Arquivos da categoria: Literatura

Literatura

Juncos ao vento

28 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Grazia Deledda

Grazia Deledda

Juncos ao vento é uma das grandes obras de Grazia Deledda (1871 – 1936), um dos principais nomes da literatura italiana do século XX e segunda mulher a ganhar o Nobel de Literatura.

O livro ganhou, no Brasil, nova tradução, feita por Maria Augusta Mattos, publicada em março deste ano pela recém fundada editora Carambaia. O volume conta também com ensaio da professora Maria Teresa Arrigoni.

Trata-se de uma narrativa que resguarda o microuniverso sardo, utilizando suas paisagens, física e cultural, para discutir questões humanas que extrapolam a geografia insular. A autora conta a história das irmãs Pintor, imersas na ruína que é também personificada na figura de Efix, seu leal serviçal, remanescente de um ido período abastado. Uma forte esperança de dias melhores surge com a chegada de um sobrinho, personagem cujo passado é desconhecido.

O texto de Grazia Deledda é característico pelo estilo direto, sem floreios, permeado por um humor amargo e fatalista.  Continue lendo

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lançamentos

Testemunho transiente  

24 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Ao testemunhar tua aparição, descobri que a proximidade, a mais intensa, se dá junto da distância mais distante.”

Gravura da série "Ir" [2007], de Marco Buti

Gravura da série “Ir” [2007], de Marco Buti

Sabedoria do nunca [1999], Ignorância do sempre [2000], Certeza do agora [2002], são livros que traçam a temática que atravessa toda a obra de Juliano Garcia Pessanha: uma reflexão sobre a precariedade do ser, preso nos cárceres da linguagem, subjugado às violências inerentes à necessária apropriação do existente pelo olhar utilitarista da técnica. Uma investigação poético-filosófica à qual dá prosseguimento Instabilidade perpétua [2009], em que o autor dialoga com filósofos, tais como Heidegger, Cioran e Sloterdijk, e com escritores, como Kafka e Gombrowicz.

A Cosacnaify acaba de lançar esta tetralogia em um volume único, intitulado Testemunho transiente. A edição conta com texto de orelha de Roberto Machado e texto de quarta capa de Jean-Claude Bernadet.  Continue lendo

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lançamentos

Ao som do tamborim e das castanholas

21 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Vânia Mignone

Vânia Mignone

As Novelas exemplares de Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616) foram originalmente publicadas em 1613, entre as publicações das duas partes de D. Quixote. Um volume completo das novelas acaba de ser lançado no Brasil pela Cosacnaify, edição cuidadosa com tradução de Ernani Ssó e textos críticos de Maria Augusta da Costa Vieira, Silvia Massimini Félix e Ernani Ssó. O livro é ilustrado por Vânia Mignone.

São “exemplares”, pois, como gênero literário, a novela já existia, mas, então, nunca fora escrita na Espanha nada que se assemelhasse a esta forma narrativa. Cervantes experimenta o gênero em todas as direções possíveis, com relatos bizantinos, cortesãos ou picarescos. Busca em sua prosa o estabelecimento de um padrão realista, tratando do cotidiano das pessoas, de uma Espanha palpável, vivida. Os 12 textos, escritos entre 1590 e 1612 e publicados originalmente juntos sob o título Novelas Exemplares de Honestíssimo Entretenimento, são o primeiro exemplo em castelhano de novelas, que, à época, possuíam um caráter moral e didático, ao qual Cervantes uniu seu humor gracioso, suas metáforas agudas e suas personagens, tão reais, tão humanas.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Romances brasileiros do século XX que tratam do garimpo

28 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Um dos temas desenvolvidos nos romances brasileiros assim chamados regionalistas, escritos, sobretudo, a partir da segunda fase do modernismo, foi o garimpo. Prática socialmente deplorável, mas rica enquanto base para o pensamento literário, que a extrapola e a toma em seu contexto geral, iluminando ângulos pelos quais mostra como ela colocou as pessoas a seu redor em situações-limite.

Entre a riqueza em estado bruto, estabeleceu-se a miséria assegurada pela exploração e seus capangas. Desenvolvido em regiões de natureza árdua, habitadas por pessoas e relações que refletiam a dureza exterior, o garimpo gerou metáforas encarnadas: naturezas humanas ávidas.

