Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

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Filosofia e arte

4 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Marcel Duchamp

O descredenciamento filosófico da arte, de Arthur C. Danto, desenvolve interessantes considerações estéticas, suscitadas pelas análises da filosofia e da arte, tanto modernas quanto contemporâneas, envolvendo sobretudo o problema do esmaecimento das distinções claras para a definição de uma obra enquanto artística.

Publicado no Brasil pela editora Autêntica, com tradução realizada pelo professor Rodrigo Duarte, o livro representa relevante contribuição para as discussões estéticas em torno da arte contemporânea.

A obra traz nove ensaios, que abrangem diferentes perspectivas, porém tendo como pano de fundo a filosofia da história da arte. Continue lendo

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Literatura

Erudito mítico sertanejo

1 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ariano Suassuna nasceu em junho de 1927. No na seguinte, sua família mudou-se para a Fazenda Acauhan, no sertão da Paraíba, pois seu pai, João Suassuna, então recente ex-governador, temia ações de inimigos políticos. João foi morto em 1930, mesmo ano em que Ariano iniciou seus estudos. A família então mudou-se para Taperoá e, sete anos depois, para Recife, onde Ariano intensificou seu contato com a literatura. “Comecei a querer ser escritor aos 12 anos, quando fiz meu primeiro conto. Na época, era um assassino terrível. Quando não sabia o que fazer com um personagem, matava”, contou. Em 1945, teve publicado seu primeiro texto, o poema “Noturno”, no Jornal do Commercio. Ao longo de sua vida, seguiu escrevendo peças, romances, poemas, ensaios, teses. Enquanto membro fundador do Conselho Nacional de Cultura e Diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE, articulou o Movimento Armorial, defendendo a criação de uma arte nordestina erudita, concebida a partir de suas raízes populares.

Ao completar 80 anos de idade, em 2007, Ariano Suassuna foi homenageado em todo o Brasil pela grandeza de seu trabalho. Pouco antes, dissera: “A literatura é uma forma de protestar contra a morte”.

O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta é narrado como um romance autobiográfico de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quadrena, que proclamara a si mesmo “Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Serteneja e pretendente ao trono do Império do Brasil”. Continue lendo

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fotografia

Documentário imaginário

31 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Escafandro”, 2005, foto de Pedro David, presente no livro “Paisagem submersa”

Paisagem submersa, trabalho realizado coletivamente pelos fotógrafos mineiros João Castilho, Pedro David e Pedro Motta, publicado como livro em 2008 pela CosacNaify, retrata comunidades ribeirinhas, em sete municípios do nordeste de Minas Gerais, que tiveram suas terras inundadas para que se pudesse formar o lago da Usina Hidrelétrica de Irapé, no leito do rio Jequitinhonha – eis o porquê do título. O resultado, interessante e poético, registra a grandiosidade das paisagens em seu contraste com o abandono humano. O conjunto das imagens coloca-se como uma revisão contemporânea da linguagem do fotodocumentário.

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matraca

Fragmentação social

30 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

M. C. Escher

A filósofa Marilena Chaui, nos ensaios publicados neste mês pela editora Autêntica em coedição com a Fundação Perseu Abramo, reflete sobre o sentido d’A ideologia da competência. Ao longo do livro, a autora identifica uma nova classe trabalhadora, constituída no cenário brasileiro em meio ao avanço de políticas econômicas e sociais democráticas que, sob as condições impostas pela economia neoliberal, acabaram por difundir tanto a ideologia da competência quanto a racionalidade do mercado. Analisando o sentido desta ideologia, Chaui constitui uma gênese do conceito, desde a regulação fordista até o avanço do neoliberalismo, concentrando sua análise em duas instituições: a universidade e a indústria cultural. Sua indagação, amparada pelo uso erudito de boa parte do história da filosofia, perscruta o mais profundo sentido do que é o político e identifica uma modernização do autoritarismo no Brasil. Um livro de combate, que mostra a força e o perigo de ideologias que, colocadas como míticas verdades universais, são fruto de construções sociais ao mesmo tempo que ferramentas de sua manutenção.

