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Guia de Leitura

Ensaios sobre o ensaio [ou: O ensaio como forma]

9 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Montaigne, quando escreveu seus célebres Ensaios, sobre o método de apreensão de seu objeto, disse: “Dos cem membros e rostos que tem cada coisa, pego uma […]. Dou uma, laçada, não o mais largamente, mas o mais profundamente que sei. […] sem desígnio, sem promessa, não sou obrigado a cumpri-la, nem eu próprio me obrigo a isso, sem variar quando bem entender, a entregar-me à dúvida e à incerteza, e à minha forma dominante, que é a ignorância”

A ironia do filósofo, aliada a certa modéstia, sintetizam o modo quase literário dos ensaios – com estrutura próxima à língua falada, um exame despretensioso, cujo intuito no geral é explorar um tema, mais do que esgotá-lo.

Desde então, o ensaio estabeleceu-se enquanto forma muito peculiar de desenvolvimento textual, forma sobre a qual, inclusive, muitos ensaios foram escritos.

 

 

Sartre, "Situações I"

Sartre, “Situações I”

Como diz Bento Prado Jr., em “Sartre e o destino histórico do ensaio”, presente como prefácio na edição brasileira de Situações I, a esforço crítico de Sartre em seus ensaios “é sempre acompanhado pela reflexão sobre a história desse gênero literário desde as origens do pensamento moderno e sobre seus impasses ou tropeços na cultura contemporânea”. Com os ensaios de Sartre, Bento Prado diz, “o que temos é a vontade de encontrar um ‘gênero literário’ que elimine uma certa concepção por assim dizer ‘separatista’ dos gêneros literários. Não se trata de confundir filosofia e literatura, mas de abrir caminho para uma filosofia que seja capaz de exprimir a experiência mais concreta e de valorizar uma literatura que nos permita ver melhor a nós mesmos e o mundo presente”.

Sartre inicia o ensaio que dedica a Bataille com o diagnóstico: “Há uma crise do ensaio”. Pois, ironiza, a “elegância e a clareza parecem exigir que usemos nesse tipo de obra uma língua mais morta que o latim: a de Voltaire. Foi o que notei a propósito de O mito de Sísifo. […] o romance contemporâneo, com seus autores americanos, com Kafka, entre nós com Camus, encontrou seu estilo. Falta encontrar o do ensaio. E diria também o da crítica, pois não ignoro, ao escrever estas linhas, que utilizo um instrumento obsoleto, que a tradição universitária conservou até nossa época”.

Bataille é, segundo o filósofo, o criador do “ensaio-martírio”: “Ele se desnuda, se mostra, não é de boas maneiras. Vai falar da miséria humana? Vejam minhas úlceras e minhas feridas – diz ele. E ei-lo a tirar as roupas. Mas ele não visa o lirismo. Se se mostra, é para provar. Mas nos fez entrever sua nudez miserável e já está vestido: ei-nos começando a raciocinar com ele sobre o sistema de Hegel ou o cogito de Descartes. Mas em seguida o raciocínio se detém bruscamente e o homem reaparece. Por exemplo: ‘Eu poderia dizer – escreve ele em meio a uma exposição sobre Deus – [que] esse ódio é o tempo, mas isso me desagrada. Por que eu diria ‘o tempo’? sinto esse ódio quando choro, não analiso nada’”Continue lendo

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O circuito dos afetos

8 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gravura de Marco Buti

Gravura de Marco Buti

O circuito dos afetos, novo livro do filósofo Vladimir Safatle, acaba de ser lançado, pela editora Cosacnafy.

Trata-se de uma interessante análise sobre o conceito moderno de indivíduo enquanto, sobretudo, um sistema de afetos. A investigação de Safatle, professor de filosofia da USP, parte da articulação entre psicanálise, filosofia e teoria social.

“Sujeitos políticos não constituem um povo, esta será a última lição de Freud. Eles desconstituem o povo como categoria política, sem para isso cair na ilusão de uma sociedade como mera associação de indivíduos”, diz o autor.