 

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Herberto Sales, “Cascalho”

Cascalho, de Herberto Sales, foi publicado pela primeira vez há setenta anos, em 1944. Foi o primeiro romance – escrito aos seus 27 anos de idade – do escritor que, em 1977, seria eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Centrado do tema da mineração diamantífera na região da Chapada Diamantina, mostra a vida nos garimpos e suas regras próprias: o coronelismo, a capangagem, a árdua exploração. Herberto Sales explora as implicações sociais, econômicas e morais, bem como as particularidades geográficas da então situação garimpeira baiana.

Um romance sociológico e político. Expõe as relações de poder e a exploração e submissão do homem do garimpo pelo coronelismo, apresentando personagens arquetípicos daquele contexto, como os capangas ou as “mulheres-damas”. Também ilustra o papel do Rio Paraguaçu, a contingência da vida à mercê da força de suas águas, construindo uma identidade do homem do garimpo.

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história

Aqui todos viramos bárbaros

17 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Araquém Alcântara

fotografia de Araquém Alcântara

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[…] Fizemos renascer o projeto de 1870, quando o otimismo brasileiro parecia exigir o impossível. E procuramos desempenhar a nossa tarefa com o afinco de uma guerra contra o crime que lesava as possibilidades do lucro cada vez maior. Derrubamos árvores seculares, enfrentamos e civilizamos selvagens que mourejavam na idade da pedra, aqui estamos trabalhando com a disposição de dar até a nossa própria vida porque é assim o gênio americano“.

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O escritor amazonense Márcio Souza é autor de mais de 20 livros. Mad Maria, um dos mais notórios dentre eles, escrito em 1980, é de atualidade metafórica desconcertante.

No final da primeira década do século XX, o governo brasileiro decide construir uma ferrovia na selva amazônica, obra mirabolante com o intuito de criar um caminho que contornasse as dezenove corredeiras mortais do rio Madeira, região de relevante passagem para os produtos importados e exportados pelos bolivianos – a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), que integraria uma região rica em látex na Bolívia com a Amazônia. Antes de terminadas as obras, 3,6 mil homens estavam mortos, 30 mil hospitalizados e uma fortuna em dólares desperdiçada na selva.

“[…] a ferrovia estava sendo construída num silêncio de certo modo planejado, ele já tinha sofrido muitos ataques através da imprensa devido à falta de lisura na concorrência pública, um deslize grosseiro de seu testa de ferro, o engenheiro Joaquim Catambri, homem um tanto autoritário e corrompido que realizara as transações sem esconder os detalhes escusos”. Na realidade, a região era tão inóspita que a construção ligaria nada a parte alguma. O romance narra um dos tantos absurdos lucrativos patrocinados pela história brasileira, contrapondo a construção da estrada em plena selva às negociatas envolvendo a relação político-econômica entre o construtor e concessionário, Percival Farquhar, com o novo governo do presidente Hermes da Fonseca e seu ministro da Viação e Obras Públicas, J. J. Seabra.  Continue lendo

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Literatura

Lias, Rosinhas, Giselles, Cecílias, Odette

10 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

lapa

Luis Martins foi um grande cronista da vida boêmia do Rio de Janeiro. O bairro carioca da Lapa, com seus arcos e prostitutas, povoado por escritores e bebedores, tornou-se, sob sua letra, um universo literário vivo.

O romance de estréia de Martins, Lapa, publicado originalmente em 1936, mostra o bairro e a cidade de maneira crítica, escancara os meandros de sua miséria. Noturno da Lapa, lançado quase três décadas depois e vencedor do Prêmio Jabuti em 1965, contemporiza e retrata o cenário sob uma perspectiva mais amena.

Ambos títulos foram reeditados pela editora José Olympio e voltam às livrarias, integrando os títulos escolhidos como parte do projeto Biblioteca Rio 450, criado pela Prefeitura do Rio de Janeiro neste ano de data redonda para relançar títulos importantes para a história da cidade. As duas obras, indissociáveis, são vendidas em conjunto.   Continue lendo

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lançamentos

Prosa precisa

6 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Odilon Redon

O vento que arrasa, da argentina Selva Almada, vem sendo aclamado como a última grande revelação literária da América Latina.

