Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

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Sobre a preguiça e o ócio

8 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O herói da nossa gente já dizia, “ai, que preguiça!”. Transformado em livro, o ciclo de conferências Elogio à preguiça, organizado por Adauto Novaes, propõe uma reflexão sobre a preguiça e o ócio, criativos, lembrando o que dissera Albert Camus: “São os ociosos que transformam o mundo porque os outros não têm tempo algum”. As palestras propuseram-se a pensar a vida e as aventuras da preguiça, e a mostrar que sua história sempre foi mal contada. Sugerem reflexões sobre a condenação da preguiça, pelo mundo do trabalho mecânico, e sobre a importância do ócio no desenvolvimento do trabalho intelectual e artístico. Visões filosóficas, políticas, poéticas.

Segundo Adauto Novaes, “o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso: quem se deixa levar por devaneios”. Pórem, “apesar da oposição, preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular”. E conforme Adauto cita Paul Valéry, “é preciso ser distraído para viver”. Continue lendo

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A Poética de Regina Silveira

7 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Concorrendo ao Prêmio Jabuti deste ano, na categoria de artes e fotografia, o livro O outro lado da imagem e outros textos: A Poética de Regina Silveira, reúne nove ensaios escritos pelo poeta e crítico de arte espanhol Adolfo Montejo Navas, sobre a obra da artista plástica gaúcha. O livro busca uma reflexão poética que escape à crítica definitiva, por isso seu título. O trabalho de Regina Silveira é conhecido sobretudo por suas explorações da perspectiva e das sombras, usando diferentes materiais e meios, como fotografias, pinturas, gravuras, objetos, vídeos, instalações, projeções. Seus jogos de sombras exageradas, projetadas, criando perspectivas distorcidas e lúdicas, não conhecem limites de quinas e sobem rodapés. A obra de Regina Silveira lida com a distorção dos códigos de representação e, com a projeção das sombras, faz um comentário irônico das relações sociais e estruturas de poder – seu pensamento artístico é também filosófico e político. Um trabalho, além de artisticamente instigante, fundamentado em reflexões sobre a natureza ilusionista de imagens e espaços. Continue lendo

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Uma sofrida saga de abandono

4 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Uma prosa bonita e o entroncamento de diferentes solidões harmonizam-se na singularidade poética do livro A orquestra da chuva, do suíço Hansjörg Schertenleib. Diferentes tipos de solidão, tratadas de diferentes formas por diferentes pessoas constroem o enredo sereno, intimista e amargurado. O protagonista, um escritor suíço, mudara-se para a Irlanda com sua mulher, porém, lá, ela o deixou; completamente melancólico, imerso em uma dupla solidão, enquanto estrangeiro e recém divorciado, ele encontra uma mulher cerca de vinte anos mais velha que vive só e que resolve contar-lhe sua história para que ele a transformasse em um livro. As solidões encontram-se, num diálogo orquestrado sobre duas vozes e dois tempos: a narrativa passa a alternar momentos do presente com a narrativa da vida passada dessa personagem, que torna-se, então, uma segunda protagonista. A diferença de estilos dos dois protagonistas ao narrar suas experiências mantem-se ao longo do livro, fortalecendo a ideia de diálogo musical, num arranjo que entrelaça o contraponto na progressiva mudança na percepção do primeiro personagem sobre si e seu próprio presente. Continue lendo

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Ontologia, política e poesia

3 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Para o filósofo Giorgio Agamben uma verdadeira revolução não procura apenas mudar o mundo, mas, primordialmente, mudar a experiência do tempo. A própria revolução é por ele compreendida como uma interrupção da cronologia por um tempo diferente, ao qual Walter Benjamin chamava kairós, ou tempo messiânico, assim como compreendido por Paulo, o apóstolo – de quem Benjamin teria sido leitor atento, conforme Agamben defende em Il tempo che resta (2000). Uma revolução seria, necessariamente, uma revolução messiânica: “Messiânico não é o fim dos tempos, mas a relação de cada instante, de cada kairós, com o fim dos tempos e com a eternidade”.

