A literatura de Flannery O’Connor (1925 – 1964), ao longo de seus Contos completos, publicados pela Cosac Naify em 2008, são marcados por uma arguta inteligência, por um estilo direto e por caracterizações, de personagens, situações e ambientes, imageticamente complexas, de uma realidade profunda, significativamente ampla. Seus temas giram em torno, sobretudo, do fundamentalismo protestante do sul dos Estados Unidos e da esterilidade espiritual que marca o mundo moderno. Suas narrativas colocam em questão as noções de bem e mal, através de personagens grotescas, muitas vezes colocadas em situações violentas, em que falta-lhes piedade, ou mesmo diálogo. São contos perpessados pelo ódio racial, pela violência, por vezes velada, outras brutalidade sem subterfúgios, pela religiosidade decadente e dogmática. Seu nome é associado na literatura norte-americana ao gótico sulista de William Faulkner, Carson McCullers e Tennessee Williams.
Flannery O’Connor é considerada uma das maiores escritoras norte-americanas do século XX. Sua obra consiste em dois romances e nos 31 contos aqui reunidos. A edição brasileira teve os textos traduzidos de maneira impecável pelo poeta Leonardo Fróes e conta com posfácio do escritor Cristóvão Tezza, que diz: “ela é curiosamente mais moderna que Faulkner […] não é a dimensão divina que é seu objeto de literatura, mas o homem que pensa sobre ela”.
Segundo Jonas Lopes, em resenha publicada no jornal Rascunho, o pequeno número de narrativas publicadas por O’Connor “não reflete a grandiosidade de suas histórias, pequenas jóias que, estranhamente, dizem bastante sobre a vida norte-americana de hoje ao falar de um tempo e de pessoas com raízes fincadas no passado e apenas no passado”.
Marcelo Pen, em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, analisa: “Não há como separar a mofa da tragédia em suas histórias, pois é essa combinação que lhes empresta sua qualidade única. O universo de que ela trata é o de um mundo decadente, com a ameaça de algo impreciso sempre pairando no ar, mas seus heróis são em geral ridículos, e o desenlace costuma ser desconcertante”.
Cristóvão Tezza, no posfácio, diz que os contos de O’Connor “constituem um dos mais intrigantes conjuntos de obra da literatura norte-americana”. Tezza analisa: “Trata-se, na verdade, de muito mais do que simplesmente um espaço geográfico; o Sul é, em alto grau, a expressão de uma civilização distinta que se fez ao longo do seu “cinturão bíblico” – repetindo aqui a expressão atribuída ao jornalista Henry L. Mencken [1880-1956] para definir os traços culturais em vários aspectos fundamentalistas dessa região enraizadamente conservadora. Na esteira da derrota do Sul na Guerra Civil americana [1861-65], que aboliu a escravidão, base da economia da região, ficou um trágico segregacionismo racial, explodindo em renitentes manifestações de ódio que avançaram ostensivas até meados dos anos 1960, quando o movimento liderado por Martin Luther King acabou vitorioso, com a Suprema Corte declarando a ilegalidade da segregação”. De acordo com o escritor brasileiro, ao “lado do racismo, há outro traço que marca o Sul de maneira igualmente profunda e que lhe dá a outra face de seu poderoso pathos literário: o fundamentalismo religioso, que pode ser visto – para fazer uma simplificação didática – como um dos aspectos mais agressivos do espírito puritano, o impulso de adequar rigorosamente a vida e o mundo a um ideal religioso essencial e anterior à experiência, um ideal que nos é revelado”.
Autor: Flannery O’Connor
Editora: Cosac Naify
Preço: R$ 62,30 (720 págs.)