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Já ouviu falar de Carmencita?

4 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Picasso

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Algumas personagens da literatura ganham vida própria e acabam por ser mais comentadas do que propriamente lidas – consequentemente, conhecidas por características que nem sempre lhe pertencem tal e qual sua fama. Caso exemplar é Carmen. Assim que a cena se abre, pergunta-se: “Já ouviu falar de Carmencita?”. A bela cigana boêmia, de olhos oblíquos, personagem esquiva e movediça do texto do francês Prosper Mérimée, é mais famosa pela adaptação que o compositor Georges Bizet fez da novela para o libreto de sua mais conhecida ópera – e que deu origem, por sua vez, desde argumentos filosóficos, a adaptações para o cinema, por Chaplin, Godard, Carlos Saura, entre outros.

Esta edição de Carmen, lançada agora no Brasil pela editora 34, sob cuidadosa tradução de Samuel Titan Jr., traz, além, da obra prima de Mérimée, o conto “Mateo Falcone”. O volume também conta com um posfácio do tradutor, um ensaio criativo e inteligente. No texto, ele descreve as circunstâncias sob as quais o livro foi concebido: Mérimée soube do caso que envolvia Carmencita na ocasião de sua primeira viagem à Espanha, em 1830. Sua narrativa capta a atmosfera do tempo em que foi escrita no decorrer de sua própria forma literária. Há, nela, dois narradores, brilhantemente independentes: um erudito pedante, autironia do próprio autor e dom José que, à beira da morte, confessa-se ao narrador erudito e conta-lhe a história de Carmen. De acordo com Samuel Titan Jr., o sentimento de dom José muda ao longo da narrativa: “A paixão logo se transmuta em interesse constituído, e o desejo não tarda a se converter em ciúme — em ciúme proprietário”.

De acordo com a análise de Mario Sergio Conti, em artigo escrito ao jornal O Globo, é forte a dimensão sociológica do romance: “Carmen é uma figura da liberdade e do amor que dom José tenta submeter à norma burguesa, à posse erótica por meio do matrimônio. Tal e qual o poder tentava fazer com as revoluções de 1789 e 1830, e buscaria fazer de novo em 1848 e 1871. A literatura segue o movimento das classes, mas é autônoma em relação a elas e, na grande arte, as supera. Como em “Dom Casmurro”, de Machado de Assis”. O crítico pontua: “Titan Jr. apoia a sua fina análise no romance machadiano que, ele sustenta, teve uma das suas matrizes formais na “Carmen” de Mérimée. Em ambas as fábulas, o ciúme está no centro do entrecho; as heroínas vêm de estamentos sociais baixos e têm olhar oblíquo de cigana; os narradores usam um título fidalgo (“dom”) e difamam tanto a operária de Sevilha e a agregada da Rua de Matacavalos”.

Capitu seria uma resposta machadiana a Carmen.

Segundo Manuel Costa Pinto, em análise escrita para o jornal Folha de São Paulo, tanto em Carmen como no conto “Mateo Falcone” está presente “a obsessão –compartilhada por escritores do século 19 como Goethe e Stendhal – pelas terras mediterrâneas, onde um modo de vida solar e sanguíneo prometia um contraponto ao convencionalismo da Europa setentrional”. Segundo Costa Pinto, a novela resguarda e amplifica alguns elementos do conto.

Para a crítica espanhola Inmaculada Ballano, o admirável na criação literária de Mérimée é a “mescla de ousado romantismo e de realismo discreto”.

Merimée foi, ao lado de Stendhal e Balzac, na França um dos maiores nomes do então nascente realismo literário. Do primeiro, foi amigo pessoal, apesar das duas décadas que tinham como diferença de idade. Merimée consta também, dentre as publicações brasileiras, na coletânea de literatura fantástica do século XIX organizada por Italo Calvino [Companhia das Letras – disponível apenas como e-book].

 

carmen

 

CARMEN

Autor: Prosper Mérimée
Editora: 34
Preço: R$ 23,80 (136 págs.)

 

 

 

 

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