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Literatura

Desdobramentos entre o real e a fantasia

29 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Quinten Massys

 “A partir de certo momento trocaram aclive por declive e se fixaram na construção da pior imagem possível do próprio ser que as produz”.

 

Mar Negro, novo romance de Dau Bastos, conta a história de Anderline, uma alagoana cujo principal atributo é a extrema feiura, qualidade contornada por uma inteligência sagaz. Ela foge para o Leste Europeu, passa pela Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Turquia: experiencia lados ruins como prisioneira da realidade, ao mesmo tempo em que busca sua identidade enquanto assumida personagem de uma ficção. Em cada parada de sua viagem, esparge uma afrodisíaca fragrância e acaba por conquistar alguns homens e, ao chegar a Istambul, consegue a proeza de transformar a sufocante burca em suporte para enfim tecer uma relação duradoura. A crítica à ditadura da beleza ressoa na prosa de Dau Bastos, encaminhando uma reflexão sobre o real e a fantasia. Um livro criativo e ousado, que desafia o estabelecimento de fronteiras da existência – “bom era o tempo em que a poesia e a prosa se uniam à religião na aposta na capacidade humana de ascender da inconstância terrena à estabilidade fundamental”.

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Espetáculo verbal

28 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Que Você Está Olhando – Teatro (1913-1920) reúne dezoito peças da escritora norte-americana Gertrude Stein. Algumas das peças contidas no volume já haviam sido traduzidas para o português, mas é a primeira vez que o conjunto de produção deste período linguisticamente experimental de Stein é integralmente publicado no Brasil. O livro foi organizado por Dirce Waltrick do Amarante, doutora em Teoria Literária pela UFSC, em parceria com a pesquisadora Luci Collin.

O teatro de Gertrude Stein é novo em muitos sentidos. As dezoito peças aqui reunidas são consideradas pelos teóricos do teatro contemporâneo como modelos ainda não bem explorados pelos leitores e encenadores. São texto inovadores e interessantes, nascidos do cerne do imprevisível. Um teatro que desenvolve-se numa cadência de palavras a relacionarem-se com suas recombinações de sentidos, como um jogo.

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Uma linguagem fotográfica engajada

25 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

foto de Claudia Andujar, da série “Marcados”

Em 2009 a fotógrafa Claudia Andujar publicou pela CosacNaify o livro Marcados, composto por 85 fotos dos índios Yanomami realizadas entre 1981 e 1983, durante uma viagem de levantamento das suas condições de saúde após o contato com o branco. Para a catalogação dos registros, como os Yanomami não respondem a nome próprio, foi adotado o método, consagrado desde o século XIX para a identificação dos povos nativos, que consiste em uma fotografia do indivíduo com um número preso ao corpo. O conjunto das fotos transformado em livro apresenta-se como um profundo questionamento sobre as relações que povos exercem sobre outros, marcando-os e determinando a extensão de sua sobrevivência.

Claudia Andujar (1931) nasceu na Suíça e vive no Brasil desde 1955. A fotógrafa participará da Flip deste ano, na mesa também intitulada “Marcados”, que dividirá com Davi Kopenawa, representante dos índios Yanomami.

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Literatura

Meu velho,

24 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Rembrandt

O nome de Luisa Geisler é um dos mais promissores no atual cenário da literatura brasileira. Ela foi a mais jovem escritora a participar da edição especial Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros, foi indicada ao Prêmio Jabuti de Literatura de 2013 e recebeu, em 2012, o Prêmio SESC, pelo livro romance de estréia, Quiçá, que também lhe rendeu indicação ao Prêmio Machado de Assis. Com seus contos, reunidos em Contos de mentira, venceu o Prêmio SESC de Literatura e finalista do Jabuti. Tudo isso aos “vinte e poucos anos”: Luisa nasceu em 1991, em Canoas, RS.

