Muito continua sendo comentando sobre a boa curadoria editorial da recentemente fundada Rádio Londres. Um dos títulos da editora que tem chamado a atenção de críticos e leitores é Tirza, do holandês Arnon Grunberg, ultimamente clamado como o romance holandês quiçá mais importante de todos os tempos.
Arquivo do autor:Isabela Gaglianone
Mosaico de palco e mundo
O catarinense Carlos Henrique Schroeder, já reconhecido como um dos grandes destaques da prosa brasileira contemporânea, foi bastante comentado no ano passado pelo lançamento de seu livro História da chuva.
Em larga medida autoficcional, profundamente pontuado no desastre causado pela chuva em Santa Catarina em 2008, por um lado, e, por outro, nas experiências teatrais de animação – teatros de bonecos –, o romance de Schroeder desenrola-se à maneira de um documentário narrativo, através de uma trama complexa, elaborada de maneira visualmente nítida, quase palpável, densamente cênica.
A conjuntura engenhosa de elementos e de relações acerca da verossimilhança fazem de sua prosa uma “experiência radical” de história. Continue lendo
Da atualidade da Antiguidade romana
Somos ainda herdeiros diretos de muitas tradições e lógicas, sociais, urbanas e intelectuais, dos romanos antigos.
Na casa de um poeta trágico na cidade de Pompéia lê-se em um mosaico, à entrada, “Cave canem”, ou seja, cuidado com o cão; os livros eram comercializados por livreiros, que incentivavam a publicação dos autores que julgavam promissores, mas que mantinham o lucro das vendas; uma decepção amorosa, conta Marcial, era curada com uma embriaguez; em outro de seus epigramas, o poeta diz: “Se o pergaminho for teu companheiro, pensa / em tomar longas vias com teu Cícero”, querendo dizer que o livro poderia ser companheiro inseparável, independente de quão longa fosse a jornada e, uma vez que o nome de Cícero se dizia “Cicerone”, aí pode encontrar-se a origem do termo cicerone.
De detalhes mínimos como estes costumes prosaicos, às concepções maiores de manipulação política pelo discurso retórico, por exemplo, ou da importância do estudo da história para a educação, há muito no que possamos nos reconhecer olhando a vida na Roma antiga.
Esta obra monumental do historiador e arqueólogo Paul Veyne, especialista na Antiguidade greco-romana, reúne uma investigação minuciosa sobre as origens da prática tão comum, a aristocratas e imperadores, do Pão e circo. Até hoje utilizamos a expressão, porém, segundo esta análise interessante e profunda, deturpamos seu sentido de maneira enviesada e historicamente incorreta. Qual o motivo que levava a elite romana a organizar jogos e distribuía trigo para a plebe? Seria uma prática diversionista, ou um clientelismo, quiçá por visar a despolitização, ou somente por populismo? O poeta e pensador romano Juvenal entendia o “Panem et circenses” como a derrocada da república, pois que a massa trocava seus votos por diversão e alimento. Mas Veyne descontrói essa interpretação, desenvolvendo uma complexa chave de leitura para a compreensão dos acontecimentos históricos, sociais e políticos da época. Segundo ele, antes de ser uma deliberada estratégia de manipulação das massas ou manipulação da plebe, a política do pão e circo remetia sua origem a práticas herdadas das cidades-Estado gregas, de comprometimento com a vida social por parte dos nobres: práticas que tanto embutiam um sentido de dever, como também eram usadas como demonstração de superioridade. Apropriadas de modo específico pela elite romana, em conformidade às características de sua sociedade, essas liberalidades oferecidas ao povo marcam um fenômeno mais amplo em que aristocratas realçavam sua posição social por meio de doações ostentatórias para a coletividade. Contextualizadas historicamente, são assim caracterizadas por Veyne como “evergetismo”. Continue lendo
Pelo diálogo racional
“A filosofia militante que tenho em mente é uma filosofia em luta contra os ataques, de qualquer lado que venham – tanto daquele dos tradicionalistas como daquele dos inovadores –, à liberdade da razão esclarecedora”.