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As manifestações absurdas da vida

2 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Os sonhos teus vão acabar contigo – o título parece pairar em prenúncio, pois seu escritor, o escritor do absurdo, foi um dos cruéis exemplos do destino dos artistas na ditadura stalinista: culpado por divergir, estética e filosoficamente, do que, a partir de 1932, convencionou-se chamar “realismo socialista”, Daniil Kharms, poeta, dramaturgo, considerado um dos mais autênticos e talentosos escritores da vanguarda russa, morreu, abandonado numa prisão psiquiátrica a ponto de definhar de fome e ter o corpo devorado por ratos.

O livro Os sonhos teus vão acabar contigo, traduzido diretamente do russo por Aurora Fornoni Bernardini, Daniela Mountian e Moissei Mountian e publicado neste mês de setembro pela editora Kalinka, é uma coletânea de textos de prosa, poesia e teatro do autor. A mistura de gêneros – construída como uma “polifonia formal” – é característica comum dos autores da vanguarda russa, mas, na escrita de Daniil, ela é peculiarizada por uma comicidade e um caráter abusrdo, completamente originais. Continue lendo

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Descrição do mundo

1 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Autora do recém-lançado Opisanie świata, Verônica Stigger tem gostos especiais: estudiosa de arte contemporânea, defendeu uma tese a respeito da relação entre arte, mito e modernidade, pensando sobretudo as obras de Marcel Duchamp, Kurt Schwitters, Piet Mondrian e do russo K. Malevitch; em seu pós-doutorado, debruçou-se sobre os trabalhos dos artistas brasileiros Flávio de Carvalho e Maria Martins, entre outros. Talvez a proximidade com a arte contemporânea, seu estranhamento e suas inversões metalinguísticas, tenham analogia com a desenvoltura dos textos de Verônica enquanto capazes de suscitar um esvaziamento das questões estéticas, provocado pelos entroncamentos de absurdismos cotidianizados, cujos sentidos são políticos e morais dentro da esfera artística em que estão inseridos enquanto obras.

Há algo de uma indigesta sinceridade em sua prosa que ultrapassa o absurdo dos seus enredos – e justamente por ultrapassá-lo, confere-lhe um (absurdo) caráter de necessário. Algo do cotidiano vaguear do lúdico no real, estranhamento mágico da fuga ideológica e um pouco apática à naturalização tragicômica da violência.

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Interconexões entre história e filosofia

30 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

No livro Ontologia histórica o filósofo canadense Ian Hacking, partindo da arqueologia do saber de Foucault, desenvolve um raciocínio contundente a uma compreensão do mundo contemporâneo que une, na mesma raiz, fenômenos distintos como abuso infantil e posterior desenvolvimento emocional, traumas de doenças mentais transitórias, o papel da linguagem, da verdade e da razão na apreensão da realidade. Através do conceito de ontologia história, o autor sugere novos modos para que a filosofia possa utilizar a história e, em especial, como ele próprio faz uso da obra arqueológica inicial de Foucault, que, segundo diz, “é uma fonte quase infinita de inspiração”.

Traduzido do inglês por Leila Mendes e publicado no Brasil pela editora da universidade Unisinos, o livro é uma reunião de palestras, artigos e ensaios escritos entre 1973 e 1999. O texto do primeiro capítulo, cujo título dá nome ao livro, foi escrito por ocasião de uma palestra que Ian Hacking foi convidado a proferir, no Departamento de História da Ciência na Universidade de Harvard, a respeito de interconexões entre história e filosofia. Continue lendo

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A libertação de Creta

27 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Interessante lançamento deste segundo semestre, outra tradução direta do grego do escritor Nikos Kazantzákis, O capitão Mihális (liberdade ou morte), pela editora Grua, em tradução de Silvia Ricardino. A editora já havia publicado Vida e proezas de Aléxis Zorbás, primeira tradução diretamente do grego do autor no Brasil, feita por Marisa Ribeiro Donatiello e Silvia Ricardino; a história deste livro tornou-se mundialmente conhecida após sua adaptação para o cinema, no filme “Zorba, o grego”, de 1946. Nikos Kazantzákis é considerado um dos maiores escritores do século XX. Apesar de não ter ganho o Prêmio Nobel – foi indicado por Thomas Mann e Albert Schweitzer e perdeu-o, por um voto, para Albert Camus – ganhou, porém, o Prêmio Internacional da Paz, em 1956.