Sua indagação matriz é: “Qual o sentido da política no mundo contemporâneo?” – questão que suscita o levantamento de novos paradigmas políticos, justo em um momento histórico em que tanto as utopias de esquerda quanto o próprio capitalismo encontram-se em descrédito. Para desenvolver sua reflexão, o autor sugere uma linha interpretativa que passa por Aristóteles, Espinosa, Hobbes, Giorgio Agamben, Michel Foucault e chega à discussão com expoentes atuais da Escola de Frankfurt.  Continue lendo

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Sobre o homem e suas relações

5 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Vermeer, "Mulher segurando uma balança"

Vermeer, “Mulher segurando uma balança”

Dada a dificuldade de acesso aos textos do filósofo Franz Hemsterhuis (1721 – 1790), é notória e feliz a existência de uma boa tradução de alguns de seus mais relevantes textos, reunidos em Sobre o homem e suas relações, feita por Pedro Paulo Pimenta, professor de filosofia da USP, e publicada pela editora Iluminuras. Pimenta é responsável também pelas notas e pela introdução, na qual contextualiza a produção do filósofo e a publicação original da carta que dá nome ao volume:

“[…] Franz Hemsterhuis declina da atividade acadêmica para dedicar-se à administração pública dos Países-Baixos, e é paralelamente à carreira política que desenvolve sua reflexão filosófica a partir do início dos anos 1760. Tomando para si a tarefa de imprimir seus próprios textos, redigidos sempre em francês, o filósofo não desfruta de qualquer reputação para além de um estreito círculo de amigos que conhecem e admiram seus textos e sua conversação. Em 1772, Hemsterhuis redige a Carta sobre o homem e suas relações e, algum tempo depois (provavelmente em 1774), pede a Diderot uma opinião a respeito do texto, que faz chegar às suas mãos juntamente com a Carta sobre os desejos (1768)”.

O volume contém os seguintes textos de Hemsterhuis: Carta sobre a escultura (1765), Carta sobre o homem e suas relações (1772), Aristeu ou sobre a divindade (1778), Carta de Diócles a Diotima sobre o ateísmo (1789). Acompanham esses textos o comentário de Diderot, acima mencionado, bem como a carta de Jacobi a Hemsterhuis sobre o Aristeu, enviada a Mendelssohn em 1784.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Idade das trevas?

2 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

A comum associação da Idade Média a uma época de trevas, lacuna obscura entre períodos de grande efervescência artística e cultural é questionada por historiadores, teóricos de arte, filósofos, críticos.

Alguns historiadores defendem que o Renascimento dos séculos XV e XVI não representou o fim da Idade Média, como se costuma pensar, mas sim o “terceiro” e mais importante Renascimento do próprio período medieval.

“O pensamento procura a conexão entre duas coisas não ao longo das sinuosidades ocultas de seus vínculos causais, mas sim saltando por cima das conexões de causa. A conexão não é um elo entre causa e efeito, mas entre significado e objetivo” – Huizinga.

 

Johan Huizinga, "O outono da Idade Média"

Johan Huizinga, “O outono da Idade Média”

O holandês Johan Huizinga, em seu Outono da Idade Média, publicado originalmente em 1919, afirma que o século XIV foi o último da Idade Média: a modernidade só teria sido esboçada com a Reforma Protestante, a partir de 1517. A Renascença permeia a era medieval.

O livro, considerado um clássico historiográfico, analisa a Idade Média sob a plenitude de seus contrastes, distante do lugar-comum segundo o qual ela não passaria de uma transição, longa e letárgica, entre o brilho da Antiguidade e do Renascimento. O autor mostra as formas de vida e de pensamento medievais, tal como se expressaram na cultura, na arte, na religião e no pensamento, e também nos modos de expressão da felicidade, do sofrimento, do amor e do medo da morte no dia a dia das pessoas.

Huizinga utilizou métodos e fontes históricas pouco usuais em sua época. Sua história não narra apenas os grandes fatos e feitos, mas detém-se nas nuances da vida cotidiana para perceber nos homens seus sonhos, medos, obsessões, sua maneira de pensar e de experimentar o mundo. Combinando a crença no poder revelador da obra de arte e um olhar muito semelhante ao de um antropólogo, ele se tornou um pioneiro do que mais tarde se denominou história das mentalidades.

