Arquivos da categoria: Literatura

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De carne e osso

24 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Oswldo Goeldi, xilogravura, impressão póstuma

Carlos Henrique Schroeder acaba de lançar As fantasias eletivas, pela Record. Sua narrativa une prosa, poesia e fotografia, usando-os para pensar sobre a solidão e a criação literária. Uma forma literária que acaba por mostrar-se profundamente humana. Segundo o autor: “Quem ler o livro vai observar que são personagens de carne e osso, gente como a gente que tem problemas também”.

O livro conta a história de um recepcionista noturno de hotel que leva uma vida atormentada em Balneário Camboriú. Ele encontra, na improvável amizade com o travesti Copi e sua paixão por fotografia, uma alternativa para reconstruir sua vida e seguir em frente: ele lerá o que Copi escreve e será o único que terá acesso a suas fotos de surpreendente beleza.  Continue lendo

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Literatura

Poética mítico barroca

22 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poema-romance de Lezama Lima, Paradiso, é considerado uma das maiores referências literárias da América Latina. O autor cubano, poeta e ensaísta, é o mais expressivo escritor da corrente literária conhecida como neobarroco. Seu estilo, culto, é sustentado por metáforas e alegorias. Sua experimentação poética é marcada pelo excessivo, exagerado, rebuscado.

Paradiso, publicado originalmente em 1966, é a obra prima absoluta de Lezama Lima, exemplar da mais dinâmica vanguarda mundial. Livro neobarroco, narra com riqueza de detalhes a infância e a adolescência de José Cemi, espécie de alter ego do próprio autor, um intelectual cubano da década de trinta para quem a criação poética é a única via de salvação para o homem que, desterrado do paraíso da infância, encontra-se perdido no mundo à espera da ressurreição.

O próprio autor, sobre a obra, disse: “Meu romance tem um afã de totalidade; focaliza problemas essenciais da relação do homem e do cosmo. Meu romance é ou está dentro de um barroco fervoroso que assimila todos os elementos do mundo exterior: procura destruir uns, assimilar outros e, com esse fervor, consegue sua expressão um pouco mais barroca que gótica”Continue lendo

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Rumo às entranhas da terra

18 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O sono do homem do garimpo é repleto de explosões, de baques metálicos de ferro contra rocha, do chocalho das peneiras preenchidas de areia e cascalho. Sonha mais com o árduo trabalho que precede a pedra que com a pedra dos sonhos, o garimpeiro em seu catre. Com a pedra da riqueza, sonha muito mais acordado — o corpo em seu descanso e a mente em seu torpor são mais afeitos à realidade que o garimpeiro em pleno entendimento, durante a vigília”.

Portinari, “Garimpo”, 1938

É no sertão garimpeiro que se desnovelam as tramas deste novo e belo romance de Estevão Azevedo. As diversas personagens de Tempo de espalhar pedras entrecruzam-se,, inseridas no cenário de um vilarejo que – metáfora nacional –, paulatinamente, é destruído por homens desesperadamente cobiçosos. Pois nas muitas serras ao redor daquela paisagem, quando já não há solo que não tenha sido maculado por explosões e picaretas, os homens têm a fatal percepção: as únicas superfícies ainda intocadas e que podem esconder pedras preciosas são aquelas em que suas próprias casas estão erguidas. Sob vielas e praças, sob salas, quartos, cozinhas e quintais, escondem-se suas últimas esperanças de sobrevivência ou fortuna.

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Poeta do enxofre

16 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Acordei ácido. É primeiro de ano. Primeiras horas da manhã. De toda forma, oito e meia, para um ex-sedentário, não deixa de ser uma vitória: primeiras horas, ainda que a manhã dos sábios tenha começado lá pelas cinco. Os sábios são como o sol. Chego lá.”

Companhia Brasileira de Alquimia, de Manoel Herzog, concorre como semifinalista na categoria romance, do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. O livro foi lançado em novembro do ano passado pela editora Patuá. Conta a história de Germano Quaresma, operador em uma indústria que transforma chumbo em ouro. Ao longo de sua rotina mecânica, o protagonista tece reflexões pessoais sobre as relações sociais modernas, da falta de cumplicidade profissional ao seu casamento com Cláudia. Solitário, ele encontra em clássicos da literatura a amizade que lhe falta no mundo.

