Literatura

Tradução é criação

20 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Haroldo de Campos, foto: Eder Chiodetto

O livro Transcriação reúne escritos esparsos de Haroldo de Campos, publicados nos seus livros de ensaios e em suas traduções de poesia. A antologia cobre o âmago da poética da tradução desenvolvida por Haroldo de Campos. Organizado por Marcelo Tápia e Thelma Médici Nóbrega, o livro conta com dezesseis ensaios, publicados entre 1963 e 1997. A extensão temporal dos ensaios permite o acompanhamento do desenvolvimento da teoria de Haroldo de Campos da abolição da hierarquia entre criação e tradução poéticas. Apenas dois dos ensaios já integravam outras obras e foram incluídos para a manutenção da coesão do livro, que também conta com uma introdução elucidativa de Marcelo Tápia.

A reunião dos ensaios dimensiona a amplitude da busca pela existência sincrônica da obra como criativa e tradutória. Configura-se, assim, como cerne da discussão sobre recriação poética, atividade denominada por Haroldo de Campos transcriação: uma fonte indispensável e inesgotável de descoberta e diálogo fértil no trânsito entre línguas, linguagens, tempos e espaços.

Através dos textos de Transcriação é possível acompanhar o aprofundamento de uma reflexão teórica que tem como principais referências as reflexões desenvolvidas por Walter Benjamin e Roman Jakobson. Como analisou a poeta e tradutora Simone Homem de Mello – coordenadora do Centro de Referência Haroldo de Campos (Casa das Rosas, São Paulo) – em artigo publicado na revista Cult, Haroldo “os lê numa relação de complementaridade, atribuindo-lhes – respectivamente – a formulação de uma metafísica e de uma física da tradução. O repertório do tradutor-teórico se estende de Max Bense e Charles S. Peirce a Wolfgang Iser, passando por poetas pensadores, como Stéphane Mallarmé, Ezra Pound, Paul Valéry e Jorge Luis Borges”.

Haroldo de Campos, em entrevista concedida à Revista Zunái de poesia e debates, em 1997, disse:

“Eu acho que o latino-americano foi e tem sido, até um determinado momento, o terceiro-excluído, ou seja, sua literatura foi entendida como uma literatura menor ou receptora (o próprio Antonio Candido define a literatura brasileira como um galho menor de uma árvore menor que seria a literatura portuguesa). Tenho uma idéia diferente, pois não considero que existam literaturas maiores ou menores. […] Nossas literaturas, chamadas literaturas terceiro-mundistas, marginais ou periféricas, designações que, a meu ver, não descrevem a realidade, contrariamente a outras, que têm vocação mais monolingüe e imperialista (como é o caso específico, por exemplo, de certa parte da literatura francesa e de certa parte da literatura norte-americana), têm uma vocação universal, universalista”. Segundo ele, como citado na mesma entrevista, “[…] para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca. Quanto mais inçado de  dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor  enquanto possibilidade aberta de recriação.  Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele “que é de certa forma similar àquilo que ele denota”). O significado, o parâmetro semântico, será apenas tão-somente a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora. Está-se pois no avesso da chamada tradução literal”.

 

 

 

HAROLDO DE CAMPOS – TRANSCRIAÇÃO

Autor: Marcelo Tápia, Thelma Médici Nóbrega (orgs.)
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 31,50 (256 págs.) 

 

 

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