A edição brasileira, traduzida direto do holandês Francis Petra Janssen, conta com um dossiê organizado por Anton van der Lem, um dos responsáveis pelo espólio do historiador, além de um aparato crítico e biobibliográfico, ensaio de Peter Burke e entrevista com Jacques Le Goff, além de um rico repertório iconográfico das obras citadas.

O livro foi escrito como uma resposta a Jacob Burckhardt e trava um diálogo direto com as ideias de A Cultura do Renascimento na Itália, questionando a importância, praticamente mítica, que este conferiu ao Renascimento italiano, ressaltando o fundo medieval, que o havia concebido e que preservou-se na cultura renascentista, principalmente na França e nos Países Baixos.  Continue lendo

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Metafísicas canibais

1 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Eduardo Viveiros de Castro

fotografia de Eduardo Viveiros de Castro

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro acaba de lançar o livro Metafísicas canibais, escrito à guisa de resenha  do livro imaginário que ele porém julga que jamais será capaz de terminar: O Anti-Narciso. Este, por sua vez, teria como objetivo provar a seguinte tese: a antropologia é uma versão das práticas de conhecimento indígenas que lhe serviram de estudo.

O perspectivismo ameríndio, conceito desenvolvido por Viveiros de Castro e que afirmou a sua celebridade intelectual enquanto estudioso original e relevante, é um exemplo de como o estilo de pensamento nativo afeta a imaginação antropológica. A reflexão do autor é guiada por duas obras fundamentais da filosofia e da antropologia: O Anti-Édipo, de Deleuze e Guattari, e as Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss. A aproximação entre filosofia e antropologia visa a investigação da seguinte pergunta, “o que deve conceitualmente a antropologia aos povos que estuda?”. As culturas e sociedades estudadas antropologicamente “influenciam, ou, para dizer de modo mais claro, coproduzem” as teses formuladas.

Estas Metafísicas canibais reúnem parte significativa das reflexões que Viveiros de Castro vem desenvolvendo desde a publicação de A inconstância da alma selvagem, inclusive a reformulação da teoria perspectivista.  Continue lendo

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Literatura

Juncos ao vento

28 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Grazia Deledda

Grazia Deledda

Juncos ao vento é uma das grandes obras de Grazia Deledda (1871 – 1936), um dos principais nomes da literatura italiana do século XX e segunda mulher a ganhar o Nobel de Literatura.

O livro ganhou, no Brasil, nova tradução, feita por Maria Augusta Mattos, publicada em março deste ano pela recém fundada editora Carambaia. O volume conta também com ensaio da professora Maria Teresa Arrigoni.

Trata-se de uma narrativa que resguarda o microuniverso sardo, utilizando suas paisagens, física e cultural, para discutir questões humanas que extrapolam a geografia insular. A autora conta a história das irmãs Pintor, imersas na ruína que é também personificada na figura de Efix, seu leal serviçal, remanescente de um ido período abastado. Uma forte esperança de dias melhores surge com a chegada de um sobrinho, personagem cujo passado é desconhecido.

O texto de Grazia Deledda é característico pelo estilo direto, sem floreios, permeado por um humor amargo e fatalista.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Protagonistas músicos ou entusiastas da música

25 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Fala-se sempre das imbricações da literatura com artes como a pintura, a dramaturgia ou o cinema. A relação das letras com os sons fica no geral a cargo dos filósofos, dos filólogos e dos poetas. Mas a relação pode ser, também, mais direta.

Aqui elencamos algumas narrativas cujos protagonistas são músicos, ou entusiastas da música a ponto de, embora não tocarem nenhum instrumento, viverem para sua própria sensibilidade musical.

 

 

Adriana Lisboa, "Hanói"

Adriana Lisboa, “Hanói”

A escritora brasileira Adriana Lisboa, em Hanói, conta a história de David, um brasileiro de 30 e poucos anos radicado em Chicago, filho de uma imigrante mexicana, que toca trompete e é apaixonado por jazz.  O romance foi um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom de 2014.

