história

Um viajante escritor no tempo das Cruzadas: o itinerário de Benjamin de Tudela

27 junho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Mapa do século XVI da cidade de Hamadan, desenhado por Matrakçı Nasuh.

O itinerário de Benjamin de Tudela é uma das primeiras obras culturais da Idade Média; as notas deste grande viajante e escritor são o primeiro documento conhecido escrito em hebraico.

Nascido no Reino de Navarra, Benjamin de Tudela [c. 1130-1173], ou rabi Benjamin, empreendeu uma jornada de quase dez anos, durante um dos períodos cruciais da história medieval, entre a Segunda Cruzada – que deu início à reconquista da Península Ibérica – e a Terceira – quando Saladino tomou Jerusalém.

Seu diário de viagem, sobretudo pelo texto objetivo e detalhado, é de grande importância cultural e histórica, pois oferece um relato panorâmico em termos geográficos, religiosos, sociais, políticos e comerciais, a respeito de como viviam os povos asiáticos, africanos e europeus no século XII. Sua viagem antecede a de Marco Polo por cem anos e seu interesse, como comenta J. Guinsburg, “nutriu a imaginação de gerações de leitores judeus e deitou frutos inclusive com uma obra clássica nas letras ídiches, Aventuras de Benjamin III, de Mêndele Mokher Sforim, editada em 1878”; a crônica de Benjamin de Tudela “transpôs desde logo os muros dos guetos, difundindo- se em sucessivas edições hebraicas e traduções latinas”. Trata-se de um importante documento de história cultural hebraica e islâmica, bem como de suas respectivas religiões, suas relações com os cristãos na Idade Média e com a diáspora; sua narrativa difunde-se entre os principais expoentes da Ciência do Judaísmo, como também, desde os humanistas do renascimento, na pesquisa acadêmica sobre o universo medieval.

A editora Perspectiva acaba de publicar a primeira tradução para o português do livro do grande sábio sefardita do século XII. Tanto a tradução, como a organização e as notas são de responsabilidade do erudito J. Guinsburg.

De acordo com J. Guinsburg, uma das razões para o interesse incessante que a obra de Benjamin de Tudela desperta, “sem dúvida, é que Benjamin, embora um homem vinculado às suas raízes religiosas e etnoculturais, descreve com muito realismo tudo o que viu e visitou e, não menos, tudo o que lhe relataram sobre países e povos com os quais não teve contato pessoal. O motivo talvez seja porque o seu olhar é marcado por uma objetividade que se traduz em dados numéricos para a demografia judaica da época e em registro de ocupações no plano da economia, além de outras informações que são atribuídas à sua percepção e avaliação, sobretudo de mercador. Tais fatos e os quadros descritos por nosso itinerante ainda se propõem com vivacidade a um leitor de hoje”.

Um dos muitos exemplos pode ser esta passagem do Itinerário, pouco após rabi Benjamin passar por Roma, o que deve ter ocorrido depois de 1159:

“De lá, vai-se para Pozzuoli, que é chamada Sorrento, a Grande, construída por Zur, filho de Hadadezer, que fugiu por medo de David, o rei. O mar subiu e cobriu a cidade por seus dois lados, e hoje em dia pode-se ainda ver os mercadores e as torres que se erguiam no meio da cidade.

Uma fonte brota do fundo do solo contendo o óleo que é chamado de petróleo. As pessoas coletam-no da superfície da água e usam-no para fins medicinais. Há também ali fontes de água quente em um total de quase vinte, que saem do solo e estão situadas perto do mar, e todo homem que tenha alguma doença vai lá e banha-se nelas e fica curado. Todos os aflitos da Lombardia vistam-na no verão com esse propósito.

Desse lugar um homem pode viajar quinze milhas ao longo de uma estrada sob as montanhas, uma obra executada pelo rei Rômulo que construiu a cidade de Roma. ele foi incitado a fazê-lo por temor ao rei David e Ioab, seu general. Ele construiu fortificações quer em cima das montanhas, quer embaixo das montanhas, chegando tão longe como a cidade de Nápoles”.

