Literatura

Leitura alegórica da linguagem transparente

31 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

 

 

“A descoberta não me espantou e

tampouco me surpreendi ao retirar

do bolso o dono do restaurante”.

 

 

Murilo Rubião foi um autor que preferiu reescrever exaustivamente seus textos, a produzir uma obra extensa. Publicou 33 contos, que a Companhia das Letras reuniu nesta antologia. Sua literatura é conhecida pelo caráter absurdo que imiscui-se ao cotidiano – seus personagens lidam com o fantástico com a mais pura naturalidade. Nas palavras de Jorge Schwartz, na literatura de Rubião “acontecimentos referencialmente antagônicos e inconciliáveis conciliam-se tranqüilamente pela organização da linguagem. Dragões, coelhos e cangurus falam, mas não há mais o clássico “enigma” a ser desvendado no final”. Para Schwartz, “o fenômeno fantástico de sua escrita é justificado na medida em que há a percepção dos níveis simbólicos e alegóricos de significação”, e as simbologias despertadas em seus contos, segundo o crítico fazem com que o elemento extraordinário não seja “a presença dos dragões no meio humano, mas a condição do meio e das relações nele criadas. Aqui um paralelismo possível com as obras de Kafka. Na Metamorfose o fantástico deixa de ser Gregório, convertido em monstruosa barata e fantásticas são as reações da família diante do fato. Em Murilo e Kafka, o código social possibilita a leitura ideológica e não se trata de simples recriação na leitura do fantástico”.

Para Davi Arrigucci Jr., “desde o começo, a ironia (e a auto-ironia) dá o tom do fantástico muriliano, preparando-nos, quem sabe, para uma parábola que se desenvolverá entre as formas extremas da comicidade e da sátira, de um lado, e a do trágico, de outro, para achar seu ponto de equilíbrio numa espécie de ironia trágica”.

O humor dominante em seus contos, “repletos também de esquisitices”, nas palavras de Arrigucci Jr., “procederá da atitude desse ser entediado consigo mesmo que é o narrador. Muitas vezes, ele parece assumir o papel principal de uma farsa circense. Sugere a visão séria de desarmonias estapafúrdias, com a face impávida do palhaço que não ri – um rosto paralisado diante do próprio absurdo que inventa. O efeito forte, à beira da zombaria, pode oscilar entre o cômico e o terrível, mas sempre deixa o leitor desarmado diante do absurdo”. Segundo sua análise, há uma identificação profunda na prosa de Murilo Rubião “entre a arte do narrador e a do mágico, tal como em “O Ex-Mágico da Taberna Minhota”, que “vinha acompanhada, para nossa perplexidade, de um notável desencanto com relação aos próprios feitos do ofício. O mágico narrador se apresenta como funcionário público e, surpreendentemente, não se surpreende diante de suas mágicas: “A descoberta não me espantou e tampouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante”. Já em sua abertura, a ficção fantástica de Murilo surge plantada no chão do cotidiano, e o narrador que deveria gerar o espanto se mostra apenas roído pelo tédio da rotina. O leitor não sabe bem como reagir, se com riso ou piedade”.

Na análise de Vera Lúcia Andrade e Wander Melo Miranda, é próprio da arte fantástica de Rubião “descobrir novas e inesperadas relações entre os dados do mundo sensível, explorando, pela transgressão, os limites do humano – eis a trajetória “estranhamente inquietante” percorrida pelo narrador muriliano e compartilhada pelo leitor. Entre uma realidade que tende a mostrar-se como coerente e compacta e o desejo que faz vacilar suas perspectivas de configuração, movimentam-se as personagens que povoam o universo fantasmagórico do texto”.

A leitura alegórica da linguagem transparente desenvolvida em suas histórias desvelam um caráter mágico, através do qual delineia-se um comportamento insólito porém real do mundo.

 

A Companhia das letras disponibiliza um trecho em pdf.

 

 

“O mundo invisível andava pelas minhas mãos.”

 

OBRA COMPLETA

Autor: Murilo Rubião
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 18,55 (232 págs.)

 

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