Montaigne, quando escreveu seus célebres Ensaios, sobre o método de apreensão de seu objeto, disse: “Dos cem membros e rostos que tem cada coisa, pego uma […]. Dou uma, laçada, não o mais largamente, mas o mais profundamente que sei. […] sem desígnio, sem promessa, não sou obrigado a cumpri-la, nem eu próprio me obrigo a isso, sem variar quando bem entender, a entregar-me à dúvida e à incerteza, e à minha forma dominante, que é a ignorância”
A ironia do filósofo, aliada a certa modéstia, sintetizam o modo quase literário dos ensaios – com estrutura próxima à língua falada, um exame despretensioso, cujo intuito no geral é explorar um tema, mais do que esgotá-lo.
Desde então, o ensaio estabeleceu-se enquanto forma muito peculiar de desenvolvimento textual, forma sobre a qual, inclusive, muitos ensaios foram escritos.
Como diz Bento Prado Jr., em “Sartre e o destino histórico do ensaio”, presente como prefácio na edição brasileira de Situações I, a esforço crítico de Sartre em seus ensaios “é sempre acompanhado pela reflexão sobre a história desse gênero literário desde as origens do pensamento moderno e sobre seus impasses ou tropeços na cultura contemporânea”. Com os ensaios de Sartre, Bento Prado diz, “o que temos é a vontade de encontrar um ‘gênero literário’ que elimine uma certa concepção por assim dizer ‘separatista’ dos gêneros literários. Não se trata de confundir filosofia e literatura, mas de abrir caminho para uma filosofia que seja capaz de exprimir a experiência mais concreta e de valorizar uma literatura que nos permita ver melhor a nós mesmos e o mundo presente”.
Sartre inicia o ensaio que dedica a Bataille com o diagnóstico: “Há uma crise do ensaio”. Pois, ironiza, a “elegância e a clareza parecem exigir que usemos nesse tipo de obra uma língua mais morta que o latim: a de Voltaire. Foi o que notei a propósito de O mito de Sísifo. […] o romance contemporâneo, com seus autores americanos, com Kafka, entre nós com Camus, encontrou seu estilo. Falta encontrar o do ensaio. E diria também o da crítica, pois não ignoro, ao escrever estas linhas, que utilizo um instrumento obsoleto, que a tradição universitária conservou até nossa época”.
Bataille é, segundo o filósofo, o criador do “ensaio-martírio”: “Ele se desnuda, se mostra, não é de boas maneiras. Vai falar da miséria humana? Vejam minhas úlceras e minhas feridas – diz ele. E ei-lo a tirar as roupas. Mas ele não visa o lirismo. Se se mostra, é para provar. Mas nos fez entrever sua nudez miserável e já está vestido: ei-nos começando a raciocinar com ele sobre o sistema de Hegel ou o cogito de Descartes. Mas em seguida o raciocínio se detém bruscamente e o homem reaparece. Por exemplo: ‘Eu poderia dizer – escreve ele em meio a uma exposição sobre Deus – [que] esse ódio é o tempo, mas isso me desagrada. Por que eu diria ‘o tempo’? sinto esse ódio quando choro, não analiso nada’”. Continue lendo