Sobre o itinerário seguido por Benjamin de Tudela, Leandro Penna Ranieri, doutor em História Social, no artigo “Por uma biografia possível do Livro de Viagens, de Benjamin de Tudela”, apresentado no VII Simpósio Nacional de História Cultural, em 2014, pontua: “Sumariamente, Benjamin conduziu uma viagem para o Oriente a partir da década de 60 do século XII d.C., saindo da Espanha e passando pelos territórios – hoje países – da França, Itália, Turquia, Chipre, Síria, Líbano, Israel, Iraque, Arábia Saudita, Egito, e retornando para Itália e Espanha. Grande parte da rota é bem definível através da descrição feita por ele; o que é incerto é o retorno, em especial a partir da Arábia Saudita, quando se perde, pelas descrições, sua rota; também é possível que a viagem não tenha sido de fato terminada e que alguns relatos de lugares mais distantes, como a China, tenham sido feitos a partir de outros relatos orais, e não após uma visita em primeira pessoa”. O pesquisador contextualiza, não só o relato de Benjamin, como sua disposição de interesse à diversidade cultural: “Século XII d.C., Tudela, reino de Navarra, Espanha, relato de viagens manuscrito em hebraico, hebreu sefardita: temos os primeiros elementos de análise do recorte contextual”. Seu próprio país natal, Tudela, também em parte explica a disposição exploratória do grande sábio sefardita, conforme mostra o historiador: “A denominação sefardita é utilizada para referir-se aos descendentes de hebreus imigrantes e habitantes da Península Ibérica (na época chamada de Al-Andalus). A palavra tem origem em Sepharad, nome de uma localidade que aparece na Bíblia Hebraica (no livro de Obadias/Abdias, em nossa tradução aparece Sarepta) e utilizado pelos próprios hebreus para denominar sua região na Península Ibérica”. Assim, Benjamin, que, conforme é dito no prólogo anônimo da obra, era filho do rabino Jonas, habita a Espanha sob o reinado de Navarra, convivendo, como comenta Ranieri, com muçulmanos e cristãos aparentemente em certa liberdade, pois, caso contrário, sua própria viagem seria comprometida. Sumariamente, o contexto de desenvolvimento da cultura hebraica na Península Ibérica possui raízes com as rotas encontradas pelos primeiros hebreus viajantes no século III a.C. Porém, segundo as fontes, somente realçaram-se as manifestações culturais (filosofia, medicina, poesia, política e militarismo, assim como o desenvolvimento de uma mescla linguística) entre os séculos VII e IX d.C., numa cidade-estado sob o Império Islâmico, com certa aceitação religiosa diversa. Em meio a disputas de poder entre religiões (árabes e cristãos), e às Cruzadas, Tudela mantinha-se numa região próxima ao rio Ebro, de manufatura de lã e peles. Aquela terra onde mesclavam-se culturas e práticas não pode passar desapercebida do olhar do pesquisador.

É de maneira muito sutil que essas manifestações culturais mostram-se no relato de Benjamin, pois conduzidas por um caminho geográfico. As distâncias entre cada cidade por qual passa o viajante, dimensionam a geografia de uma época e ilustram seu estado político.

Sobre o interesse inicial da viagem de Benjamin de Tudela, Ascher, bibliófilo e antiquário alemão que preparou a edição do diário na qual baseia-se a tradução brasileira aponta um duplo objeto das viagens: Benjamin teria sido um mercador, que estaria impelido a notar com precisão o estado dos negócios nos lugares que visitou; por outro lado, era acometido por uma “doce melancolia”: “Sentia a existência desse mágico e invisível laço que, mesmo em nossos dias de indiferentismo, levanta a simpatia de todos os israelitas europeus em favor do oprimidos em Damasco, mas também sabia que o comércio era quase o seu único meio de sustento e o seu sucesso a mais segura via de ganhar influência junto aos príncipes, cujo jugo oprimia os judeus de seu próprio tempo e, infelizmente, de muitas épocas subsequentes”.

