Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, geraram controvérsias que culminaram na carta traduzida neste presente artigo.

O autor da carta foi o supracitado Richard Dawkins, em resposta à uma carta enviada a seu colega Michael Shermer com o seguinte trecho:

Agora eu realmente compreendo quem vocês, ateistas e darwinistas, são! Vocês acreditam que não houve problema algum em meus bisavôs morrerem no Holocausto! Quão desprezível. Seu artigo passado sobre o Holocausto foi somente uma fachada. Nós judeus lutaremos para manter pessoas como você fora dos Estados Unidos!

Michael Shermer respondeu as acusações perguntando se ele havia ao menos assistido ao filme. Uma nova resposta chegou:

Sim eu vi. Você sabe, eu respeito você como ser humano e você fez um ótimo trabalho desmascarando paranormais e impostores, mas este é um problema muito delicado que afeta a mim e a minha família emocionalmente. Os negócios de nossa família foram afetados por Auschwitz e por isso nossa família não possui mais nada. Tudo se foi. As coisas começaram a fazer sentido assim que eu assisti o filme e agora eu estou chocado. Aprendi muito com Ben Stein, um irmão judeu, que abriu meus olhos.

Richard Dawkins tomou conhecimento destes acontecimentos de bastidores e resolveu endereçar a seguinte carta a este enfurecido indivíduo (clique aqui para ler a carta em PDF):

Caro Sr. J,

Michael Shermer repassou-me uma carta sua na qual há indícios de que você foi lamentavelmente enganado pelas sugestões falaciosas e/ou ignorantes de Ben Stein de que Darwin é, de alguma maneira, responsável por Hitler. Eu espero que você não se importe se eu escrever-lhe tentando desfazer este grave erro.

1. Eu simpatizo profundamente com você pelas perdas de seus parentes no Holocausto. Entretanto, eu não acho que isso possa ser dito para justificar o tom da sua carta para Michael Shermer, que é um homem decente, como você mesmo pareceu confessar em sua segunda carta a ele, e a antítese de um simpatizante nazista.

Agora eu realmente compreendo quem vocês, ateistas e darwinistas, são! Vocês acreditam que não houve problema algum em meus bisavôs morrerem no Holocausto! Quão desprezível. Seu artigo passado sobre o Holocausto foi somente uma fachada. Nós judeus lutaremos para manter pessoas como você fora dos Estados Unidos!

Repare nas suas palavras. Provavelmente você arrepende-se delas agora. Eu certamente espero que sim, mas continuarei a escrever minha carta para você, presumindo que você ainda sente ao menus um pouco do que escreveu.

2. As terríveis opiniões de Hitler não eram incomuns em sua época, não apenas na Alemanha mas por toda a Europa, incluindo, aliás, meu próprio país: a Inglaterra. O que tornou Hitler único foi o fato de que conseguiu subir ao poder de uma das nações líderes da Europa, que era, também, uma das mais avançadas tecnologicamente. Hitler obteve um grande apoio na Alemanha. Suas abonináveis ordens foram executadas por milhões de ordinários soldados alemães, e a grande maioria deles eram cristãos. Muitos eram luteranos, e outros (como o próprio Hitler) eram católicos romanos. Poucos eram os ateus, e o que quer que Hitler fosse ele certamente não era ateu. Dizem as vezes que Hitler apenas quis parecer católico, para assim conseguir o apoio da Igreja para seu regime. Nisto ele obteve um vultuoso sucesso. Portanto, quer Hitler tivesse sido um verdadeiro católico (como ele frequentemente dizia) a Igreja possui uma grave responsabilidade pelo que aconteceu. E o próprio Hitler usou a religião para justificar seu anti-semitismo. Por exemplo, aqui temos uma citação típica do fim do capítulo 2 do Mein Kampf:

Portanto, hoje em dia eu acredito que eu estou agindo de acordo com a vontade do Poderoso Criador: defendendo-me dos judeus, estou lutando pelo trabalho do Senhor.

O anti-semitismo obsceno de Hitler pode dominar a Alemanha pois havia um intrínseco histórico anti-semita na Alemanha, e também na Europa, no geral.

3. Caminhando mais além na história, de onde achamos que o tóxico anti-semitismo de Hitler, e dos alemães cujo apoio deram-lhe poder, veio? Não pode-se pensar seriamente que veio de Darwin. O anti-semitismo foi abundante na Europa por muitos séculos, positivamente encorajado pela maioria das Igrejas católicas, incluindo, especialmente, as duas que dominavam a Alemanha. A Igreja católico romana perseguiu notoriamente judeus como “Matadores-de-Critãos”. Enquanto que para os Luteranos, Martino Lutero escreveu um livro chamado “Dos Judeus e Suas Mentiras”, citado por Hitler. E Lutero publicamente disse que “Todos os judeus devem ser levados para fora da Alemanha.” Aliás, você pode ouvir um eco destas palavras em sua própria carta para Michael Shermer, “Nós judeus lutaremos para manter pessoas como você fora dos Estados Unidos!” Você não sente uma pontada de vergonha nessas suas terríveis declarações? Você não sente que, como um Judeu, você deveria estar especialmente arrependido por ter usado tais palavras?

