Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

história

Entre o certo e o certo

1 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“O fanatismo é mais antigo que as religiões, os estados, os sistemas políticos e os governos” – Amós Oz

Odilon Redon

Odilon Redon

Como curar um fanático – Israel e Palestina: entre o certo e o certo, reúne ensaios nos quais o escritor Amós Oz questiona e perspectiva as raízes e as consequências do fanatismo. Para ele, os violentos conflitos que multiplicam-se atualmente não são resultado de uma luta entre civilizações, ou luta social; nossa época, diz, padece de uma síndrome, uma luta entre fanáticos, incluindo todos os tipos de fanatismo, e o “resto de nós”: “Entre os que creem que os seus fins justificam os meios, todos os meios, e o resto de nós que julga que a vida é um fim em si mesmo”.

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história

Filosofia e história e vice-versa

21 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

mapa da Inglaterra do século XVII

A História da Inglaterra, de David Hume, foi escrita em seis volumes, publicados originalmente entre 1754 e 1762. Considerando o estudo da história como momento privilegiado para iluminar a busca dos povos por sua liberdade e, por outro lado, acreditando não haver então na Inglaterra historiadores aptos a redigir a história daquela nação, pôs-se, o filósofo, a fazê-lo ele mesmo, com o intuito de se tornar o “primeiro grande historiador a escrever em língua inglesa”. Ele, naquele período, não contava com a notoriedade filosófica que consolidaria depois; foi justamente essa obra o grande êxito editorial que assegurou a fama e a segurança financeira.

Deste trabalho monumental, o filósofo Pedro Paulo Pimenta selecionou, organizou e traduziu textos capitais, capazes de oferecerem uma visão panorâmica sobre o desenvolvimento político e social da Inglaterra, além de fornecer valiosos elementos para a compreensão de seu pensamento moral e político. Este material selecionado permite, além do acompanhamento do processo de formação histórica da Inglaterra, a compreensão de como o contexto específico moldou os princípios naturais daquele povo, gerando costumes, manifestações científicas e artísticas e uma economia específicas.

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Literatura

Aparentemente imperturbável

19 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
gravura de Frans Everbag

gravura de Frans Everbag

Muito continua sendo comentando sobre a boa curadoria editorial da recentemente fundada Rádio Londres. Um dos títulos da editora que tem chamado a atenção de críticos e leitores é Tirza, do holandês Arnon Grunberg, ultimamente clamado como o romance holandês quiçá mais importante de todos os tempos.

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Literatura

Mosaico de palco e mundo

18 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
fotografia aérea da devastação causada pelas chuvas em Santa Catarina, em 2008

fotografia aérea da devastação causada pelas chuvas em Santa Catarina, em 2008

O catarinense Carlos Henrique Schroeder, já reconhecido como um dos grandes destaques da prosa brasileira contemporânea, foi bastante comentado no ano passado pelo lançamento de seu livro História da chuva.

Em larga medida autoficcional, profundamente pontuado no desastre causado pela chuva em Santa Catarina em 2008, por um lado, e, por outro, nas experiências teatrais de animação – teatros de bonecos –, o romance de Schroeder desenrola-se à maneira de um documentário narrativo, através de uma trama complexa, elaborada de maneira visualmente nítida, quase palpável, densamente cênica.

A conjuntura engenhosa de elementos e de relações acerca da verossimilhança fazem de sua prosa uma “experiência radical” de história.  Continue lendo

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lançamentos

Pelo diálogo racional

14 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“A filosofia militante que tenho em mente é uma filosofia em luta contra os ataques, de qualquer lado que venham – tanto daquele dos tradicionalistas como daquele dos inovadores –, à liberdade da razão esclarecedora”.

'A morte de Marat", pintura de Jacques-Louis David, 1793

‘A morte de Marat”, pintura de Jacques-Louis David, 1793

Para o intelectual italiano Norberto Bobbio (1909-2004), não há política sem cultura. Publicado originalmente em 1955, chega agora ao Brasil uma boa edição do livro Política e cultura, lançado pela editora Unesp, com tradução de Jaime A. Clasen e introdução e organização de Franco Sbarberi. Coletânea de quinze ensaios, faz questionamentos profundos e atuais, como: “Qual o papel do intelectual quando as posições extremadas parecem turvar todo o debate?”; ou: “Qual a relação entre cultura e política em uma sociedade democrática?”.