Em sua viagem, Benjamin dificilmente encontra uma cidade de importância onde não pudessem ser encontrados judeus, dos quais tomava nota sobretudo quanto à sua erudição e riqueza. Como diz Adler, tradutor de Benjamin de Tudela do hebraico, “no idioma sagrado eles tinham uma língua comum, e onde quer que fossem podiam contar com uma recepção hospitaleira de seus correligionários”. Exatamente por isso, podemos pensar, como comenta Leandro Ranieri, que “o interesse ‘turístico’ é uma anedota para ilustrar um motivo de viagem que o fez localizar, quase numa forma de census, as comunidades hebreias da época, o que poderia facilitar a definição de rotas seguras e hospitaleiras para próximos peregrinos. Havia diversos locais espalhados com um agrupamento de hebreus, com suas aljamas, o que tanto poderia facilitar a movimentação e comunicação de Benjamin ao longo da viagem, como, na forma de intenção, ele poderia registrar e indicar os locais onde outros poderiam encontrar um lugar para ficar, por quaisquer razões. Sob essa motivação, Benjamin realizou um registro que poderíamos enquadrar como antropológico e etnográfico, pois não só buscava contar o número de hebreus em cada cidade percorrida, mas também o que consideramos costumes e hábitos”.

De fato, descrição da viagem de Benjamim ofereceu a seus contemporâneos uma amplitude em sua visão de mundo, inclusive pela indicação de inúmeros dados práticos aos peregrinos judeus do medievo, com informações sobre cidades hospitaleiras a viajantes, dentre as quais Montpellier, Gênova e Constantinopla. Há menções a uma escola de medicina cristã em Salerno. Benjamin narra condições econômicas dos mercadores de Barcelona, Montpellier e Alexandria, menciona as principais atividades econômicas dos judeus, como os tintureiros de Brindisi, os tecedores de seda de Tebes, os curtidores de couro de Constantinopla e os vidraceiros de Alepo e do Tigre. Também enumera com precisão as informações demográficas sobre o número de judeus nas cidades pelas quais passou [apesar que o tradutor ressalve que Benjamin apenas enumera os chefes de família], por exemplo, havia vinte judeus em Pisa, 40 em Luca, 500 em Nápoles.

Benjamin partiu da cidade de Tudela, ao norte da Espanha, rumo a Barcelona, Provença e Marselha, de onde foi, de navio, até Gênova, ponto de partida para Pisa e Roma – cidades nas quais admira-se em descrições detalhadas sobre os monumentos e antigüidades. De Roma, viajou ao sul da Itália, passou por Salerno, Amalfi, Melfi, Benevento e Brindisi. Navegou de Corfu até Arta, visitou a Grécia, onde viu os tecedores de seda judeus e a colônia agrícola de Crissa, no monte Parnasos. Em Constantinopla, onde Benjamin admira-se pelos acadêmicos e seu profundo conhecimento da literatura grega, realizou uma descrição que é considerada a mais completa e vívida realizada no século XII. Seguindo seu roteiro, Benjamin navegou pelo arquipélago de Agiam até Chipre. Quando em terra firme, passou pela Antióquia, Sidon, Tiro e Acre, na Terra Santa, então ainda sob o domínio dos cruzados. De Tiberíades, dirigiu-se para o norte até Damasco e depois Bagdá.

Após passar por Bagdá, Benjamin chega a Babilônia, a Babel dos tempos bíblicos, da qual descreve a corte dos califas:

