A história deste livro fabuloso já é por si fantástica: uma noite três amigos conversavam sobre ficções fantásticas e decidiram criar uma antologia com seus autores preferidos. Os amigos, nada menos que os escritores Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo, três anos depois, em 1940, lançaram a Antologia da literatura fantástica, cuja edição definitiva foi consolidada 25 anos depois e obteve enorme sucesso. Foram reunidas 75 histórias, entre contos, fragmentos de romance e peças de teatro.
No prólogo, Bioy Casares diz que as ficções fantásticas, “antigas como o medo”, são “anteriores às letras. As assombrações povoam todas as literaturas”.
Para ele, “logo veremos, porém, que não há só um, mas muitos tipos de contos fantásticos. É preciso averiguar as regras gerais para cada tipo de conto e as regras especiais para cada conto. Portanto, o escritor deverá considerar seu trabalho como um problema que pode ser resolvido, em parte, por regras gerais e preestabelecidas, e, em parte, por regras especiais que ele deve descobrir e acatar”. Ele conta que, para organizar a antologia, os amigos seguiram “um critério hedônico: não partimos da intenção de publicar uma antologia. Numa noite de 1937, conversávamos sobre literatura fantástica, discutíamos os contos que nos pareciam melhores; um de nós disse que, se os reuníssemos e acrescentássemos os trechos sobre o gênero anotados em nossos cadernos, obteríamos um bom livro. Fizemos este livro”. No adendo que fez ao prólogo, por ocasião da segunda edição, de 1965, Bioy arremata: “Quando compilamos esta antologia, nós acreditávamos que o romance, em nosso país e em nossa época, sofria de uma grande fraqueza na trama, porque os autores tinham esquecido o que poderíamos chamar de propósito primordial da profissão: contar histórias”.
Entre os textos, além dos de autoria dos próprios organizadores, há desde os de autoria de autores que são ícones da literatura fantástica, como Kafka, Julio Cortázar, Edgar Allan Poe e Guy de Maupassant, até os de autores praticamente ignorados, como o chinês Tzu Chuang.
Um deles, de apenas três frases, foi escrito pelo capitão sir Richard Francis Burton, explorador, orientalista, poliglota e antropólogo, além de tradutor de Os lusíadas e do Livro das mil e uma noites, como explica a cuidadosa breve nota biográfica que acompanha cada um destes textos fantásticos – notas que, bem como a disposição alfabética dos autores, enfatizam a organização da Antologia aos moldes enciclopédicos – “ordem borgiana por excelência”, como diz Walter Carlos Costa no prólogo.
A edição brasileira foi feliz com a ótima tradução de Josely Vianna Baptista, que traduziu acertadamente a versão em espanhol que os próprios autores realizaram dos textos selecionados, quando escritos em seus idiomas originais. Em nota, os editores contam: “Em 1982, quando foi publicada uma edição italiana da Antologia, Borges afirmou: “não traduziram nossa antologia, procuraram as fontes e traduziram. Agiram assim em prejuízo do leitor, naturalmente. Não deveriam ter escolhido um livro de autores que se distinguem por suas transcrições e citações infiéis”. Basta lembrar o que diz justamente um dos dois contos de sua autoria escolhidos para integrar a antologia, “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” – incluso em “O jardim das veredas que se bifurcam”, de 1941: “[…] O fato ocorreu há mais ou menos cinco anos. Bioy Casares jantara comigo naquela noite e nos estendemos numa vasta polêmica sobre a elaboração de um romance em primeira pessoa, cujo narrador omitisse ou desfigurasse os fatos e incorresse em diversas contradições, que permitissem a alguns poucos leitores – a muito poucos leitores – adivinhar uma realidade atroz ou banal”.
ANTOLOGIA DA LITERATURA FANTÁSTICA
Autores: Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 48,30 (448 págs.)