No prefácio, o escritor Ademir Demarchi analisa: “Que o leitor acostumado com ficções urbanas, misérias, crimes e histórias de amor, que são marca da literatura contemporânea brasileira, se prepare: saiba de antemão que, diversamente, este romance se passa dentro de uma indústria química multinacional, em meio a fornos, máquinas e produtos químicos e num tom irônico de narrativa, sem cair no cacoete da idealização romântica de esquerda dos operários. Continue lendo

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A força verbal de Yuri Herrera

11 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Diego Rivera

O livro Señales que precederán al fin del mundo, do mexicano Yuri Herrera, é considerada uma das mais belas e precisas novelas escritas em língua espanhola nesta virada de século. Herrera recria a história mexicana, através de suas lendas do passado e do presente, amalgamando seu território real a seu território imaginário mitológico, resquício das culturas pré-colombianas.

Através das nove etapas dos mitos, a protagonista Makina, personagem cuja realidade não encontra paralelos na literatura contemporânea, atravessa esta história fabulosa.

Nas palavras de Elena Poniatowska, o livro é escrito “Com uma precoce sabedoria que somente se adquire com a dor. Yuri Herrera expõe as falácias humanas, o mundo dos subúrbios, das adegas, dos prostíbulos e de suas marcas, a droga, as armas, a morte”.   Continue lendo

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Literatura de trincheiras

5 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Tempestades de aço foi a obra de estreia de Ernst Jünger, considerada por André Gide como a mais bela da literatura de guerra. O livro une ficção a anotações dos diários do autor, a vida nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, perpassando toda a trajetória de Jünger dentro do exército alemão, comentando seus companheiros, as batalhas e os ferimentos. A narrativa, apesar do tema difícil, é poética e envolvente. Esta edição brasileira, publicada no ano passado pela CosacNaify, foi traduzida por Marcelo Backes, tem texto de orelha de João Barrento e conta também com ilustrações selecionadas dos diários de guerra do autor.

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Meandros de literatura e cinema

27 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Novo romance de Antonio Xerxenesky, F, lançado pela Editora Rocco, é permeado pela figura de Orson Welles e seu filme “F for fake”, cujo título no Brasil foi traduzido como “Verdades e mentiras”, e que coloca em questão os conceitos de autoria e autenticidade na arte. O livro é protagonizado por Ana, uma jovem brasileira, assassina de aluguel, que desde a adolescência desenvolve seu especial talento no manejo de armas e que é contratada para infiltrar-se na equipe de produção e matar Welles. A personagem traça, para tanto, o perfil psicológico do cineasta, investigando-o através de seus filmes. Xerxenesky entronca as histórias de Welles e de sua assassina, ao mesmo tempo que os transforma em metáforas do cinema e da literatura, do autêntico e da cópia.  Continue lendo

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República Doméstica

25 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Altair Martins. Fotografia de Carlos Macedo / Agencia RBS

Terra avulsa, de Altair Martins, é um romance sofisticado, em que prosa, poesia e fotografia dialogam entre si, formando a estranha história de um homem que funda um país dentro de seu apartamento. Em choque com a brutalidade do mundo, ele vive recluso em sua casa, traduzindo, ou inventando, poemas de um poeta nicaragüense. Os poemas versam sobre objetos cotidianos, que convivem com este exilado urbano.

O autor conta em seu site que Terra avulsa, seu segundo romance, é resultado dos seus “estudos no doutorado em Letras da UFRGS. Nesta narrativa, Pedro Vicente é assaltado e tem roubados os documentos. A partir daí, tranca-se, solitário, num apartamento do centro de Porto Alegre, onde funda um país de 55 m2 para renunciar ao Brasil. Patriota da avulsão, Pedro traduz poemas do poeta nicaraguense Javier Lucerna, ao mesmo tempo em que escreve, a partir de fotos de sua editora, Eudora, sobre os objetos que o cercam para preencher sua nação. Enquanto a história de sua República Doméstica corre, Pedro mergulha na memória familiar de Guaíba, buscando descobrir quem é sua mãe (Pedro foi dado pela mãe biológica, sua mãe adotiva morreu, e Izolina, uma madrinha monstruosamente feia, o criou como mãe; é a ela, também, que Pedro tenta renunciar).