O livro foi escrito durante a Guerra Fria e é marcado pela aflição política daquele momento na Itália. É considerado um dos principais livros de Bobbio, testemunho de suas reflexões sobre um  novo liberalismo ideal, que seria sensível aos temas da justiça social, porém convicto também sobre a necessária exigência de limitação constitucional e controle permanente dos poderes do Estado por parte dos cidadãos.  Continue lendo

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Literatura

Vozes em fuga

11 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
Paul Klee, 'Angelus Novus'

Paul Klee, ‘Angelus Novus’

“Perguntei-lhe se por acaso você não tinha se aproximado de grupetos políticos perigosos. Sempre morro de medo de que você possa acabar entre os Tupamaros. Ele disse não saber com que você andava nesses últimos tempos. Disse ser bem possível que você tivesse medo de alguma coisa. Não foi claro”.

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Caro Michele é um forte romance epistolar, da escritora italiana Natalia Ginzburg. Publicado em 1973, o livro foi o primeiro escrito na Itália a contar a história de um jovem terrorista.

A Michele, personagem ausente, criado de maneira paulatina e perspectivada, quem escreve é principalmente sua mãe, Adriana, mas também uma de suas irmãs, além de uma moça com quem ele tivera um caso e possivelmente também um filho e um amigo, Osvaldo, provável ex amante. As cartas escritas por Michele aparecem no romance raramente, o personagem delineia-se como um negativo, através das cartas a ele escritas.  Continue lendo

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Arquitetura

A colonização da terra e da moradia

17 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
pintura de Egon Schiele

pintura de Egon Schiele

O recém lançado Guerra dos lugares – A colonização da terra e da moradia na era das finanças, da urbanista Raquel Rolnik, foi definido pelo geógrafo David Harvey como “uma obra fantástica, uma denúncia devastadora”.

Trata-se da reunião de reflexões que Rolnik desenvolveu ao longo e imediatamente após o término de seu mandato como relatora para o Direito à Moradia Adequada, da ONU. O livro traça análises profundas sobre o processo global de financeirização das cidades e seu impacto sobre os direitos à terra e à moradia dos mais pobres – e, portanto, mais vulneráveis.

A urbanista investiga o processo que levou às recentes transformações nas políticas habitacionais e fundiárias em vários países do mundo, pontuando, como marco, a expansão de uma economia neoliberal globalizada, controlada pelo sistema financeiro, causa que teria levado, segundo sua análise, a um processo global de insegurança da posse. A mesma questão, no livro, também é analisada especificamente no caso brasileiro – fazendo a leitura da evolução recente das políticas habitacionais e urbanas no Brasil, inclusive as ocorridas na era Lula, à luz desses processos globais.

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Literatura

Uma linguagem corrosiva

15 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Grandville-La-merce-che-viaggia

O breve e burlesco livro Centúria – Cem pequenos romances-rio, do italiano neovanguardista Giorgio Manganelli (Milão, 1922 – Roma, 1990), apresenta, de forma virtuosística, algumas variações sobre o tema da ironia, que, ao autor, foi característica inerente a todo seu trabalho.

A prosa de Manganelli é marcada pela transgressão de fronteiras entre o real, o fictício e o imaginário. As modulações de seu texto passam pelo humor, abarcam o sarcasmo, desdobram o grotesco; movimento que confirma sua habilidade em potencializar a tradição da comicidade e da ironia que, na literatura italiana, vem de Boccaccio e alcança o século XX com Carlo Emilio Gadda, sem dúvida seu mestre e precursor.

Manganelli foi um dos mais inovadores escritores italianos do século XX, autor de uma numerosa obra, complexa e elaborada. No Brasil, Centúria foi publicado em 1996, pela editora Iluminuras, com tradução de Roberta Barni. O livro foi vencedor do Prêmio Viareggio em 1979. Continue lendo

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Literatura

Embrenhado entre a realidade e a ficção

10 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Fotografia do autor, quando criança, no Xingu

O romance Nove noites, com o qual o escritor Bernardo Carvalho ganhou o Prêmio Portugal Telecom em 2003, acaba de ser reeditado pela Companhia das Letras.