Nikos Kazantzákis nasceu em 1883 na ilha de Creta, ainda sob domínio turco, e morreu na Alemanha em outubro de 1957. Escreveu sua obra tanto em francês como no dialeto grego demótico, linguagem coloquial da classe trabalhadora de Creta. Continue lendo

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Poetas do Repente

26 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Uma viola e a predisposição à rima, preferencialmente simpática, quase sempre jocosa, às vezes absurda, ou humanamente dramática, têm, na cultura popular brasileira, um dos pontos culminantes nos espontâneos poemas musicados conhecidos como repentes. O improviso, incrivelmente rápido, cabe ao cantador, poeta e repentista – a cantoria, no ritmo da viola, é harmonizada de acordo com a cadência do verso. O nome vem do repentino, do de repente.

Há pouco material literário sobre os repentes, porém uma publicação ótima: Poetas do repente, publicado pela editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco (órgão do Ministério da Educação); um livro acompanhado por quatro documentários em DVD e trilha sonora em CD, em edição bilíngue – português e inglês.

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A poética contemporânea de Antonio Cicero

25 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Político, poético, o trabalho de Antonio Cicero, infinito jogo de espelhos, vem se construindo de maneira ambivalente e coerente. Seu mais recente livro, Porventura, publicado pela editora Record e indicado como finalista ao prêmio Jabuti deste ano, é uma coletânea de poemas escritos desde 2002 e traz muito deste seu caráter intelectual multifacetado.

Antonio Cicero é conhecido também como filósofo, em 1995 publicou o livro de ensaios O Mundo desde o Fim, um questionamento sobre o moderno e a modernidade, que propõe uma concepção de cogito ultracartesiano. Em 2012, a editora Civilização Brasileira publicou seu mais recente livro de ensaios, Poesia e filosofia. Outra de suas facetas, porém, é a parceria com músicos populares brasileiros como João Bosco, Marina Lima (sua irmã) e Lulu Santos. Também foi longa sua parceria com o poeta e letrista Waly Salomão. Pode-se dizer de maneira geral que no trabalho deste poeta filosófico o limite entre o popular e o erudito é constantemente transposto.

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Vertiginosas perspectivas

24 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone
Capa do livro Sobre São Paulo, de Claudia Jaguaribe

Capa do livro “Sobre São Paulo”, de Claudia Jaguaribe

A cidade de São Paulo é a protagonista do quase centenário desvairismo: a alcunha dada por Mário de Andrade nunca deixou de ser-lhe marcante e a cidade vem tornando-se cada vez mais desvairada, mais massacrante – ainda assim, ou justamente por isso, assunto e metáfora para uma poesia única. Num livro de uma página só, Sobre São Paulo, a fotógrafa Claudia Jaguaribe consegue captar a dimensão monstruosa e dicotômica da cidade caótica, a poesia paulistana: suas fotos carregam a indiferença do centro urbano – uma das traduções do cosmopolitismo contemporâneo –, mas suas montagens resguardam-lhe um aspecto lúdico profundo. Especialmente nas fotografias noturnas, um impulso lírico quase faz-se soar levemente das luzes e dos arabescos refletidos.

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Nove contos de Beatriz Bracher

23 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

imagem da capa do livro Garimpo, autora Beatriz BracherBeatriz Bracher é uma escritora cinematográfica. Talvez a analogia óbvia com seu ofício de roteirista pareça, a princípio, infame; é possível que seja. Mas é baseada na observação de que a construção das personagens e cenas em seus livros é feita de maneira que elas são quase visíveis, tão bem a prosa de Beatriz lida com os silêncios e intervalos, discretos e despretensiosos, da fala natural cotidiana.

Ao longo dos nove contos que compõem o seu novo livro, Garimpo, lançado pela Editora 34, percebe-se também sua versátil coerência. Os contos não tem padrão de tamanho, de linguagem, de estilo – há irreverentes diálogos de internet, ou anotações antropológicas do diário de viagem de uma escritora, por exemplo.

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Joseph Roth: escritor andarilho

19 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Há um interesse peculiar pelos andarilhos, pelos errantes. Dizia-se que Robert Walser o era; Michel Foucault destrincha os significados sociais dos hospícios como prisões, bem como do reforço da criação de um imaginário popular que relaciona a caminhada desinteressada à loucura; o cineasta brasileiro Cao Guimarães, no longa “Andarilho”, depara-se não somente com um, mas consegue o encontro de dois andarilhos.