“Dali são dois dias até Bagdá, a grande cidade e a residência real do califa emir Al Muminim Al Abasi da família de Maomé. Ele é o cabeça da religião maometana e todos os reis do Islã lhe obedecem; ele ocupa uma posição similar ao do papa sobre os cristãos. Ele tem um palácio em Bagdá de três milhas de extensão, em que há um grande parque com todas as variedades de árvores, frutíferas e de outras mais, e todas as espécies de animais. O conjunto é rodeado de uma muralha, e no parque há um lago cujas águas são alimentadas pelo rio Hidekel. Sempre que o rei deseja entregar-se à recreação e alegrar-se e festejar, seus servidores apanham todas as espécies de pássaros, caças e peixes, e ele vai ao seu palácio com seus conselheiros e príncipes. Lá, o grande rei Al Abasi, o califa (Hafiz), celebra sua corte, e ele é bondoso com Israel e muitos que pertencem ao povo de Israel são seus acompanhantes; ele conhece todas as línguas e é bem versado na lei de Israel. Ele lê e escreve na língua sagrada (hebraico). Ele não partilha de nenhuma coisa a não ser que haja ganhado com o trabalho de suas próprias mãos. Ele faz colchas às quais apõem seu selo; seus cortesãos vendem-nas no mercado, e os grandes do país as compram, e dos produtos dessa venda provêm seu sustento. Ele é confiante e confiável, sua fala é de paz para todos os homens. Os homens do Islã o veem apenas uma vez por ano. Os peregrinos que vêm de terras distantes, para ir a Meca, que fica na terra de El- Yemen, anseiam ver a sua face e reúnem-se diante do palácio exclamando: ‘Nosso Senhor, luz do Islã e glória de nossa Lei, mostra-nos a fulgência de teu semblante’ – mas ele não dá atenção às suas palavras. Então os príncipes que são seus ministros dizem-lhe: ‘Nosso Senhor, difunde tua paz sobre os homens que vieram de terras distantes, que almejam abrigar-se sob a sombra de tua benevolência’. Em consequência disso, ele se ergue e deixa cair da janela a fímbria de sua túnica e os peregrinos vêm e beijam- na, e um príncipe lhes diz: ‘Ide em paz, pois nosso mestre, o senhor do Islã, concedeu paz a todos vós’. Ele é considerado por eles Maomé, e eles voltam para suas casas rejubilando-se com a saudação que o príncipe se dignou a outorgar-lhes e contentes por terem beijado a sua túnica.

Cada um de seus irmãos e membros de sua família tem uma morada em seu palácio, mas eles estão todos agrilhoados em cadeias de ferro e guardas permanecem postados em torno de suas casas, de modo que não possam se levantar contra o grande califa. Pois aconteceu uma vez que seus irmãos se ergueram contra ele e proclamaram um deles como califa; então foi decretado que todos os membros de sua família devem ser acorrentados, de modo que não possam levantar-se contra o califa reinante. Cada um deles reside em seu palácio em grande esplendor, e eles são donos de aldeias e cidades, e seus intendentes lhes trazem tributos daí provenientes, e eles comem e bebem e regojizam-se todos os dias de suas vidas”.

Também em Bagdá, Benjamin conta, “há cerca de quarenta mil judeus e eles vivem em segurança, prosperidade e honra sob o grande califa; e entre eles há grandes sábios, os chefes das academias empenhados no estudo da lei. Nessa cidade existem dez academias”. Os cabeças das academias exerciam autoridade administrativa nas comunidades do império islâmico, não eram eleitos, mas nomeadas por uma elaborada forma de sucessão, como J. Ginzburg indica em nota.