Talvez Pedro me permita ver o Brasil do desvio, o que busco operar, também, em termos de macronarrativa. Continue lendo

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Literatura de orelhada

21 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Hieronymus Bosch

Delírio de Damasco, de Veronica Stigger, é uma reunião de fragmentos de conversas alheias, ouvidas ao acaso pelo caminhante urbano. Segundo a autora, o livro forma uma “espécie de arqueologia da linguagem do presente, em busca da poesia inesperada − dura ou terna, ingênua ou irônica − que pudesse haver em meio a nossos costumeiros diálogos sobre a tríade sangue, sexo, grana”.

Como aponta Flávia Cera, na apresentação do livro:  “É difícil passar indiferente à leitura dos textos de Veronica Stigger. Seja pela forma ou pela força de seus textos, seja pelo contorcionismo ou despedaçamentos dos corpos que os habitam. Em Delírio de Damasco, não é diferente. Nele, Veronica se arrisca em uma literatura-limite. No limite da ficção, da narrativa, do sentido, no limite da literatura”. Continue lendo

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“Eu gostaria de fazer uma colocação”

19 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Gauguin, “Auto retrato”

Lançado em julho, o livro O louco de palestra, de Vanessa Barbara, reúne crônicas publicadas originalmente em jornais como Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo e revistas como piauí. Os textos versam com graça sobre figuras típicas de bairros paulistanos, sobre linhas de ônibus na aglomerada cidade, comentários televisivos, observações sobre o urbanismo desmazelado das cidades brasileiras. A autora cristaliza tipos que sempre existiram, identificando-os e definindo-os. Bem-humoradas e sagazes, as observações sobre os tipos brasileiros misturam-se às dos específicos tipos paulistanos, através da peculiaridade da escrita da jovem autora, cujo tom e exemplos torna sua prosa acessível e interessante a qualquer pessoa. Aliando delicadeza, humor e certo escárnio, os textos de Vanessa Barbara ocupam um lugar movediço, ao mesmo tempo intermediário entre a reportagem, a crônica, o ensaio e a antropologia.  Continue lendo

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Autoficção

18 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Egon Schiele

O mais recente livro de Marcelo Mirisola, Hosana na sarjeta, acaba de ser lançado pela Editora 34. O romance inicia-se em frente à lendária boate Kilt, em São Paulo, e narra as venturas e desventuras do protagonista MM, às voltas com algumas mulheres. Uma, Paulinha Denise, um tipo de Capitu mareada, loira descolorida, com problemas de identidade; Ariela, a “outra”, espécie de Lolita casada, verdadeira mentira ambulante. Na trama, um diamante contrabandeado, um réveillon  no Rio de Janeiro e uma terrível maldição, proferida por uma cigana: “Você nunca vai amar ninguém nessa vida”.

Segundo Rodrigo Casarin, em análise escrita ao Suplemento Pernambuco, faz uma colagem com as personagens femininas do livro, breves definições de cada uma que dão uma mostra da observação mordaz deste narrador. Casarin resalta a precisão da prosa de Mirisola e, sobre a narrativa do livro, resume: “A história começa num arquipélago na ilha de Sumatra — um dos quatro territórios da Oceania no War, célebre jogo de tabuleiro — e passa por São Paulo, Guarulhos, Rio de Janeiro, Suzano e interior de Minas Gerais. Nas suas primeiras páginas, Marcelo Mirisola, o protagonista, ouve de uma marmiteira que também lê tarô que irá correr o mundo e desfrutar do sexo de muitas mulheres — clarividência que reverbera por toda a obra do escritor”. Continue lendo

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Ceticismo convicto

14 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Inácio Araújo lançou, na última quinta-feira, o livro Urgentes preparativos para o fim do mundo, coletânea de contos publicada pela editora Iluminuras. Sete das treze narrativas foram resgatadas em 2007, após vinte anos guardadas: sua retomada gerou os outros contos e, por fim, o livro.