Para o intelectual italiano Norberto Bobbio (1909-2004), não há política sem cultura. Publicado originalmente em 1955, chega agora ao Brasil uma boa edição do livro Política e cultura, lançado pela editora Unesp, com tradução de Jaime A. Clasen e introdução e organização de Franco Sbarberi. Coletânea de quinze ensaios, faz questionamentos profundos e atuais, como: “Qual o papel do intelectual quando as posições extremadas parecem turvar todo o debate?”; ou: “Qual a relação entre cultura e política em uma sociedade democrática?”.
O livro foi escrito durante a Guerra Fria e é marcado pela aflição política daquele momento na Itália. É considerado um dos principais livros de Bobbio, testemunho de suas reflexões sobre um novo liberalismo ideal, que seria sensível aos temas da justiça social, porém convicto também sobre a necessária exigência de limitação constitucional e controle permanente dos poderes do Estado por parte dos cidadãos. Continue lendo
Vozes em fuga
“Perguntei-lhe se por acaso você não tinha se aproximado de grupetos políticos perigosos. Sempre morro de medo de que você possa acabar entre os Tupamaros. Ele disse não saber com que você andava nesses últimos tempos. Disse ser bem possível que você tivesse medo de alguma coisa. Não foi claro”.
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Caro Michele é um forte romance epistolar, da escritora italiana Natalia Ginzburg. Publicado em 1973, o livro foi o primeiro escrito na Itália a contar a história de um jovem terrorista.
A Michele, personagem ausente, criado de maneira paulatina e perspectivada, quem escreve é principalmente sua mãe, Adriana, mas também uma de suas irmãs, além de uma moça com quem ele tivera um caso e possivelmente também um filho e um amigo, Osvaldo, provável ex amante. As cartas escritas por Michele aparecem no romance raramente, o personagem delineia-se como um negativo, através das cartas a ele escritas. Continue lendo
Contos de fadas para adultos
O fantástico, o imaginário, podem ser polissêmicas maneiras de colocar em questão, simbolicamente, noções morais, políticas, ideológicas intrigantes.
Os contos de fadas são, sob esse viés, conhecidos como meios didáticos, cujo intuito é sensibilizar a criança em relação ao conhecimento do mundo. Porém, os contos inseridos em um universo lúdico ou mágico são fontes amplas de inspiração metafórica, também, ou talvez sobretudo, aos adultos, para interpretar a natureza humana.
É por isso que Walter Benjamin, por exemplo, considera os contos de fadas como a fonte originária da narrativa e como primeiros conselheiros, não só das crianças, mas de toda humanidade. Orais por natureza, os contos de fadas são formas de exercer a faculdade de intercambiar experiências[i]; através dessa troca, a imaginação torna-se crítica e o encantamento do mundo, uma arma para desencantá-lo.
Giorgio Manganelli, em Pinóquio: um livro paralelo, destrincha a forma da fábula, mostrando, no caso da história da marionete de madeira, as inúmeras outras histórias que por trás dela se escondem. Manganelli, grande romancista e intelectual italiano, desvenda o quanto esse conto de fadas, na verdade, é rico em significados na leitura de um adulto. O livro aponta o sentido oculto das desventuras de Pinóquio e o verdadeiro significado de personagens, analisa a tirania e a benevolência de Gepeto, o papel pedagógico do Grilo-Falante, as metamorfoses da Fada e as dúvidas existenciais de Pinóquio, dividido entre a desobediência e a vontade de ser um bom menino, para poder se transformar em uma criança de carne e osso.
Uma das fabulosas ideias do autor é que a definição de marionete que é dada a Pinóquio corresponde, por um lado, a uma condição moral, de “nudez”, e, por outro lado, a uma condição social, de “inocência”, ambas ligadas à infância e ao mesmo tempo também à pobreza. Além disso, as fugas do boneco guardam, Manganelli analisa, sentidos filosóficos, e a cidade de “Enrola-Trouxas” e o “País dos Brinquedos” seriam metáforas da realidade cotidiana e comum.