Seu novo romance, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, lançado pela Alfaguara, é dotado de um humor desconcertante, capaz de criar passagens verdadeiramente cativantes sobre as incertezas do amadurecimento. Continue lendo

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Literatura

Medeia

23 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Alphonse Mucha, cartaz para encenação de Medeia por Sarah Bernhardt

Medeia é uma personagem terrivelmente fascinante da mitologia. Bela feiticeira, estrangeira, errante, ferida na alma pelo amor. Apaixonada, sofrida, atordoada, matou, num delírio furioso, os próprios filhos. Poderosa e assustadora, nas palavras de Horácio: “seja Medeia feroz e invicta” (sit Medea ferox inuictaque). Não há apenas uma história de Medeia. Sua presença é múltipla, engloba de uma face benéfica a uma cruel. É por isso que Medeias latinas é um ótimo lançamento da Editora Autêntica: organizado e traduzido por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, este rico volume traz a personagem pela perspectiva dos autores Ênio, Pacúvio, Lúcio Ácio, Varrão de Átax, Higino, Ovídio, Sêneca, Valério Flaco, Hosídio Geta, Ausônio e Dracôncio, em edição bilíngue português-latim espelhada.

Segundo o professor de Língua e Literatura Latina da UFPR Guilherme Gontijo Flores, “Márcio Gouvêa Júnior não é apenas um excelente compilador de mitos em sua versão romana – ele é um excelente tradutor, alguém capaz de devolver poesia àquilo que um dia foi poesia noutra língua, noutra cultura. E, convenhamos, isso importa, isso é o que importa; porque o leitor não vai se deparar com uma mera listagem enfadonha de variantes mitológicas. O que você tem em mãos, com estas Medeias latinas, é a chance de reexperimentar poeticamente as várias faces de Medeia dentro da cultura romana, de encarar o que há de variantes no seu conteúdo também pelas variantes da sua forma – o que só poderia ser feito por alguém que, além de erudito, é também um poeta”.

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Literatura

Estilo abarrocado

22 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias”.

A morte João Ubaldo Ribeiro é uma perda sensível à literatura brasileira. Sobretudo aos leitores que o acompanhavam semanalmente nos textos publicados nos jornais O Estado de São Paulo e O Globo.

Viva o povo brasileiro, um de seus mais célebres livros,completa, em dezembro deste ano, 30 anos desde seu lançamento. O livro havia sido publicado novamente pela editora Alfaguara em 2008 e, para comemorar o aniversário do primeiro lançamento, em novembro será lançada uma nova edição, com ensaios de Geraldo Carneiro e Rodrigo Lacerda. Segundo Lacerda, como divulgou o jornal O Estado de São Paulo, João Ubaldo fez, de Viva o povo brasileiro, “o grande entroncamento literário de sua carreira, onde todos os outros livros se encontram […] é o grande manancial, mas é simultaneamente o escoadouro de tudo”.

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Literatura

Realidade ou ficção?

21 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Margaridas”, Odilon Redon

Lançamento da Companhia das Letras, Flores artificias, de Luiz Ruffato, conta uma história que se passa com o próprio escritor, que  recebe em sua casa a correspondência de um desconhecido. Trata-se de um manuscrito, que reúne memórias de um engenheiro, funcionário graduado do Banco Mundial, Dório Finetto, escritas ao longo das suas inúmeras viagens a trabalho, como consultor de projetos na área de infraestrutura. Suas narrativas, contudo, apesar de despretensiosas literariamente, mostram um observador arguto e sensível e uma personagem capaz de se misturar com naturalidade num grupo de desconhecidos. A partir dessas observações, Finetto compôs o livro que manda à casa do escritor Ruffato Viagens à terra alheia, com histórias narradas que não foram vividas pelo próprio Finetto, e sim por pessoas que ele teria conhecido em viagens ao redor do mundo. Este livro dentro do livro Ruffato transforma no romance Flores artificiais. Partindo de um esqueleto ficcional, Ruffato, enquanto autor, não enquanto personagem do próprio livro, brinca com as fronteiras entre ficção e realidade. O livro é marcado pela força literária que é particularidade de sua obra.