Em entrevista concedida em 2013 ao jornalista Luciano Trigo e publicada no blog “Máquina de escrever”, a autora disse, sobre o protagonista músico: “Eu queria trabalhar com um personagem músico, pela primeira vez. Tive ajuda de algumas pessoas para compô-lo – um amigo trompetista, sobretudo. As passagens de David no livro foram quase sempre escritas ao som das músicas que faziam parte da vida dele”. Na mesma entrevista, Lisboa ainda conta e analisa: “Fui musicista durante mais de dez anos. Isso, ao lado da leitura de poesia, que sempre me acompanhou, tornam a musicalidade do próprio texto muito importante para mim. Em “Hanói,” a música se entrelaça na narrativa com um personagem trompetista. Cheguei a criar uma playlist para o livro. Acho também relevante o fato de que a música muitas vezes serve de ponte entre culturas, transcendendo questões de idioma (uma barreira para a literatura), e me fascina a capacidade fraternizadora do jazz. Essa união que parecemos ter às vezes com as outras pessoas na plateia de um show. A música ao vivo é uma experiência única, que você não leva para casa nem mesmo num CD. Que testemunha, experimenta num momento e lugar específicos, que vem e passa, mas que fica, na medida em que forma a sua experiência. Quando David começa a se descartar de tudo o que tem, a música fica. O seu trompete fica, a sua vontade de ir a concertos de jazz, e sua vontade de terminar a vida ouvindo Ella Fitzgerald cantando “Sweet Georgia Brown”.

Diagnosticado com uma doença terminal, eis como David sente-se: “De todo modo, era uma pena saber que não ia mais poder tocar o seu trompete, nem ia mais poder ouvir Miles tocando ‘Round Midnight’ ou ‘Spanish Key’, o que era ainda pior do que não poder mais tocar ele próprio”. O romance é pontuado por referências musicais, desenvolvendo-se, mesmo, à guisa de melodias.  Continue lendo

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Testemunho transiente  

24 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Ao testemunhar tua aparição, descobri que a proximidade, a mais intensa, se dá junto da distância mais distante.”

Gravura da série "Ir" [2007], de Marco Buti

Gravura da série “Ir” [2007], de Marco Buti

Sabedoria do nunca [1999], Ignorância do sempre [2000], Certeza do agora [2002], são livros que traçam a temática que atravessa toda a obra de Juliano Garcia Pessanha: uma reflexão sobre a precariedade do ser, preso nos cárceres da linguagem, subjugado às violências inerentes à necessária apropriação do existente pelo olhar utilitarista da técnica. Uma investigação poético-filosófica à qual dá prosseguimento Instabilidade perpétua [2009], em que o autor dialoga com filósofos, tais como Heidegger, Cioran e Sloterdijk, e com escritores, como Kafka e Gombrowicz.

A Cosacnaify acaba de lançar esta tetralogia em um volume único, intitulado Testemunho transiente. A edição conta com texto de orelha de Roberto Machado e texto de quarta capa de Jean-Claude Bernadet.  Continue lendo

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Ao som do tamborim e das castanholas

21 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Vânia Mignone

Vânia Mignone

As Novelas exemplares de Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616) foram originalmente publicadas em 1613, entre as publicações das duas partes de D. Quixote. Um volume completo das novelas acaba de ser lançado no Brasil pela Cosacnaify, edição cuidadosa com tradução de Ernani Ssó e textos críticos de Maria Augusta da Costa Vieira, Silvia Massimini Félix e Ernani Ssó. O livro é ilustrado por Vânia Mignone.

São “exemplares”, pois, como gênero literário, a novela já existia, mas, então, nunca fora escrita na Espanha nada que se assemelhasse a esta forma narrativa. Cervantes experimenta o gênero em todas as direções possíveis, com relatos bizantinos, cortesãos ou picarescos. Busca em sua prosa o estabelecimento de um padrão realista, tratando do cotidiano das pessoas, de uma Espanha palpável, vivida. Os 12 textos, escritos entre 1590 e 1612 e publicados originalmente juntos sob o título Novelas Exemplares de Honestíssimo Entretenimento, são o primeiro exemplo em castelhano de novelas, que, à época, possuíam um caráter moral e didático, ao qual Cervantes uniu seu humor gracioso, suas metáforas agudas e suas personagens, tão reais, tão humanas.  Continue lendo

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Estetização

18 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Algumas reflexões sobre o uso, ou o abuso estético no mundo, na vida, na arte. Trata-se de uma breve pontuação crítica ao juízo de gosto contemporâneo, que ainda encontra no belo seu fundamento. Discussões que se inserem na problemática da “estetização” da vida, do mundo – noção que vem sendo debatida sobretudo no cenário filosófico francês contemporâneo.