Segundo Jamille Rabelo de Freitas, em artigo, do conto pode-se extrair uma “moral da fome”: “É fato que a fome de Pinóquio está sempre relacionada à moralidade e isto vemos já no capítulo 7, onde ele se recusa a comer as cascas e os miolos das peras e Gepeto, pacientemente as guarda”; e, no capítulo 20, “Pinóquio, tomado pela fome alucinante, invade uma fazenda para roubar uvas e acaba caindo em uma armadilha, pela qual é punido tendo que se submeter a realizar a função de cão de guarda”. É essa fome que, diz Manganelli, “o faz temerário e aventureiro”.
A colonização da terra e da moradia
O recém lançado Guerra dos lugares – A colonização da terra e da moradia na era das finanças, da urbanista Raquel Rolnik, foi definido pelo geógrafo David Harvey como “uma obra fantástica, uma denúncia devastadora”.
Trata-se da reunião de reflexões que Rolnik desenvolveu ao longo e imediatamente após o término de seu mandato como relatora para o Direito à Moradia Adequada, da ONU. O livro traça análises profundas sobre o processo global de financeirização das cidades e seu impacto sobre os direitos à terra e à moradia dos mais pobres – e, portanto, mais vulneráveis.
A urbanista investiga o processo que levou às recentes transformações nas políticas habitacionais e fundiárias em vários países do mundo, pontuando, como marco, a expansão de uma economia neoliberal globalizada, controlada pelo sistema financeiro, causa que teria levado, segundo sua análise, a um processo global de insegurança da posse. A mesma questão, no livro, também é analisada especificamente no caso brasileiro – fazendo a leitura da evolução recente das políticas habitacionais e urbanas no Brasil, inclusive as ocorridas na era Lula, à luz desses processos globais.
Uma linguagem corrosiva
O breve e burlesco livro Centúria – Cem pequenos romances-rio, do italiano neovanguardista Giorgio Manganelli (Milão, 1922 – Roma, 1990), apresenta, de forma virtuosística, algumas variações sobre o tema da ironia, que, ao autor, foi característica inerente a todo seu trabalho.
A prosa de Manganelli é marcada pela transgressão de fronteiras entre o real, o fictício e o imaginário. As modulações de seu texto passam pelo humor, abarcam o sarcasmo, desdobram o grotesco; movimento que confirma sua habilidade em potencializar a tradição da comicidade e da ironia que, na literatura italiana, vem de Boccaccio e alcança o século XX com Carlo Emilio Gadda, sem dúvida seu mestre e precursor.
Manganelli foi um dos mais inovadores escritores italianos do século XX, autor de uma numerosa obra, complexa e elaborada. No Brasil, Centúria foi publicado em 1996, pela editora Iluminuras, com tradução de Roberta Barni. O livro foi vencedor do Prêmio Viareggio em 1979. Continue lendo
Os cinco romances da maturidade de Dostoiévski
Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em Moscou, em 30 de outubro de 1821, e estreou na literatura com Gente pobre, em 1844. Foi preso e condenado à morte pelo regime czarista, em 1849, porém teve sua pena reduzida para quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria – experiência que lhe foi profundamente marcante e que é retratada em Recordações da casa dos mortos, obra publicada em 1861.
Dostoiévski escreveu uma sequência de grandes romances, Crime e castigo, O idiota, Os demônios, O adolescente – cuja tradução é um dos grandes lançamentos do ano no Brasil – e Os irmãos Karamazov, publicado em 1880.
Seus romances são marcados por conflitos emocionais e psicológicos, por lúcidas críticas à sociedade russa da época, por uma forte questão religiosa, por uma comentada polifonia criada entre as fortes, vivas e complexas personagens.
Reconhecido como um dos maiores autores de todos os tempos, morreu em São Petersburgo, em 28 de janeiro de 1881.