O romance é ambientado no Chaco argentino e transcorre-se ao longo de somente um dia e meio na vida de Leni, uma moça de dezesseis anos, e de seu pai, um pastor que vive a percorrer o país em busca de sinais de Deus. Com problemas no carro, eles fazem uma parada na oficina mecânica do Gringo, onde conhecem o jovem Tapioca, rapaz que o pastor vê como uma alma iluminada e a quem, por isso, quer levar consigo na peregrinação.

Com tradução de Samuel Titan Jr., o livro acaba de ser lançado no Brasil pela CosacNaify. O volume conta com quarta capa de Beatriz Sarlo, para quem Selva Almada destaca-se no mapa da ficção por ser, não literatura urbana, nem sobre jovens, nem sobre marginais, mas uma literatura de província, regional frente às culturas globais, mas não uma literatura de costumes – ao contrário da literatura urbana que, diz Sarlo, tantas vezes é literatura de costumes sem ser regional.  Continue lendo

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Literatura

Por entre minúcias

27 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
garvura de Evandro Carlos Jardim

garvura de Evandro Carlos Jardim

Uma parte interessante dos méritos da literatura de Beatriz Bracher repousa no cuidado com os detalhes. No romance Antonio, a narrativa é tecida dos encontros de minúcias. A mesma história é contada por diferentes personagens ao protagonista, pontuada, assim, pelas nuances narrativas, desdobrada ao longo da coerência das personalidades das personagens, através de suas maneira de ver e contar suas versões. Detalhes de trejeitos de fala, de tempo de raciocínio. As personagens ganham realidade através da construção de seus raciocínios, numa narrativa polifônica, pontuada como que por tensões musicais.

Benjamim, o protagonista, na iminência de ser pai, descobre um segredo familiar e resolve inquerir os envolvidos, para saber como foi que tudo aconteceu. Três deles, sua avó, Isabel, Haroldo, amigo de seu avô, e Raul, amigo de seu pai, contam-lhe, então, suas versões dos fatos. Unindo estes fragmentos de memórias alheias, Benjamin reconstitui a história de sua família.  Continue lendo

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lançamentos

O homem e a natureza

23 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Isaak Ilyich Levitan, 1892

Isaak Ilyich Levitan, 1892

A Companhia das Letras acaba de lançar a tradução feita por Rubens Figueiredo da novela A estepe – História de uma viagem, de Tchekhov.

Trata-se da primeira narrativa mais extensa do russo, então com 28 anos de idade e já reconhecido colaborador de jornais e revistas literárias, com suas prosas curtas.

O texto acompanha a viagem de um menino que parte para estudar em outra cidade e, para tanto, percorre por alguns dias a vasta estepe russa. Múltiplo, traça, através da experiência do protagonista, e aliada à rica descrição da paisagem natural, uma precisa interpretação sobre tipos humanos, sobre atividades econômicas e as relações sociais delas decorrentes. Percorre, assim, um panorama que atravessa mudanças de comportamento, individuais e coletivas.  Continue lendo

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Performance literária

16 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
"Untitled", obra de Pierre Huyghe

“Untitled”, obra de Pierre Huyghe

Enrique Vila-Matas foi convidado a participar da Documenta, maior exposição de arte contemporânea do mundo contemporâneo, realizada a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha. O escritor deveria realizar uma performance: sentaria à mesa em um restaurante chinês nas cercanias da cidade e escreveria – diante dos comensais, que poderiam aproximar-se e mesmo intervir.

Não há lugar para a lógica em Kassel surge assim, conforme o próprio autor define, como uma “reportagem romanceada” – uma mistura de diário de viagem que conta sua experiência, com uma profunda reflexão sobre a arte e a literatura contemporâneas.

Com o humor que lhe é peculiar, Vila-Matas coloca em inusitada perspectiva o papel do artista em uma Europa destroçada pela crise e reconstrói uma visão de mundo a partir do questionamento sobre a arte.  Continue lendo

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lançamentos

Obra de um “hipocondríaco assumido”

2 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Honoré Daumier

Honoré Daumier

O escritor argentino Diego Vecchio acaba de ter lançada no Brasil uma edição de seu livro Micróbios. Vecchio participa da FLIP deste ano como um dos autores de destaque.

O livro é uma reunião de contos que oscilam entre a comédia e a tragédia. Sua criação literária surge como uma resposta psicanalítica non-sense. São nove narrativas, cada qual uma apresentação de um caso clínico raro, descritos em chave freudiana – cada uma das personagens sofre de uma enfermidade, causada pela leitura e pela escrita.

