matraca

Ali repousa o poeta

3 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Poética

conciso? com siso

prolixo? pro lixo

 

O poeta José Paulo Paes foi mestre da concisão precisa, própria dos epigramas, aquele tipo de poema curto e mordaz cuja matéria-prima é uma atenta observação do mundo e do ser humano.

Modesto, discreto, estóico, irônico – em sua vida e em sua poesia. Rodrigo Naves, no prefácio à antologia, conta que “José Paulo Paes (1926-1998) era um homem avesso a ênfases – no escrever, no falar, no proceder. Detestava chamar atenção, e seu comportamento discreto era, em um homem constante, talvez a constância predominante. Em situações sociais parecia se ocupar sobretudo com sua bengala…”. Com uma fina auto-ironia, José Paulo Paes declarou, por exemplo, ser o poeta mais importante da sua rua: “Mesmo porque a minha rua/ é curta”. Ele não se colocava entre os grandes mestres da poesia brasileira: “quando penso que alguém da grandeza de Manuel Bandeira se considerava um poeta menor, que mais posso ser senão um mínimo poeta?”. O crítico Davi Arigucci Jr. pontua: “Na poesia como na vida, José Paulo Paes optou sempre pela discrição e o comedimento de quem desconfia das exaltações visionárias e das certezas inabaláveis. Ao seu primeiro livro, deu o título O Aluno. Seu último poema, escrito na véspera da morte, chama-se ‘Dúvida’. Ser poeta para ele era um modo de continuar até o fim sua busca de aprendiz”.

Ironicamente, seu último livro, póstumo, intitulou-se Socráticas. Seus poemas traduzem uma eloquente crença na poesia como caminho para a reflexão verdadeira, lírica, moral e política, resumindo um feixe de significados em poucos signos – concisão polivalente, multiplamente interpretável, uma ordenação poética que miniaturiza o mundo, as relações, as coisas; em suas palavras: “Desloco o centro de atenção do verso para a palavra, numa espécie de virada intraverbal, para os ‘semas’, unidades elementares da palavra” (in: “As aventuras de José Paulo Paes”, entrevista concedida a Antônio Paulo Klein, 1990).

Segundo o crítico Alfredo Bosi, na poesia de José Paulo Paes, “o metro curto, o ritmo rápido, a sintaxe cortada e o tom menor vedam o texto a qualquer inflexão épica. […] Canto chão dos revoltosos, epitáfio de indomados, descobre o lado subterrâneo da sátira e o veio amargo do seu pathos”. No ensaio “O Livro do Alquimista” (que consta no livro Céu, inferno), Bosi analisa: “José Paulo Paes entrava na poesia contemporânea pela estrada real da angústia, do mal-estar que o escritor sensível e diferenciado sente e ressente ao tomar consciência da sua posição de excluído, de ‘inútil’, de esquerdo, a que restaria apenas exercer o dom de observador irônico”.

O chiste e a sátira, em sua obra são metafóricos e unificadores, presentes ao longo de toda a sua trajetória poética. Nas palavras de Bosi, para José Paulo Paes o chiste funciona como recurso para “encurtar as distâncias, de trazer para perto o universo longínquo, tornando-o acessível à perspectiva diminuída do mundo pequeno, familiar e íntimo, ao mesmo tempo que dá corpo concreto na brevidade à ampliação da consciência irônica e sua crescente percepção dos desencontros contraditórios do mundo. Entre o pequeno e o grande, o movimento que perfaz o enlace funda também o sentido”. Maurício Guilherme Silva Júnior, na Revista Em tese (Belo horizonte, v. 9, p. 1–281, dez. 2005), escreve que “aos olhos de Paes, contra a realidade adversa, nada mais apropriado que o antídoto do humor. Ao miniaturizar cômica e poeticamente o mundo complexo que o circunda, José Paulo Paes traz para seus chistes e epigramas a dose de tragédia contida na comicidade”.

 

A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para leitura.

 

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Escolha de túmulo

 

          Mais bien je veus qu’un arbre

          m’ombrage au lieu d’un marbre.

 Ronsard

 

Onde os cavalos do sono

batem cascos matinais.

 

Onde o mundo se entreabre

em casa, pomar e galo.

 

Onde ao espelho duplicam-se

as anêmonas do pranto.

 

Onde um lúcido menino

propõe uma nova infância.

 

Ali repousa o poeta.

 

Ali um vôo termina,

outro vôo se inicia.

 

– De Prosas Seguidas de Odes Mínimas (1992)

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POESIA COMPLETA

Autor: José Paulo Paes
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 46,90 (518 págs.)

 

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