O adolescente acaba de ganhar no Brasil uma tradução direta do russo lançada pela editora 34. O tradutor, Paulo Bezerra, traduziu também os romances Crime e Castigo, Irmãos Karamázov, Demônios e O Duplo, de Dostoiévski, e, ao longo de sua carreira, ao todo converteu mais de quarenta obras de filosofia, psicologia e literatura do russo para o português, motivo pelo qual, em 2012, recebeu do governo da Rússia a Medalha Púchkin, por sua contribuição na divulgação da cultura russa no exterior.
O romance é o menos comentado dentre os cinco, pois foi duramente interpretado pela crítica do século XIX, que não compreendeu sua estrutura moderna, fragmentária, baseada nas memórias do protagonista. Porém, a obra revela toda a genialidade do escritor, então no auge de seu talento.
Narrado em primeira pessoa, por um jovem idealista de vinte anos, Arkadi Dolgorúki, o livro acompanha sua trajetória ao passo que tenta ser aceito pela sociedade russa da época. Filho ilegítimo de um proprietário de terras com uma humilde serva, criado longe da família, em um internato de elite, Arkadi por fim vai conhecer seus parentes. Entusiasmado com a chance de conhecer melhor a figura paterna, ele passa a frequentar as rodas sociais da família. É sua chance para pôr em prática um plano que maquinara durante os anos passados no internato: tornar-se um milionário, “um Rothschild”, como diz. Sua ambição é assim sobrepujar, através de seu enriquecimento e da acumulação de capital, a sua origem bastarda. No entanto, conforme tenta integrar-se ao mundo dos adultos, no qual desponta a figura, dúbia e sedutora, de seu pai, o jovem envolve-se em uma trama de histórias que inclui luta por heranças, um círculo de intelectuais revolucionários, casamentos por conveniência, chantagistas e uma carta que poderá mudar o destino de todos.
É reconhecido como o “romance de formação” por excelência de Dostoiévski.
Embrenhado entre a realidade e a ficção
O romance Nove noites, com o qual o escritor Bernardo Carvalho ganhou o Prêmio Portugal Telecom em 2003, acaba de ser reeditado pela Companhia das Letras.
Trata-se da narrativa de como, na noite de 2 de agosto de 1939, o jovem e promissor antropólogo americano Buell Quain, suicidou-se de maneira violenta, enquanto tentava voltar para a civilização, vindo de uma aldeia indígena no interior do Brasil. Quain tinha então 27 anos e o caso chocante de sua morte jamais encontrou explicação e logo caiu no esquecimento.
Humilhados e ofendidos
O romance Humilhados e ofendidos, de Dostoiévski, é considerado pela crítica como um dos mais notáveis textos do autor. Trata-se de um retrato profundamente complexo das condições psicológicas e morais às quais a própria condição humana submete-se na vida urbana. Dividido em quatro partes, o romance perpassa e une as histórias de um príncipe, um escritor e de uma família empobrecida, que encontra-se em condição penúria e degradação na cidade grande.
A narrativa foi publicado originalmente no início da década de 1860; escrita para ser publicada no jornal “Vrênia”. Ao longo de seus capítulos, o desenrolar da prosa dostoiévskiana mantém o leitor envolto em uma atmosfera de grande tensão psicológica. As histórias das personagens por si sós são densos relatos e, seu cruzamento, é de tal forma encaminhado, que completa um efeito vivo de inquietude, marcado pela intensidade de sentimentos espessamente envoltos em mistério. Continue lendo
As traduções da Odisseia
Uma tradição tradutora no Brasil consolida-se em diversas áreas, para a felicidade do leitor. Traduções diretas do original, ao invés de mediadas por outras traduções, começam a ser, cada vez mais, verdadeiras exigências.
Obras clássicas sobretudo acabam tendo diversas traduções e, assim, o leitor pode escolher a vertente teórica que mais lhe adequa – se leituras mais fiéis ao original em sua forma, se leituras mais acessíveis a seu vocabulário contemporâneo, se historicamente mais fieis.