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Literatura

Insignificante essência da vida

18 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A Companhia das Letras lança hoje A festa da insignificância, o mais novo livro do tcheco Milan Kundera. No romance, o autor coloca em cena quatro amigos parisienses que vivem numa deriva inócua, característica de uma existência contemporânea esvaziada de sentido. Os amigos constatam que as novas gerações já se esqueceram de quem era Stálin, perguntam-se o que está por trás de uma sociedade que, em vez dos seios ou das pernas, coloca o umbigo no centro do erotismo. Profundo, ironicamente conformista, na forma, que lhe é cara, de uma fuga com variações sobre um mesmo tema, Kundera transita com naturalidade entre a cidade de Paris de hoje e sua vida esvaziada e a União Soviética de outrora, traçando um paralelo entre essas ambas as épocas e parodiando o stalinismo. Seu romance problematiza o pior da civilização e ilumina problemas da humanidade e do mundo, porém o faz com delicioso humor e mordacidade, mostrando com crueza lírica a insignificância da existência humana.

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cinema

Aos cinéfilos

17 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro A arte do cinema é um estudo de grandioso fôlego intelectual. Marcado pela erudição da análise dos autores, David Bordwell e Kristin Thompson, é considerado já um dos estudos canônicos de cinema, desde sua primeira publicação, em 1979. As, até hoje, ininterruptas reedições fazem com que o livro perdure inalteravelmente relevante.

Trata-se de uma profunda e respeitável introdução e análise da sétima arte, abordando uma vasta gama de exemplos, de vários períodos e países. O livro propõe-se a oferecer as ferramentas para que estudantes de cinema e jovens críticos possam desenvolver o repertório e as habilidades para compreenderem quaisquer filmes, de quaisquer gêneros. A obra é impressionante pela extensão da formação cinéfila de Bordwell e Thompson. Seu tratamento da arte do cinema apresenta-o como todo orgânico e abrange-o como embasamento a uma introdução à própria ciência do olhar.

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Um grão de sal aberto na boca do bom leitor

16 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Retrato de Herberto Helder, por Frederico Penteado

O poeta português Herberto Hélder (nascido em Funchal, em 23 de Novembro de 1930) é considerado um dos mais inventivos autores da poesia contemporânea. Figura em volta da qual paira uma atmosfera mística, concedeu sua última entrevista em 1968 e desde então vive em auto-reclusão em Lisboa, com a mulher, Olga. Em 1994, recebeu o Prêmio Pessoa, que recusou, como recusa todos os prêmios que recebe – “Seria vil aceitar, por causa do dinheiro”, disse. Neste ano, seu nome foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura.

Neste mês de junho, ele lançou, pela Editora Porto, de Portugal, seu mais recente livro, A morte sem mestre. É notável a longeva produtividade do autor, cujo livro anterior, Servidões, havia sido lançado apenas um ano antes. Sua poesia, tal qual sua personalidade, é enigmática. Uma constante transgressão regula a pontuação e submete os padrões à desorganização e a um fluxo verbal que encanta e abala e cria uma linguagem única. Ao abrir A morte sem mestre, o leitor encontra a advertência do poeta: “Tudo quanto neste livro possa parecer acidental é de facto intencional”; ao que acrescenta: “Peço por isso que um qualquer erro de ortografia ou sentido/seja um grão de sal aberto na boca do bom leitor impuro”.

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A perspectiva em perspectiva

15 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

ícone conhecido como Theotokos de Vladimir, 1131.

O russo Pável Floriênski (1882-1937) foi matemático, inventor, geólogo, filósofo, teólogo e padre da Igreja Ortodoxa. Foi morto num campo de concentração soviético aos 55 anos. Seu ensaio A perspectiva inversa, originalmente publicado em 1919, é considerado um de seus mais importantes legados intelectuais.

Desenvolvido no entroncamento de seus múltiplos saberes, trata-se de uma reflexão sobre a representação do espaço na perspectiva inversa e na perspectiva linear, bem como as visões de mundo que ambas as formas podem acarretar.

O livro foi publicado no Brasil em 2012 pela Editora 34, com tradução de Neide Jallageas e Anastassia Bytsenko e apresentação de Neide Jallageas. Nele, Floriênski antecipa questões fundamentais da história da arte no Ocidente, analisando criticamente o domínio da representação objetiva da realidade, bem como a tendência das obras a buscarem, no observador, um ponto de vista estático e abstrato. Continue lendo

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