Em 1987, quando as primeiras histórias foram esboçadas, o autor acabara de lançar o romance Casa das Meninas (1987, em 2a. ed. pela Imprensa Oficial do Estado, disponível apenas em sebos), pelo qual ganhou o prêmio de autor revelação pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Os filmes e o trabalho como crítico para o jornal Folha de São Paulo, postergaram a continuação, que enfim se concretiza, como um trabalho depurado.

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“Deus é, era, gago”

11 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

pintura de Honoré Daumier

Glória, romance de Victor Heringer, mistura humor e ironia para narrar a saga da família Costa e Oliveira e as aventuras e desventuras dos irmãos Abel, Daniel e Benjamim, respectivamente um pastor, um burguês e um artista, que, após a morte do pai, guardam como sua herança nada mais que a prontidão a nunca perder uma piada. O livro, finalista do Prêmio Jabuti no ano passado, traça uma ponte entre os séculos XIX e XXI, criando uma (meta)ficção que vai de referências a Machado de Assis a questões inerentes à internet, passando pelo café Aleph e suas figuras virtuais. O autor é hábil no uso, com uma prosa fluente, de um amplo repertório de recursos estilísticos aliado a um leque de referências literárias.

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Narrativa profunda, poética densa

7 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Sim, claro, se amanhã fizer bom tempo.”

Fotografia de Jean Guichard

Ao farol, de Virginia Woolf, é uma transcriação artística das experiências vividas pela escritora na casa de praia de sua família, na baía St. Ives, na Cornualha, Inglaterra, de onde ela podia avistar o farol da ilha de Godrevy. No romance, através das personagens Sr. e Sra. Ramsay, ela problematiza, desloca e formula sua relação com seu pai, Leslie Stephen, um “espartano, ascético, puritano”, e com sua amada e belíssima mãe, Julia Stephen que morreu quando Virginia Woolf tinha apenas treze anos – tragédia pessoal que desencadeou então o primeiro dos colapsos nervosos que atormentariam a escritora ao longo de toda sua vida. A própria Virginia ganha vida no livro como a pintora Lily Briscoe, que passa as férias de verão na Ilha de Skye, na Escócia, ao invés de St Ives. Sua memória, porém, é apenas a matéria bruta, que a autora esculpe para dar forma a este magnífico romance.

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Erudito mítico sertanejo

1 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ariano Suassuna nasceu em junho de 1927. No na seguinte, sua família mudou-se para a Fazenda Acauhan, no sertão da Paraíba, pois seu pai, João Suassuna, então recente ex-governador, temia ações de inimigos políticos. João foi morto em 1930, mesmo ano em que Ariano iniciou seus estudos. A família então mudou-se para Taperoá e, sete anos depois, para Recife, onde Ariano intensificou seu contato com a literatura. “Comecei a querer ser escritor aos 12 anos, quando fiz meu primeiro conto. Na época, era um assassino terrível. Quando não sabia o que fazer com um personagem, matava”, contou. Em 1945, teve publicado seu primeiro texto, o poema “Noturno”, no Jornal do Commercio. Ao longo de sua vida, seguiu escrevendo peças, romances, poemas, ensaios, teses. Enquanto membro fundador do Conselho Nacional de Cultura e Diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE, articulou o Movimento Armorial, defendendo a criação de uma arte nordestina erudita, concebida a partir de suas raízes populares.

Ao completar 80 anos de idade, em 2007, Ariano Suassuna foi homenageado em todo o Brasil pela grandeza de seu trabalho. Pouco antes, dissera: “A literatura é uma forma de protestar contra a morte”.

O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta é narrado como um romance autobiográfico de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quadrena, que proclamara a si mesmo “Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Serteneja e pretendente ao trono do Império do Brasil”. Continue lendo

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