 

Gilles Lipovetsky, Jean Serroy, "A estetização do mundo - Viver na era do capitalismo artista"

Gilles Lipovetsky, Jean Serroy, “A estetização do mundo – Viver na era do capitalismo artista”

Cada dia mais, o estilo, o design e a beleza se impõem como imperativos estratégicos das marcas. O apelo ao imaginário e a habilidade em despertar a emoção dos consumidores impulsionam a criação massiva de mecanismos de sedução, no design, na moda, no cinema, nos produtos. Arte e mercado nunca antes se misturaram tanto, exagerando, na experiência contemporânea, o alcance do desdobramento das dimensões do valor estético. O filósofo Gilles Lipovetsky e o crítico de arte Jean Serroy, investigam estas relações, A estetização do mundo e o aparentemente paradoxal conceito do capitalismo artista.

Lipovetsky, em entrevista, pontuou de maneira sucinta o conceito de “capitalismo artista”: “Antes de mais nada, a estetização do mundo acompanha a própria história da humanidade. Desde a pré-história tínhamos formas de estetização, como as pinturas faciais, as bijuterias, os diferentes adereços. A novidade é que a estetização hoje é conduzida pelo capitalismo pós-fordista,que não se contenta em produzir produtos funcionais, mas investe em produtos de moda para vender mais, qualquer que seja a área. No passado, um par de óculos era apenas uma órtese para enxergar melhor. Hoje é um acessório de moda”.

Desvendando a superficialidade de um mundo em “tudo segue a lógica da moda: é efêmero e sedutor”, os autores investigam as transformações do capitalismo e do consumo, bem como seus alcances na individualidade dos sujeitos. Sua análise mostra que a cultura e sua expressão artística se converteram em simples negócio de mercado. Assim, a arte hoje impregna o mundo comum.  Continue lendo

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O pensamento yanomami

3 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Cláudia Andujar, publicada no livro "Yanomami"

fotografia de Cláudia Andujar, publicada no livro “Yanomami”

A queda do céu finalmente ganha tradução para o português. Publicado originalmente em francês em 2010, na prestigiosa coleção Terre Humaine, o volume traz o relato profundamente político e espiritual do grande xamã e porta-voz dos Yanomami, Davi Kopenawa, registrado pelo etnólogo-escritor Bruce Albert após trinta anos de convivência. O livro chega ao Brasil pela Companhia das Letras, traduzido por Beatriz Perrone-Moisés e conta com prefácio de Eduardo Viveiros de Castro. É uma obra de impacto na história da etnografia, um diálogo rico e único entre dois universos culturais.

Albert registrou as meditações do xamã a respeito do contato predador com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. Trata-se de um relato extraordinário, confluência de testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e libelo contra a destruição da floresta Amazônica. O discurso de Kopenawa introduz os sistemas cosmopolíticos e intelectuais dos yanomami para os brancos.  Continue lendo

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O pouco de realidade das coisas

31 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gravura de Norman Ackroyd

Gravura de Norman Ackroyd

A reunião de ensaios As ilhas, de Jean Grenier (1898 – 1971), foi originalmente publicada em 1933. O volume, para Albert Camus, amigo e aluno de Grenier na Argélia antes da guerra, foi a leitura arrebatadora que lhe despertou o ímpeto de tornar-se escritor.

Cabe, para apresentar este livro e sua filosofia literária, a análise que dele fez o escritor Gilles Lapouge, em resenha publicada no jornal O Estado de São Paulo, na qual discorre sobre a relação entre o autor e o pupilo: “Claro que Jean Grenier e Albert Camus são filósofos, mas a sua grandeza é que o filósofo, nos dois casos, foi engolido, como se digerido, pelo escritor. O que não significa que a carga filosófica de As ilhas ou O estrangeiro seja ínfima. Não. Mas ela é comunicada por imagens, alegrias intensas ou soluços, o movimento branco de uma nuvem, a pele das mulheres”.