Depois da Babilônia, Benjamin viaja por Samarcanda, que era na época já uma grande cidade, nos confins da Pérsia. Dirige-se a Khulam, “que é onde começa o país dos adoradores do Sol. São os filhos de Cusch, que lêem as estrelas, e são todos pretos na cor. Eles são honestos no comércio. Quando mercadores vêm a eles, de terras distantes, e entram no porto, três dos secretários do rei baixam até eles e registram seus nomes, e depois os levam á presença do rei, como consequência o próprio rei se faz responsável pelos bens dos mercadores, que eles deixaram abertos e desprotegidos. Há um funcionário sentado em seu posto, e o proprietário de qualquer bem perdido tem apenas de descrevê-lo ao funcionário, quando este o devolve. Esse costume prevalece em todo aquele país”. Passa então pelo Ceilão, terra de habitantes que “são adoradores do fogo, e são chamados dukhbin. Entre eles há cerca de três mil judeus, e esses dukhbin têm sacerdotes em seus vários templos que são grandes bruxos em todas as artes da feitiçaria, e não existem outros como eles na terra”. Daí, diz Benjamin, “para cruzar a terra de Zin (China) é uma viagem de quarenta dias. Zin se situa no extremo Este, e alguns dizem que lá se encontra o mar de Nipka (Ning-po?), onde a estrela Órion predomina e ventos tempestuosos prevalecem”. Ainda que as informações sobre Índia e China sejam um pouco vagas, J. Guinsburg lembra que Benjamin de Tudela foi o primeiro a ao menos mencionar a China. É interessante que, na descrição do mar de Nipka e seus ventos revoltos, Benjamin fala de “um grande pássaro chamado grifo”, que agarra os marinheiros e os leva para o alto de uma montanha para devorá-los. J. Guinsburg menciona que “Marco Polo tem muito a dizer sobre o pássaro denominado ‘grifo’ quando fala das correntes marítimas que impelem os navios de Malabar para Madagascar” e que “a ave é, por certo, familiar aos leitores das Mil e uma noites”.

Benjamin passa depois pela Líbia, “que é um império cristão”, com quem os judeus estavam em guerra. Torna ao Egito, onde comenta sobre a vida judaica no Cairo e, em Alexandria, “cidade azafamada e cheia de tráfico”, iniciou a viagem de volta. Ao final, descreve a Sicília, de onde provavelmente voltou à Espanha de navio.

Seu Itinerário é  um documento etnográfico, sociológico – atento às estratificações econômicas, às organizações comunitárias, às realizações intelectuais e instalações educacionais –, geográfico, histórico. Fornece material privilegiado para se pensar a história do comércio, entre Europa, África e Ásia, na época das Cruzadas, e, por consequência – o que é de grande valia para qualquer ciência da cultura –, a história de seus intercâmbios culturais. Peça preciosa da literatura de viagem medieval, reúne informações sobre três quartos do mundo então conhecido.

Considerando-se que grande parte deste mundo era conhecido através de testemunhos oculares dos próprios viajantes, através de seus relatos, não surpreende a consciência da importância da obra de Benjamin, em sua época ou agora.

 

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Trechos da descrição de alguns dos lugares pelos quais passou Benjamin de Tudela, no século XII:

Roma:

“De lá são seis dias de viagem até a grande cidade de Roma. Roma é a cabeça dos reinos da Cristandade, e contém cerca de duzentos judeus, que ocupam uma posição honorável e não pagam tributo, e entre eles há oficiais do papa Alexandre, o chefe espiritual de toda Cristandade. Grandes eruditos residem aí, à cuja testa estão R. Daniel, o rabino-chefe, e R. Iekhiel, um oficial do papa. Ele é um jovem de bela aparência, de inteligência e sabedoria, e tem entrada no palácio do papa; pois é o administrador de sua casa e de tudo o que ele tem. É um neto de R. Natan, que compôs o Arukh e seus comentários. […] Roma é dividida em duas partes pelo rio Tibre. Numa parte encontra-se a grande igreja que eles chamam de são Pedro de Roma. O grande palácio de Júlio César também se erguia em Roma. Há muitas estruturas maravilhosas na cidade, diferentes de quaisquer outras no mundo. Incluindo tanto as partes habitadas quanto em ruínas, Roma tem cerca de 24 milhas de circunferência. No meio delas há oitenta palácios pertencentes a oitenta reis que viveram lá, cada um deles denominado Imperdaor, começando pelo rei Tarquínio até Nero e Tibério, que viveram no tempo de Jesus, o Nazareno, e findando com Pepino, que libertou a terra de Sefarad do islã, e foi pai de Carlos Magno. […] Existem lá muitos outros edifícios e um sem número de coisas para se ver”.

