história

Entre a história e a poesia

28 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O tema deste livro é a tradição moderna da poesia. A expressão não só significa que há uma poesia moderna, como que o moderno é uma tradição. Uma tradição feita de interrupções, em que cada ruptura é um começo. Entende-se por tradição a transmissão, de uma geração a outra, de notícias, lendas, histórias, crenças, costumes, formas literárias e artísticas, idéias, estilos; por conseguinte, qualquer interrupção na transmissão equivale a quebrantar a tradição. Se a ruptura é destruição do vínculo que nos une ao passado, negação da continuidade entre uma geração e outra, pode chamar-se de tradição àquilo que rompe o vínculo e interrompe a continuidade?

 

Octavio Paz, poeta, crítico e ensaísta dos mais relevantes do século XX, tem no Brasil parte de sua obra crítica relançada pela Cosacnaify, em parceria com a editora mexicana Fondo de Cultura Económica. Em 2012, foi relançado O arco e a lira – o livro inclui o ensaio “Signos em rotação”, presente no livro de título homônimo[1] publicado pela editora Perspectiva com ótima tradução de Sebastião Uchôa Leite, edição organizada por Haroldo de Campos e Celso Lafer, que conta também com ensaios dos organizadores e do tradutor –  e, em 2013, Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Se o primeiro debruçava-se sobre a essência da poesia, este, por sua vez, detem-se na história da poesia na época moderna, analisando-a enquanto a época da crítica. Como a poesia não deixa de ser um produto de sua época, a poesia moderna é, portanto para Paz, essencialmente crítica.

Segundo Pedro Duarte de Andrade, professor de Filosofia da UniRio, em resenha escrita ao jornal O Globo, a poesia moderna “é tão crítica que critica inclusive a modernidade e, portanto, o ideal de progresso. Para a poesia, o passado pode ser uma fonte, um manancial, e não etapa a ser vencida na corrida do desenvolvimento. Existe, para ela, um passado sem datas, que flui livre entre os tempos e desrespeita a cronologia linear evolutiva. Nesse sentido, a modernidade não precisou esperar pela pós-modernidade para ser criticada, pois a arte por ela mesma engendrada foi a primeira a gerar sua crítica. Daí a ambiguidade que atravessa toda poesia moderna: repulsão e atração pela razão crítica. Nessa medida, para Paz, o primeiro movimento estético da modernidade foi o Romantismo”. Nas palavras de Duarte de Andrade, o “modo de operação romântico, para Paz, desdobra-se então na história das vanguardas. O Romantismo é vanguardista e as vanguardas são românticas: juvenis, críticos, apaixonados e apaixonantes”.

Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda, foi traduzido por Ari Roitman , Paulina Wacht, conta com prefácio escrito pelo próprio Octavio Paz e texto de quarta capa escrito por Noemi Jaffé. O livro aprofunda uma ideia desenvolvida em El arco y la lira: sobre “como os poemas se comunicam”. Paz articula relações entre mito, poesia, temporalidade e história, refletindo na tensão dessas relações o fio condutor para a compreensão do espaço e do papel da poesia. A modernidade, “tradição da ruptura”, segundo Paz “tem início quando a consciência da oposição entre Deus e Ser, entre razão e revelação, se mostra realmente insolúvel”; a “morte de Deus” assim se transformou em mito e embasou a criação poética enquanto uma nova cosmologia, feita de barro e moldada pela ironia.  

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“Desde seu nascimento, a modernidade é uma paixão crítica e é, assim, uma dupla negação, como crítica e como paixão, tanto das geometrias clássicas como dos labirintos barrocos. Paixão vertiginosa, pois culmina com a negação de si mesma: a modernidade é uma espécie de autodestruição criadora. Há dois séculos a imaginação poética levanta suas arquiteturas sobre um terreno minado pela crítica. E o faz sabendo que está minado…. O que distingue nossa modernidade das modernidades de outras épocas não é a celebração do novo e surpreeendente, embora isso também conte, mas o fato de ser uma ruptura: crítica do passado imediato, interrupção da continuidade. A arte moderna não é apenas uma filha da idade crítica, mas é também crítica de si mesma”.

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OS FILHOS DO BARRO

Autor: Octavio Paz
Editoras: Cosacnaify/Fondo de Cultura Económica
Preço: R$ 34,30 (190 págs.)

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[1] A edição da Perspectiva, Signos em rotação, contém ao todo seis dos quinze ensaios de El arco y la lira, além do próprio “Os signosemrotação”, os textos “Verso e prosa”, “A imagem”, “A consagração do instante”, “Ambigüidade do romance” e “O verbo desencarnado”.

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