A Odisseia tem, atualmente no mercado brasileiro, algumas diferentes traduções. As mais comentadas divergem justamente pela concepção da obra e de sua transmissão pelos respectivos tradutores.
A tradução do português Frederico Lourenço, publicada pela Companhia das Letras, conseguiu reproduzir uma versão fluente e mais prosaica, capaz de transmitir o texto aos leitores contemporâneos sem grandes estranhamentos.
A versão da Penguin-Companhia das Letras vem com um “guia de leitura” ao final, com algumas questões de verificação de compreensão acerca de alguns episódios, com respectivas respostas, além de uma seleção bibliográfica recomendada à guisa de comentário – dois livros publicados nos Estados Unidos, dois na Inglaterra e um em Portugal.
A edição conta com introdução e notas escritas pelo falecido professor inglês Bernard Knox, estudioso dos textos da Grécia Antiga, debruçou-se durante a carreira acadêmica principalmente sobre a obra de Sófocles e foi diretor e fundador do Centro de Estudos Helênicos da Universidade de Harvard. O tradutor Frederico Lourenço é também responsável pelo prefácio.
A editora disponibiliza trecho do Canto I em seu site.
O paraíso perdido
A desobediência do homem e, como consequência a ela, a perda do Paraíso que habitava. O primeiro motivo de sua desgraça foi a aparição da Serpente, ou melhor dizendo, de Satã, nela personificado; o qual, rebelando-se contra Deus e atraindo a seu partido numerosas legiões de anjos, foi, por ação divina, banido do céu e precipitado, com sua horda, ao profundo abismo.
Eis em linhas gerais o mote do grandioso poema O paraíso perdido, um dos maiores épicos da literatura ocidental, obra do inglês John Milton (1608-1674). O poema acaba de ter uma cuidadosa edição lançada no Brasil pela editora 34. Bilíngue, a edição traz a elogiada tradução do premiado poeta português Daniel Jonas, que segue de perto a versificação e a musicalidade do original. O volume conta ainda com a apresentação, apaixonada, do crítico Harold Bloom. Completam ainda esta joia editorial a fantástica série de cinquenta ilustrações de Gustave Doré, publicadas em 1866. Continue lendo
Uma filosofia da cultura humana
Ernst Cassirer [1874 – 1945] foi um dos maiores filósofos do século XX.
Seu Ensaio sobre o homem – traduzido no Brasil primeiramente como “Antropologia filosófica”[i] – apresenta os resultados de uma vida de estudos sobre as realizações culturais da humanidade. É uma síntese original do conhecimento contemporâneo, uma interpretação notável da crise intelectual de nosso tempo e uma brilhante defesa da capacidade da razão do homem.
Diz Cassirer que “no mundo humano encontramos uma característica nova que parece ser a marca distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem não é apenas quantitativamente maior; passou também por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador, que são encontrados em todas as espécies animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever como o sistema simbólico. Esta nova aquisição transforma o conjunto da vida humana. Comparado com os outros animais, o homem não vive apenas em uma realidade mais ampla; vive, pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade. Existe uma diferença inconfundível entre as reações orgânicas e as respostas humanas. No primeiro caso, uma resposta direta e imediata é dada a um estímulo externo; no segundo, a resposta é diferida. É interrompido e retardado por um lento e complicado processo de pensamento”.
As areias do imperador
A história de Moçambique, sobretudo sua história mais recente, é marcada por um quadro social complexo e uma grande instabilidade política. O moçambicano Mia Couto resolveu contá-la através da impressionante trilogia As Areias do Imperador. No Brasil, a Companhia das Letras acaba de publicar o primeiro volume, Mulheres de cinzas, notável por unir, à já conhecida prosa lírica do autor, a força do romance histórico.
O romance se passa na época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane – conhecido pelos portugueses como Gungunhane –, herói nacional símbolo da resistência contra a colonização européia, último dos líderes do Estado de Gaza, o segundo maior império no continente comandado por um africano.