cinema

Multifacetada metáfora analítica

26 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O recente mistério em torno do avião desaparecido da Malaysia Airlines retomou uma questão: que segredos pode conter a caixa preta de um avião que caiu? Os últimos “sinais vitais” do voo, antes de sua queda, os vestígios da catástrofe. O israelense Amós Oz aproveitou a forte imagem para usá-la como impactante metáfora – sua caixa preta não se refere a um avião, mas ao rompimento de uma relação amorosa em um divórcio escandaloso, permeado por paixões que beiram a loucura e cujos rastros prolongam-se presente adentro. A caixa-preta, porém, não é um livro a respeito do romance em torno do qual estrutura-se: este é, na realidade, somente o meio através do qual Amós Oz reflete sobre conflitos mais amplos e profundos: o complexo panorama social, religioso e político da vida em Israel nos últimos anos. A maneira astuciosa pela qual a história é construída permite com que ambos pontos de vista sejam explorados simultaneamente. Um romance político, desenvolvido como uma proposta polifônica.

Sua caixa preta é também uma caixa de pandora de ressentimentos indeléveis e de lembranças latentes, por um lado, de repercussões históricas de conflitos permanentes, por outro.

Segundo a análise de Berta Waldman, professora de Literatura hebraica na Universidade de São Paulo: “Dizer que a ideologia é uma carga ou um empecilho não nos diz que o empecilho pode ser valioso ao forçar o romancista a uma concentração de todos aqueles recursos necessários para superá-lo. A noção de que ideias abstratas contaminam uma obra de arte é certa se a ideologia se agrupa em massa, pondo em perigo a vivacidade do texto. As ideias da vida real que estimularam o escritor devem permanecer invioláveis, mas, uma vez postas em ação dentro do texto literário, não podem mais se manter como meras massas de abstração. Essas ideias devem vir dissolvidas em movimento, fundindo-se com as emoções de suas personagens. […] Esse vem sendo o propósito de Amós Oz, ficcionista e militante político da esquerda israelense, ligado ao movimento pacifista Shalom Achshav (Paz Agora), que a partir da década de 1970 assume uma atitude crítica apontando na imprensa escrita e televisiva sua posição a propósito dos rumos políticos do país. O homem político transparece na ficção de forma harmoniosa e engenhosa, conforme veremos mais especificamente, em A caixa preta”.

A cineasta Monique Gardenberg prepara uma adaptação do livro. O filme será realizado em Israel e terá como coprodutor o diretor Amos Gitai. A diretora escreveu sozinha o roteiro do filme e esperou quase dois meses para receber a resposta de Amós Oz. Gardenberg, que afirma manter em todos os seus filmes “essa pano de fundo político”, citou, em artigo publicado pelo Estado de São Paulo, a passagem que considera o “grande tema do filme”: “Penso o tempo todo na morte e é essa super consciência que me leva a querer falar da estupidez e da intolerância, seja amorosa, racial, política ou religiosa”.

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para leitura.

 

A CAIXA PRETA

Autor: Amós Oz
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 18,20 (272 págs.)

 

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