Trata-se da narrativa de como, na noite de 2 de agosto de 1939, o jovem e promissor antropólogo americano Buell Quain, suicidou-se de maneira violenta, enquanto tentava voltar para a civilização, vindo de uma aldeia indígena no interior do Brasil. Quain tinha então 27 anos e o caso chocante de sua morte jamais encontrou explicação e logo caiu no esquecimento.

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Literatura

Humilhados e ofendidos

7 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Osvaldo Goeldi

O romance Humilhados e ofendidos, de Dostoiévski, é considerado pela crítica como um dos mais notáveis textos do autor. Trata-se de um retrato profundamente complexo das condições psicológicas e morais às quais a própria condição humana submete-se na vida urbana. Dividido em quatro partes, o romance perpassa e une as histórias de um príncipe, um escritor e de uma família empobrecida, que encontra-se em condição penúria e degradação na cidade grande.

A narrativa foi publicado originalmente no início da década de 1860; escrita para ser publicada no jornal “Vrênia”. Ao longo de seus capítulos, o desenrolar da prosa dostoiévskiana mantém o leitor envolto em uma atmosfera de grande tensão psicológica. As histórias das personagens por si sós são densos relatos e, seu cruzamento, é de tal forma encaminhado, que completa um efeito vivo de inquietude, marcado pela intensidade de sentimentos espessamente envoltos em mistério.   Continue lendo

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lançamentos

O paraíso perdido

3 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Gravura de Gustave Doré para “O paraíso perdido”

A desobediência do homem e, como consequência a ela, a perda do Paraíso que habitava. O primeiro motivo de sua desgraça foi a aparição da Serpente, ou melhor dizendo, de Satã, nela personificado; o qual, rebelando-se contra Deus e atraindo a seu partido numerosas legiões de anjos, foi, por ação divina, banido do céu e precipitado, com sua horda, ao profundo abismo.

Eis em linhas gerais o mote do grandioso poema O paraíso perdido, um dos maiores épicos da literatura ocidental, obra do inglês John Milton (1608-1674). O poema acaba de ter uma cuidadosa edição lançada no Brasil pela editora 34. Bilíngue, a edição traz a elogiada tradução do premiado poeta português Daniel Jonas, que segue de perto a versificação e a musicalidade do original. O volume conta ainda com a apresentação, apaixonada, do crítico Harold Bloom. Completam ainda esta joia editorial a fantástica série de cinquenta ilustrações de Gustave Doré, publicadas em 1866.  Continue lendo

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matraca

Uma filosofia da cultura humana

30 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Edvard Munch, 1895

Ernst Cassirer [1874 – 1945] foi um dos maiores filósofos do século XX.

Seu Ensaio sobre o homem – traduzido no Brasil primeiramente como “Antropologia filosófica”[i] – apresenta os resultados de uma vida de estudos sobre as realizações culturais da humanidade. É uma síntese original do conhecimento contemporâneo, uma interpretação notável da crise intelectual de nosso tempo e uma brilhante defesa da capacidade da razão do homem.

Diz Cassirer que “no mundo humano encontramos uma característica nova que parece ser a marca distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem não é apenas quantitativamente maior; passou também por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador, que são encontrados em todas as espécies animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever como o sistema simbólico. Esta nova aquisição transforma o conjunto da vida humana. Comparado com os outros animais, o homem não vive apenas em uma realidade mais ampla; vive, pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade. Existe uma diferença inconfundível entre as reações orgânicas e as respostas humanas. No primeiro caso, uma resposta direta e imediata é dada a um estímulo externo; no segundo, a resposta é diferida. É interrompido e retardado por um lento e complicado processo de pensamento”.

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lançamentos

As areias do imperador

26 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Ngungunhane (1884-1895)

Ngungunhane (1884-1895)

A história de Moçambique, sobretudo sua história mais recente, é marcada por um quadro social complexo e uma grande instabilidade política. O moçambicano Mia Couto resolveu contá-la através da impressionante trilogia As Areias do Imperador. No Brasil, a Companhia das Letras acaba de publicar o primeiro volume, Mulheres de cinzas, notável por unir, à já conhecida prosa lírica do autor, a força do romance histórico.

