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matraca

Um século de pensamento crítico

28 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Após a excelente publicação, neste ano, da Antologia do conto russo, a editora 34 anunciou o lançamento, ainda sem data definida, da Antologia do pensamento crítico russo, que, como a primeira, também é organizada pelo professor Bruno Gomide e apresenta textos traduzidos diretamente do russo, por diversos tradutores: Cecília Rosas, Denise Sales, Ekaterina Vólkova Américo, Graziela Schneider, Mário Ramos, Renata Esteves, Sonia Branco e Yulia Mikaelyan.

A Antologia do pensamento crítico russo abarca textos de 1802 a 1901 e é uma preciosidade editorial, trazendo ao lume do público brasileiro a tradução cuidadosa de textos críticos escritos por pensadores em geral pouco populares entre nós, graças justamente à escassez de material publicado.

Atualmente, há um crescente número de tradutores especializados, que tem encontrado respaldo em algumas editoras interessadas na publicação de literatura e crítica russas – em especial a editora 34, mas também Kalinka e Cosacnaify são exemplos. Publicações do porte da Antologia só enriquecem esse cenário. O resultado é a possibilidade, no Brasil, de que o magnífico trabalho iniciado por Boris Schnaiderman de realização de traduções minuciosas, feitas direto do russo para o português, consolide-se como uma rica e viva tradição. Bruno Gomide, no artigo “Boris Schnaiderman: questões de tradução nas páginas de jornal”, analisa: “A história da recepção da literatura russa no Brasil remonta a fins do século XIX e possui muitos personagens. Não há dúvidas, contudo, de que o começo da atividade ensaística e tradutória de Boris Schnaiderman constitui o ponto nevrálgico no nosso contato com a multifacetada experiência russa”.  Continue lendo

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Literatura

Entre a crítica e a prosa

27 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A escritora e jornalista franco-mexicana Elena Poniatowska foi anunciada neste mês como a vencedora do Prêmio Cervantes, o mais importante das línguas hispânicas. O júri afirmou que o prêmio foi conferido a ela para recompensar “uma trajetória literária em diversos gêneros, de maneira particular na narrativa e por sua dedicação exemplar ao jornalismo, da crônica ao ensaio“. Elena nasceu na França, em Paris, filha de mãe mexicana e pai descendente da família real polonesa; aos dez anos, mudou-se com os pais para o México e naturalizou-se mexicana. Como jornalista no México, deixou testemunhos escritos de momentos chave da história política do país. É autora, por exemplo, de La noche de Tlatelolco, sobre a morte de estudantes manifestantes numa praça em 1968, e de Hasta no verte Jesús mío, história Jesusa Palancares, uma mulher que combateu na Revolução Mexicana, na década de 1910, texto baseado nas longas conversas com Josefina Borgues – nome real de Jesusa – em que contou à escritora o que vivenciou.

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Literatura

A materialidade as palavras

26 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Nuno Ramos não é um escritor simples. Como artista plástico, é conhecido por instalações grandiosas, que beiram o constrangimento do senso comum,  por um lado, e, por outro, atingem o extremo sensorialismo, cujo alcance é plástico e linguístico, multiplamente metafórico e simbólico.

Publicado em 2011, O pão do corvo é controverso quanto a sua classificação: majoritariamente considerado um livro de contos, houve quem o classificasse um livro de poesia em prosa ou mesmo uma obra filosófica. O artista, porém, ao escrever estas dezessete narrativas curtas, utiliza a prosa e a poesia aliadas a um terceiro meio: a plasticidade posta por escrito, num ambivalente tom fantástico nada imune à gravidade e densidade da matéria.

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Artes Plásticas

Diálogo andarilho

25 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Marco Buti, sem título, 1995, gravura em metal.

Em coedição com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, A editora Cosacnaify publicou Ir até aqui, reunião de gravuras e fotografias de Marco Buti. O livro conta com textos de Alberto Martins – que também é responsável por sua organização –, de Antonio Gonçalves Filho e de Priscila Sacchettin.

Segundo Marco Buti, suas obras inspiram-se em caminhadas pela cidade, nas quais ele observa diferentes incidências da luz na paisagem urbana, a construção ou a demolição de edifícios, os caminhares e deslocamentos das pessoas, os reflexos, as sombras e os espaços, as misturas de linguagens. Daí o título, “Ir até aqui”. Outro dos interessantes casos de artista andarilho, que encontra no ato de caminhar parte de seu processo criativo e inspirador.

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matraca

O valor crítico do erro

22 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Erro, ilusão, loucura, publicado pela Editora 34, reúne cinco conferências realizadas pelo filósofo Bento Prado Jr. entre 1994 e 1996; o livro apresenta também uma entrevista da mesma época, além de um artigo mais recente, no qual ele retoma sua conhecida reflexão sobre a obra de Bergson. Esta é uma das mais relevantes publicações do filósofo brasileiro, ao lado de Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na filosofia de Bergson – traduzido para o francês em 2002 e considerado obra de referência para os estudiosos do tema no mundo todo.

