Arquivo da tag: Beatriz Bracher

Literatura

A exposição luminosa do lodo não é retórica

18 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Gustave Doré [1832-1883], ilustração para o “Paraíso perdido”, de Milton.

Vencedor do Prêmio Rio de Literatura, o romance Anatomia do paraíso traz a lume mais uma vez a singular expressividade literária da escritora Beatriz Bracher, através de uma narrativa densa e profunda.

O romance acompanha a história de um jovem estudante de classe média que escreve uma dissertação de mestrado sobre o Paraíso perdido (1667), poema épico de John Milton que narra a queda do homem e a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Sua história, porém, desdobra-se em simultâneos planos, que se encontram, imbricam-se, ressoam-se, amalgamando em si a articulação de suas reflexões sobre a obra de Milton, de sua observação da dura vida de sua vizinha Vanda, que se divide entre trabalho, estudo e os cuidados com a irmã mais nova, de sua percepção do delicado processo de amadurecimento desta última.

A narrativa, por vezes vertiginosa, é dramática na medida em que as trajetórias dos personagens cruzam-se com os temas do Paraíso perdido – sexo, violência, pecado, culpa, traição, morte e redenção. Continue lendo

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Literatura

Por entre minúcias

27 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
garvura de Evandro Carlos Jardim

garvura de Evandro Carlos Jardim

Uma parte interessante dos méritos da literatura de Beatriz Bracher repousa no cuidado com os detalhes. No romance Antonio, a narrativa é tecida dos encontros de minúcias. A mesma história é contada por diferentes personagens ao protagonista, pontuada, assim, pelas nuances narrativas, desdobrada ao longo da coerência das personalidades das personagens, através de suas maneira de ver e contar suas versões. Detalhes de trejeitos de fala, de tempo de raciocínio. As personagens ganham realidade através da construção de seus raciocínios, numa narrativa polifônica, pontuada como que por tensões musicais.

Benjamim, o protagonista, na iminência de ser pai, descobre um segredo familiar e resolve inquerir os envolvidos, para saber como foi que tudo aconteceu. Três deles, sua avó, Isabel, Haroldo, amigo de seu avô, e Raul, amigo de seu pai, contam-lhe, então, suas versões dos fatos. Unindo estes fragmentos de memórias alheias, Benjamin reconstitui a história de sua família.  Continue lendo

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Literatura

Não falei

19 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Se fosse possível um pensamento sem palavras ou imagens, inteiro sem tempo ou espaço, mas por mim criado, uma revelação do que em mim e de mim se esconde e pronto está, se fosse possível que nascesse assim evidente e sem origem aos olhos de todos e então, sem esforço do meu sopro – tom de voz, ritmo e hesitação, meus olhos –, surgisse como pensamento de cada um, ou ainda, uma coisa, mais que um pensamento, uma coisa assim fosse possível existir, eu gostaria de contar uma história”. 

gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

Não falei, romance de Beatriz Bracher publicado em 2004, é um livro denso, humana e politicamente. Nele, acompanhamos a narrativa em primeira pessoa de um professor universitário, em vias de mudar-se de São Paulo para São Carlos. A voz masculina dá corpo a uma reflexão, a um só tempo histórica e familiar, sobre a ditadura militar no Brasil, sobre as rodas de chorinho em que o pai tocava flauta, o café no balcão da padaria, os jogadores da seleção de Pelé; perpassando um sentimento de esvaziamento paulatino de utopias.

A mudança de cidade desencadeia no narrador uma série de reflexões, sobre a história, seu passado, as impossibilidades, despertadas pela retumbante memória de quando tinha 24 anos, em 1964: “Vejam então. Fui torturado, dizem que denunciei um companheiro que morreu logo depois nas balas dos militares. Não denunciei, quase morri na sala em que teria denunciado, mas não falei. Falaram que falei e Armando morreu. Fui solto dois dias após sua morte e deixaram-me continuar diretor da escola”.

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