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Literatura

O senhor quer falar?

1 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Edvard Munch

O interessante livro A alma do mundo, do uruguaio Felipe Polleri, percorre o diálogo entre um paciente e sua psiquiatra.

Através da exploração das complexas entranhas do inconsciente, em que coabitam os limites da loucura e da reflexão. Concebido quase como uma obra teatral, o interrogatório psiquiátrico esmiúça uma mente angustiada de um personagem em que coabitam mundo paralelos, radicalmente antagônicos.

Uma peça literária ousada e original, que mostra como coabitam os antagonismos da fantasia e do realismo na peculiar captação do mundo de cada subjetividade.  Continue lendo

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Literatura

Jornalismo histórico e literário

24 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Para Heródoto, viajar é sinônimo de esforçar-se, uma tentativa de conhecer tudo, a vida, o mundo, a si próprio”.

kapuscinski

Ryszard Kapuscinski (1932 – 2007) foi um prestigiado repórter e escritor polonês. Minhas viagens com Heródoto – Entre a história e o jornalismo é uma narrativa viva de como, no começo de sua carreira, quando era mandado a locais remotos e, para ele, indecifráveis, tais como Índia ou China, contando apenas com um inglês rudimentar e trabalhando sob condições precárias para órgãos estatais do governo totalitário polonês, encontrou companhia, guia e refúgio espiritual, no clássico livro História, do grego Heródoto de Halicarnasso, escrito no século V a.C. O livro foi um presente, que o jornalista ganhou antes da primeira viagem, e nunca deixou de acompanhá-lo em suas jornadas.

Em Heródoto, Kapuscinski encontrou a inspiração intelectual que iria motivar toda a sua carreira: o desejo de viajar pelo mundo e contar o que via. A História teria sido a “primeira grande reportagem da literatura mundial”, relatando os fatos e costumes da vida dos povos “bárbaros” que o grego visitou conforme penosamente viajava; umais do que uma homenagem, Kapuscinski vê no texto grego uma maneira de compreender o mundo desde seus primórdios, um elogio à diferença e à ideia de que o conhecimento de outros povos e culturas acaba por servir também como conhecimento próprio, espelhado.

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Literatura

Ironias capitalistas

22 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
William Hogarth

William Hogarth

O romance Moll Flanders foi escrito em 1722, no auge do reconhecimento literário do escritor inglês Daniel Defoe. O seu título original ocupava toda a capa da edição, um traçado de todo o destino da protagonista: “As Venturas e Desventuras da Famosa Moll Flanders, que Nasceu na Prisão de Newgate, e ao Longo de uma Vida de Contínuas Peripécias, que Durou Três Vintenas de Anos, sem Considerarmos sua Infância, Foi por Doze Anos Prostituta, por Doze Anos Ladra, Casou-se Cinco Vezes (Uma das Quais com o Próprio Irmão), Foi Deportada por Oito Anos para a Virgínia e, Enfim, Enriqueceu, Viveu Honestamente e Morreu como Penitente”.

Assim, o romance segue a vida de uma mulher que nasceu na prisão e atravessou agruras até morrer, rica, como penitente – narrado por ela mesma, como suas memórias. Trata-se de umas das mais fascinantes personagens femininas da literatura universal. A edição brasileira, recentemente lançada pela Cosac Naify para inaugurar sua coleção “Nova Prosa do Mundo”, foi traduzida por Donaldson M. Garschagen e conta com textos de Cesare Pavese, Marcel Schwob e Virginia Woolf.  Continue lendo

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lançamentos

Polifonia do amadurecimento

16 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Marcelo Grassmann

Fiódor Dostoiévski escreveu a novela Um pequeno herói entre julho e dezembro de 1849, período que passou no cárcere da Fortaleza de Pedro e Paulo, em Petersburgo, à espera da sentença que o desterraria para a Sibéria

A editora 34 acaba de lançar uma edição cuidadosa da obra, com tradução de Fátima Bianchi e xilogravuras de Marcelo Grassmann.

A novela nada resguarda da experiência lúgubre da prisão. Pelo contrário, é envolta numa atmosfera luminosa e delicada. A obra é considerada exemplar da singular capacidade do autor de adentrar a alma das personagens, perpassando aquilo que há aquém de suas consciências, entremeada à percepção difusa de si e das máscaras sociais.

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