A partir de comentários em torno de uma gravura dos “Desastres da guerra”, de Goya, o livro desenvolve-se tendo, como ponto de encontro dos textos reunidos, a investigação sobre o lugar do sujeito; Continue lendo

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O humor filosófico de Laerte

21 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Famoso pelo humor sarcástico, pelos personagens marcantes e pelo traço característico, Laerte vem causando uma polêmica um tanto constrangida nos últimos anos, não tanto por seu trabalho, mas porque, progressivamente, vem vestindo-se de mulher.

Justamente por isso, a oitava edição da Balada Literária, iniciada ontem em São Paulo, pretendendo discutir a questão do gênero – do literário ao sexual –, homenageia o cartunista. Segundo o escritor Marcelino Freire, curador e criador do evento, “Engana-se quem acha que a literatura está apenas nos livros. Ou encastelada em seus redutos. A Balada Literária é exatamente o tipo de acontecimento que coloca todo mundo na mesma mesa e celebração. Todos os gêneros. Todos os parágrafos. Todas as vertentes. Tendências e tribos”. Não só homenageado, Laerte é o norte da programação do evento, em que e o transgênero torna-se interessante e frutífero tema de debate moral, político e artístico.

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Literatura

Pessimismo satírico

19 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Luigi Bartolini

O diabo mesquinho [Мелький Бес], publicação cuidadosa da editora Kalinka, trouxe pela primeira vez ao conhecimento do público brasileiro a escrita pessimista de Fiódor Sologub (1863-1927), um dos expoentes do simbolismo russo. O texto integral (originalmente, fora publicado em capítulos em uma revista russa, que suprimiu as partes finais da narrativa) foi traduzido por Moissei Mountian, com colaboração de Daniela Mountian e revisão de estilo feita por Aurora Fornoni Bernardini. O livro conta também com desenhos de Fabio Flaks.

O texto é psicologicamente rico, trata do progressivo enlouquecimento do protagonista Peredónov, um professor de ginásio maldoso e mesquinho, que pouco a pouco desenvolve uma paranoia. Assaltado por estranhas alucinações, desconfiado de tudo e de todos, começa a praticar atos de insanidade. A mente confusa e inquietante do anti-herói é desvelada por meio de uma narrativa satírica, que cria um mundo carnavalesco, de um pessimismo delirante. O paulatino processo de loucura retumba, no simbolismo de Fiódor Sologub, o mundo dos sonhos de Freud.  Continue lendo

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Literatura

Aos navegantes

18 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Com apenas dezessete anos, em meio a uma de suas características bebedeiras, o jovem Jack London caiu na água e por pouco não morreu, salvo graças ao feliz acaso de ter sido rapidamente visto e resgatado por um pescador. Pouco tempo depois, embarcou no Sophia Sutherland, barco destinado à caça de focas no Pacífico. Juntas, ambas as experiências tornaram-se o mote criativo para o desenvolvimento do romance O lobo do mar. No romance, o protagonista Humphrey van Weyden é um náufrago, resgatado pela escuna Ghost. Seu resgate, porém, não é feliz como o de London: o capitão que o salva, Wolf Larsen, em vez de deixá-lo no porto mais próximo, obriga-o, com brutalidade, a integrar a tripulação de seu navio.  Continue lendo

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Poesia e política

14 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Escritos sobre mito e linguagem reúne sete ensaios escritos por Walter Benjamin entre os anos 1915 a 1921, pertencentes, portanto, à sua fase de juventude, em geral pouco estudada no Brasil. A tradução dos textos foi feita por Susana Kampff e Ernani Chaves. O livro, publicado pela editora 34 e organizado pela especialista Jeanne Marie Gagnebin – também responsável pelo texto de apresentação e pelas notas –, é composto por trabalhos propriamente literários, textos de natureza estética ou que se encontram na fronteira entre literatura e filosofia e ensaios que manifestam o princípio do núcleo do pensamento filosófico benjaminiano: resguarda um momento fundamental do percurso intelectual de Walter Benjamin, em que a dialética dialoga diretamente com a metafísica, etapa filosófica responsável pela configuração original de seu pensamento – a despeito da fragmentação teórica – para iluminar a arte, a linguagem, a religião, a história, a violência. Na apresentação, Jeanne Marie Gagnebin analisa que “a preocupação de Benjamin com a problemática do mito, tão evidente nestes escritos de juventude, parece ser justamente a outra vertente de sua preocupação com a história – preocupação que só tenderá a crescer, adotando feições mais nítidas e materialistas a partir do fim dos anos vinte”. Segundo ela, “sem uma reflexão sobre Sprache, ‘língua’ e ‘linguagem’, […] não há a possibilidade […] de pensar a razão e a racionalidade humanas“, a razão e a história devem ser pensadas em conjunto, pois a apreensão de ambas depende do intermédio da linguagem.