No prefácio que Camus escreveu para a reedição de 1959 de As ilhas, pontua que o livro representou para sua geração uma iniciação ao desencanto do mundo.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Romances brasileiros do século XX que tratam do garimpo

28 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Um dos temas desenvolvidos nos romances brasileiros assim chamados regionalistas, escritos, sobretudo, a partir da segunda fase do modernismo, foi o garimpo. Prática socialmente deplorável, mas rica enquanto base para o pensamento literário, que a extrapola e a toma em seu contexto geral, iluminando ângulos pelos quais mostra como ela colocou as pessoas a seu redor em situações-limite.

Entre a riqueza em estado bruto, estabeleceu-se a miséria assegurada pela exploração e seus capangas. Desenvolvido em regiões de natureza árdua, habitadas por pessoas e relações que refletiam a dureza exterior, o garimpo gerou metáforas encarnadas: naturezas humanas ávidas.

 

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Herberto Sales, “Cascalho”

Cascalho, de Herberto Sales, foi publicado pela primeira vez há setenta anos, em 1944. Foi o primeiro romance – escrito aos seus 27 anos de idade – do escritor que, em 1977, seria eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Centrado do tema da mineração diamantífera na região da Chapada Diamantina, mostra a vida nos garimpos e suas regras próprias: o coronelismo, a capangagem, a árdua exploração. Herberto Sales explora as implicações sociais, econômicas e morais, bem como as particularidades geográficas da então situação garimpeira baiana.

Um romance sociológico e político. Expõe as relações de poder e a exploração e submissão do homem do garimpo pelo coronelismo, apresentando personagens arquetípicos daquele contexto, como os capangas ou as “mulheres-damas”. Também ilustra o papel do Rio Paraguaçu, a contingência da vida à mercê da força de suas águas, construindo uma identidade do homem do garimpo.

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fotografia

Maldicidade

27 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de "Maldicidade"

fotografia de “Maldicidade”

Conhecido por um olhar lírico e crítico, o fotógrafo e múltiplo artista Miguel Rio Branco, em Maldicidade, reúne fotografias realizadas entre 1970 e 2010, que retratam cenas urbanas de metrópoles ao redor do mundo, no Japão, nos EUA, no Brasil, em Cuba, no Peru.

Não há textos ou ensaios incluídos no livro. As imagens formam seu próprio discurso, poderoso, expressivo, sensorial.

São retratos sobre a vida urbana, mas, também, enquadramentos de uma sub-história das cidades, suas entranhas. Miguel Rio Branco aponta sua câmera para baixo, não para os grandes monumentos históricos ou arquitetônicos das cidades, mas para os marginais oprimidos, para a vida arenosa onde encontram-se as rotas de busca de comida de cachorros de rua e os ônibus urbanos superlotados, onde mendigos dormem e vendedores ambulantes oferecem doces caseiros. Seu foco são os marginalizados, prostitutas, vira-latas e pessoas de baixa classe social. Através de fotos com cores vibrantes, e com montagens e recortes paralelos, o resultado evidencia o paradoxo urbano, o mal de toda cidade.  Continue lendo

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Artes Plásticas

Antropologia das imagens

24 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Sandro Botticelli

Sandro Botticelli

Os ensaios reunidos no livro A eloqüência dos símbolos – Estudos sobre arte humanista, foram escritos por Edgard Wind entre 1930 e 1970 e, portanto, abrangem panoramicamente sua produção intelectual. Wind, que foi o fundador da cadeira de História da Arte na Universidade de Oxford, foi aluno de Panofsky e Cassirer, dedicou-se a estudar, desde o início de sua carreira, os objetos artísticos à luz de seus contextos sociais. Sua especialização tornou-se a análise da herança da cultura clássica renascentista.

Nos textos dessa coletânea, Wind estuda temas como a filosofia da arte de Platão, o platonismo no “Quattrocento”, o universo religioso em Matisse e Rouault e a contribuição teórica de Aby Warburg.  Continue lendo

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