O romance se passa na época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane – conhecido pelos portugueses como Gungunhane –, herói nacional símbolo da resistência contra a colonização européia, último dos líderes do Estado de Gaza, o segundo maior império no continente comandado por um africano.

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lançamentos

Uma menina está perdida no seu século à procura do pai

19 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Samico [“João, Maria e o pavão azul”, 1960]

Acaba de ser publicado no Brasil o livro Uma menina está perdida no seu século à procura do pai, do português Gonçalo M. Tavares.

O romance se passa na Europa pós Segunda Guerra, em meio a uma paisagem de escombros, figuras esqueléticas e quase absoluto desamparo social e psicológico. Naquele cenário, uma menina e um homem perambulam por entre as ruínas. A menina é Hanna, tem catorze anos, é portadora de uma doença congênita e está em busca do pai; o homem é Marius, sujeito enigmático que parece se esconder do próprio passado. A menina, desprotegida e com dificuldades de comunicação, carrega consigo uma caixa repleta de fichas escritas que formam uma espécie de curso, com atividades e perguntas, e, a partir delas, dá-se um questionamento sobre o que é o ser humano. Juntas, as duas personagens chegam a um estranho hotel em Berlim, no qual os quartos não têm números, mas carregam os nomes dos campos de concentração que, pouco tempo antes, foram o palco do inferno para milhões de pessoas. Quando Marius pergunta por que fazem aquilo, a dona do hotel responde: “Porque podemos. Somos judeus”.

Trata-se de uma narrativa fantasmagórica e irônica, características típicas do autor português, que neste livro cria um retrato tocante da guerra e de suas vítimas.  Continue lendo

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matraca

Estado de exceção, ou, da ambivalência entre violência e poder

16 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Goya, gravura da série “Os desastres da guerra”

Diante do horror frente aos atentados em Paris, a filósofa Judith Butler, no próprio dia 13, escreveu, a pedido de Helder Ferreira, um preciso artigo, publicado na revista Cult [tradução de Sofia Nestrovski], no qual diz:

“As discussões televisivas que ocorreram imediatamente após os eventos parecem deixar claro que o ‘estado de emergência’, ainda que temporário, na verdade cria precedente para uma intensificação do estado de segurança. As questões debatidas na televisão incluem a militarização da polícia (de que modo ‘completar’ esse processo), o espaço da liberdade, e a luta contra o ‘islã’, este último entendido como uma entidade amorfa. Hollande, ao nomear isso como ‘guerra’, tentou parecer másculo, mas o que chamou atenção foi o aspecto imitativo de sua performance – tornou-se difícil, então, levar seu discurso a sério. E no entanto, é esse agora o bufão que assume o papel de cabeça do exército”.

Butler alerta: “A distinção entre estado e exército se dissolve em um estado de emergência”.

A discussão é delicada e pertinente, pois, como diz a filósofa, as “pessoas querem ver a polícia, querem uma polícia militarizada para protegê-las. Um desejo perigoso, ainda que compreensível”; por outro lado, no momento, em Paris, “não há toque de recolher instaurado, mas os serviços públicos foram reduzidos e as manifestações, proibidas – inclusive os “rassemblements” (encontros) para lamentar os mortos foram considerados ilegais”.

Outro filósofo contemporâneo, o italiano Giorgio Agamben, em Estado de Exceção, publicado no Brasil pela Boitempo Editorial em 2004, estuda a contraditória figura dos momentos antes “extraordinários” – de emergência, sítio, guerras – nos quais o Estado usa de dispositivos legais para suprimir os limites da sua atuação, a própria legalidade e os direitos dos cidadãos. Para Agamben, “o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal”.

O poder além de regulamentações e controle, segundo Agamben, hoje não é mais excepcional, mas o padrão de atuação dos Estados. Ironicamente, para preservar a liberdade, a lógica do estado de exceção assegura a soberania do governo – legitima a violência, a arbitrariedade e a suspensão dos direitos, em nome da segurança, a serviço da concentração de poder.  Continue lendo

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