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Babilônia:

“Dali é um dia de jornada até a Babilônia, que é a Babel de antigamente. As ruínas têm trinta milhas de extensão. As ruínas do palácio de Nebuchadnezar (Nabucodonosor) ainda podem ser vistas lá, mas as pessoas têm medo de entrar em seu interior devido às serpentes e escorpiões. Bem perto, no máximo a uma milha de distância, residem três mil israelitas que rezam na sinagoga do Pavilhão de Daniel, que é antigo e foi erigido por Daniel. É uma construção de pedra talhada e tijolos. Entre a sinagoga e o palácio de Nebuchadnezar fica a fornalha em que Hananiá, Mischael e Azariá foram atirados, e o sítio em que ela se encontra no vale é conhecido por todos. […]

Dali são quatro milhas até a Torre de Babel, que a geração, cuja linguagem foi confundida, construiu com tijolos denominados Agur. O comprimento de sua fundação é de cerca de duas milhas, a largura da torre é de cerca de quarenta cúbitos e o comprimento desta é de duzentos cúbitos. A cada dez cúbitos de distância há rampas que envolvem a torre e pelas quais se pode ascender até o topo. Pode-se descortinar dali uma vista de vinte milhas de extensão, pois é uma terra plana. Ali caiu o fogo do céu no meio da torre, que rachou até o fundo”.

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Alexandria:

“Dois dias de viagem leva a pessoa a Alexandria do Egito, que é Amonn de No; mas quando Alexandre da Macedônia construiu a cidade, ele lhe deu a seu próprio nome a fez extraordinariamente forte e bela. As casa, os palácios e as muralhas são de excelente arquitetura. Fora da cidade fica a academia de Aristóteles, o professor de Alexandre. É um grande edifício, situado entre outras academias em número de vinte, com uma coluna de mármore entre cada uma. Pessoas de todo o mundo estavam acostumadas a ir para lá a fim de estudar a sabedoria de Aristóteles, o filósofo. A cidade está edificada sobre uma depressão por meio de arcos. Alexandre a construiu com grande inteligência.  As ruas são largas e retas, de modo que um homem pode olhar ao longo delas por uma milha de porta a porta, da porta de Reschid à porta junto ao mar.

Alexandre também construiu para o ancoradouro de Alexandria um molhe, uma estrada real que corre para o meio do mar. E lá ele ergueu uma grande torre, um farol, denominado Manar al Iskandriyyah, em árabe. No topo da torre há um espelho de vidro. Qualquer navio que tente atacar ou molestar a cidade, vindo da Grécia ou dos países ocidentais, poderia ser visto por meio desse espelho de vidro a uma distância de vinte dias de jornada, e os habitantes (de Alexandria) poderiam destarte pôr-se em guarda. Aconteceu uma vez, muitos anos após a morte de Alexandre, que um navio veio da terra da Grécia, e o nome do capitão era Teodoro, um grego de grande inteligência. Os gregos naquele tempo estavam sob o jugo do Egito. O capitão trazia grandes regalos em ouro e prata e vestes de seda para o rei do Egito, e ele ancorou seu navio em frente do farol, como era costume de todos os mercadores.

Todos os dias o guardião do farol e seus servidores eram convidados a fazer suas refeições com ele, até que o capitão chegou a estar em termos tão amistosos com o zelador que ele podia entrar e sair o tempo todo. E um dia ele deu um banquete, e fez com que o guardião e seus servidores bebessem uma grande porção de vinho. Quando todos estavam dormindo, o capitão e seus servidores foram e quebraram o espelho e partiram aquela mesma noite. Daquele dia em diante, os cristãos começaram a vir até aí com barcos e navios maiores, e finalmente capturaram uma grande ilha chamada Creta e outra Chipre, que estão sob o domínio dos gregos. Sempre desde então, os homens do rei do Egito não têm sido capazes de levar a melhor sobre os gregos. Até o dia de hoje o farol é um marco de referência para todos os navegantes que vem para Alexandria; pois a gente pode avistá-lo a uma distância de cem milhas de dia, e de noite o zelador acende uma tocha que os marinheiros podem ver de longe, e assim velejar em sua direção”.

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O ITINERÁRIO DE BENJAMIN DE TUDELA

Autor: Benjamin de Tudela
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 39,20 (160 págs.)

 

 

 

 

 

 

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