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Verdade, crítica e censura

13 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O livro Filosofia clandestina: Cinco tratados franceses do Século XVIII é uma antologia de pequenos tratados, publicados de maneira clandestina e anônima, por seu conteúdo crítico – anticlericais, críticas políticas e defesas de novas concepções de mundo. A seleção, apresentação e tradução dos textos foi feita por Regina Schöpke, doutora em filosofia e medievalista, e por Mauro Baladi, graduado em filosofia pela UERJ. O livro foi publicado pela editora Martins Fontes.

O primeiro texto, “O verdadeiro filósofo“, de César Chesneau du Marsais (França, 1676-1756), defende um novo papel desempenhado pela filosofia no Iluminismo, incentivando o fornecimento, através dela, de intervenções favoráveis na formação crítica da população, rejeitando o caráter puramente metafísico da reflexão. Continue lendo

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Literatura

A cantiga silenciosa das inquietudes da mente

12 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Um dos romances finalistas do Prêmio Jabuti, O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira, narra a comovente história de um homem erudito, que é abandonado repentinamente por sua amada mulher e que perde, então, a razão de viver e torna-se morador de rua – “Dia anterior àquele em que ela deixou bilhete elíptico ACABOU-SE; ADEUS sobre o criado-mudo, disse-me, olhos nos olhos: Vou amá-lo vida toda. Silhueta da lâmina da despedida estava por trás daquele olhar umedecido”. O livro vem causando polêmica pelo estilo do autor, considerado demasiadamente hermético.

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Literatura

o voo do albatroz

11 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O livro O albatroz e o chinês reúne cinco ensaios inéditos de Antonio Cândido. São escritos dispersos, divididos em três partes: as duas primeiras, compostas por ensaios mais longos, e a terceira, por escritos breves. Esta publicação, da editora Ouro sobre azul, é uma reedição aumentada do heterogêneo conjunto de textos, lançado originalmente em 2004.

O ensaio que dá título ao livro aborda a oposição entre poemas que representam a natureza e poemas mais intimistas, que a recriam a partir de um ponto de vista subjetivo. O ensaio analisa, a partir daí, tensões da criação, tecendo sua argumentação sobre a interpretação de um poema de Mal­larmé. Os ensaios seguintes Continue lendo

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Artes Plásticas

Goeldi, Lasar Segall e Iberê Camargo.

8 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

– Goeldi

Registro impresso da mostra homônima, o livro Cálculo da expressão aproxima as gravuras de Goeldi, Lasar Segall e Iberê Camargo a partir do reconhecimento da matriz expressionista em comum. Na exposição e consequentemente no livro, a pesquisadora e curadora Vera Beatriz Siqueira propôs um rico confronto entre os três artistas, mestres da xilogravura, através da contraposição de suas produções e também de suas diferentes visões do expressionismo. Segundo Vera, o intuito da exposição foi exibir “tanto as proximidades da expressividade na arte, quanto os caminhos individuais de cada um dos artistas. Os três trabalham com mesmo universo temático, o individuo no mundo, a solidão, a morte. Cada um lida com essas influências de maneira muito diferente”. Continue lendo

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Arqueologias poético-filosóficas

7 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

 

Ninguém melhor que um filósofo para explorar os jogos de sentido entremeados às palavras. Extravasando essa premissa singela, com a sua característica amplitude reflexiva, abstrata e crítica, a erudição interpretativa de Benedito Nunes traz uma nova luz aos assuntos que aborda em O dorso do tigre. O livro de ensaios reúne reflexões e comentários de filosofia e de crítica literária.

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A arte genuína de Julio Ramón Ribeyro

6 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Julio_Ramon_RibeyroSem ter sido um fumante precoce, a partir de certo momento minha história se confunde com a história de meus cigarros”.

Nas palavras de Julio Ramón Ribeyro, no fundo de suas histórias estão “a velhice, a deterioração, a frustração e o perecimento”. Considerado um dos maiores contistas de língua espanhola, sobretudo pelos conterrâneos Mario Vargas Llosa e Alfredo Bryce Echenique, Ribeyro dedicou-se também a escrita de ensaios, biografias e aforismos, mas foi principalmente nos contos que desenvolveu sua arte. No Brasil, a edição cuidadosa da Cosacnaify, Só para fumantes, traz uma breve mas significativa antologia composta por treze de seus contos, selecionados e traduzidos por Laura Janina Hosiasson. Selecionado como prólogo, o texto crítico escrito por Alfredo Bryce Echenique – “A arte genuína de Julio Ramón Ribeyro” – analisa: “Por uma espécie de duplo interno da fábula, em vários desses contos de fato ocorre uma segunda instância da significação. O indivíduo socialmente desamparado encontra um novo amparo no discurso que o substitui. Dir-se-ia então que o sujeito do drama do subdesenvolvimento ou da modernização desigual pode perder tudo, exceto essa capacidade piedosa de recuperar sua humanidade na imaginação. Isso torna mais aguda a crítica, evidentemente, mas também a fábula, que na verdade implícita da ficção sustém a frágil verdade do sujeito iludido”. Continue lendo

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