Joseph Roth, nascido em 1894 em Brody – confins do Império Austro­ Húngaro, atual Ucrânia –, foi um escritor andarilho e nômade convicto, tinha inclusive fama entre os conhecidos de ter seus bens resumidos a três malas. No romance A lenda do santo beberrão, recém lançado no Brasil pela Estação Liberdade, seu protagonista – espécie de seu alter ego – é um andarilho. Um dos aspectos de interesse do andarilho, do nômade, é que são espécies de anti-heróis na sociedade de consumo. Ironicamente interessante no livro de Roth, pois seu protagonista depara-se com a improvável fortuna de ganhar uma alta soma de dinheiro de um desconhecido. Idôneo, garante que devolverá o dinheiro como promessa a uma santa, porém, acaba por gastá-lo inteiramente, em grandes doses etílicas. Seu lar passa a resumir-se ao sempre protelado fundo do copo. Joseph Roth, definido já como poeta do cotidiano, chamou a este livro de seu testamento.

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Impressões de Carybé nas suas visitas ao Benin – 1969 e 1987

18 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Notas e desenhos de viagem do artista Carybé em visita ao seu grande amigo Pierre Verger às antigas terras do Reino de Dahomé, hoje chamado Benin

O livro, uma reprodução do caderno de viagem de Carybé, publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo em parceria com o Museu Afrobrasileiro, é a representação inclusive emocional do contato com a ancestralidade do universo mítico das religiões africanas tradicionais de cultos aos Orixás. As figuras de seus desenhos dançam, vivem.

Os desenhos de Carybé são ágeis, poucos traços resolvem-se em complexas expressões corporais. Sugerem mesmo a narrativa das vidas que representam, pois cada desenho mantém em si uma infinita sucessão de sons e silêncios que sugerem movimentos seguintes, mesmo nas figuras mais serenas. São desenhos de uma beleza singela e sincera, fortes. Precisos, os gestos traduzem-se no traço inteligente e sintético.

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Ensaios em miniatura

17 setembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A difícil tarefa de traduzir um poema e manter suas sonoridades, silêncios, imagens, humores, ambiguidades e ambivalências, torna-se, no Brasil, uma já criada tradição, enraizada no trabalho dos irmãos Campos e, hoje, em plena ramificação. Uma feliz proficuidade editorial de boas traduções, diretas para o português, possibilitam a familiaridade do leitor brasileiro, por exemplo, com expressivos poetas poloneses, como Czesław Miłosz e Wisława Szymborska.

Prêmio Nobel de Literatura em 1996, Wisława Szymborska foi publicada no Brasil pela Companhia das letras, no livro intitulado Poemas, traduzido por Regina Przybycien. Além de traduções portuguesas, especialmente publicadas pela editora Relógio D’água, aos não leitores de polonês ainda não era possível conhecer sua interessante poesia a não ser por algumas indicações ou traduções isoladas feitas por poetas brasileiros, como Ana Cristina Cesar, Nelson Ascher, Eucanaã Ferraz e Antônio Cícero. Eucanaã, por exemplo, em seu último livro, Sentimental, rende homenagem à conversa com a pedra de Szymborska e a seu insólito realismo sutil, exemplar, “Sou eu, me deixa entrar”, “Não tenho porta – diz a pedra”.

A vida quase inteira vivida na Cracóvia rendeu à poetisa um olhar agudo, irônico e curioso. No discurso que proferiu na Academia Sueca, “O poeta e o mundo”, defendeu que “todo conhecimento que não leva a perguntas novas se extingue depressa: não consegue manter a temperatura necessária para a conservação da vida. Em casos extremos, bem conhecidos desde a antiguidade até a história moderna, chega a representar uma ameaça letal à sociedade. É por isso que dou tanto valor à pequena frase “não sei”. É pequena, mas voa com asas poderosas”. Para o crítico polonês Ryszard Matuszewski, a poesia de Szymborska assume “a forma condensada de uma história ou de ensaio em miniatura”, “por um lado obriga a pensar, e por outro, comove”.

POEMAS
Autor: Wisława Szymborska
Editora: Companhia das Letras
(168 págs.)
Leia um pequeno trecho do livro.

 

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