4. Agora, para o assunto Darwin. A primeira coisa a ser dita é que a seleção natural é uma teoria científica de como a evolução realmente acontece. É tanto verdade como mentira, e é irrelevante se gostamos ou não dela, politicamente ou moralmente. Teorias científicas não são prescrições de como devemos agir. Eu escrevi muitas vezes (como por exemplo no primeiro capítulo de “A Devil´s Chaplain”) que sou um Darwinista apaixonado quando se considera a ciência de como a vida realmente evoluiu, mas um anti-darwinista apaixonado quando se considera a política de como os humanos devem agir. Eu disse diversas vezes que uma sociedade baseada nos princípios Darwinianos seria uma sociedade muito desagradável de se viver. Eu disse diversas vezes, começando do início do meu primeiro livro, “O Gene Invejoso”, que devemos entender a seleção natural para que possamos refutar qualquer tendência de sua aplicação na política humana. O próprio Darwin disse a mesma coisa, de diversas maneiras. Como também o disse seu grande amigo e admirador Thomas Henry Huxley.

5. O Darwinismo não apoioa qualquer tipo de racismo. É bem o contrário. É explicito que não trata-se da seleção natural entre raças. É sobre a seleção natural entre indivíduos. É verdade que o subtítulo de “As Origens das Espécies” é: “Ou a preservação de raças favorecidas na luta pela sobrevivência” mas Darwin usou a palavra “raça” de maneira muito diferente da que achamos. É evidente, se você leu o livro, que uma “raça favorecida” significa algo como “um conjunto de indivíduos que detêm certas mutações genéticas favoráveis” (embora Darwin não usasse este tipo de linguagem pois não conhecia o conceito moderno de mutação genética).

6. Não há menção a Darwin no “Mein Kampf”. Nem sequer uma menção singular, nem uma menção em nenhum dos 27 capítulos deste longo e tedioso livro. Você não acha que, se Hitler estivesse realmente influenciado por Darwin, ele não teria dado-lhe ao menos uma singela menção em seu livro? Estaria ele, talvez, INDIRETAMENTE influenciado por algumas das idéias de Darwin, sem se dar conta disto? Apenas se você interpretou de maneira completamente errônea as idéias de Darwin, como alguns definitivamente o fizeram: os chamados Darwinistas Sociais como Herbet Spencer e John D Rockefeller. Hitler poderia ser descrito como um Darwinista Social, mas todos os evolucionistas modernos, quase que literalmente sem exceção, expressaram sua condenação ao Darwinismo Social. Isto inclui, obviamente, Michael Shermer e eu, PZ Myers e todos os outros cientistas evolucionistas a quem Ben Stein e seu time enganaram para que fizessem parte de seu filme, mentindo para nós de suas verdadeiras intenções.

7. Hitler realmente tentou a reprodução eugênia em humanos, e isto é frequentemente mal intrepretado como uma tentativa de aplicar os princípios Darwinianos em humanos. Mas esta interpretação historicamente passado AAAAAAAA, como PZ Myers mostrou. O grande êxito de Darwin foi atentar-se à prática familiar da procriação de animais domésticos por seleção artificial, e perceber que o mesmo princípio poderia aplicar-se à NATUREZA, com isso explicando a evolução de toda a vida: “seleção natural”, a “sobrevivência do mais apto”. Hitler não aplicou a seleção NATURAL nos humanos. Ele era provavelmente até mais ignorante a respeito da seleção natural do que Ben Stein evidentemente é. Hitler tentou aplicar a seleção ARTIFICIAL em humanos, e não há nada especificamente Darwiniano sobre seleção artificial. Isso tem sido familiar aos fazendeiros, jardineiros, treinadores de cavalo, cruzadores de cachorros, criadores de pombas e muitos outros por muitos séculos, até milênios. Todos sabem sobre a seleção artificial, e Hitler não era uma exceção. O que era único em Darwin era sua idéia a respeito da seleção NATURAL; a política de eugenia de Hitler não tinha nenhuma relação com a seleção natural.

8. Sr. J, você tem sido cruelmente enganado por Ben Stein e seus inescrupulosos colegas. É algo perverso e malévolo que fizeram com você, e potencialmente com muitos outros. Eu não sei se eles deliberada e intencionalmente consumaram esta falsidade que enganou-lhe. Talvez eles sinceramente acreditam nisso, embora em outras contudas, as quais você pode ler por toda a Internet, eles me convenceram de que são completamente capazes de deliberar e expor ilusões. Você talvez não deva ser culpado por ter engolido as falsidades do filme, pois você provavelmente assumiu que ninguém teria a audácia de fazer um filme inteiro como aquele sem antes checar os fatos. Talvez até você precisará de um pouco mais de convencimento de que eles estavam errados; neste caso, recomendo-lhe que leia e estude essa matéria com urgência e em detalhes, algo que Ben Stein e sua equipe manifestadamente e lamentavelmente não fizeram.

Com meus melhores desejos, e simpatia pelas perdas que sua família sofreu durante o Holocausto.

Atenciosamente,

Richard Dawkins

(clique aqui para ler a carta em PDF)

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