Arquivos da categoria: Literatura

história

Tradição intelectual latino-americana

11 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Plano de Tenochtitlan

Acaba de chegar à livraria 30porcento A cidade das letras, de Ángel Rama (1926-1983), “o maior crítico literário que a América Latina teve”, segundo as palavras de Antonio Candido.

Rama aqui analisa a concepção, o planejamento e a consolidação das cidades latino-americanas. Sua investigação parte da destruição da asteca Tenochtitlán, em 1521, até a inauguração de Brasília, na década de 1960. O livro examina os valores que pautaram a formação das cidades e o discurso urbano da conquista.

Trata-se de uma erudita revelação de cidades latino-americanas através do desenvolvimento das letras e da ordem dos signos: um paralelo entre os projetos urbanísticos e o ideal de urbe limpa, estéril e civilizada.  Continue lendo

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lançamentos

Alices

10 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] se falássemos somente quando alguém nos fala, nunca ninguém diria nada”.

desenho de Odilon Redon

desenho de Odilon Redon

Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, de Lewis Carroll, são livros infantis ou são livros para adultos? A discussão é decorrência das múltiplas formas de interpretações do non-sense de sua prosa, construída como uma trama de proposições absurdas que se apresentam como possibilidades plausíveis.

A editora Cosac Naify acaba de lançar uma edição caprichosa das duas obras, traduzidas por Alexandre Barbosa de Souza e Nicolau Sevcenko. Além de atravessar com a menina Alice o país maravilhoso, é possível continuar a jornada por um novo mundo, através do espelho.

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Literatura

No século de Luis XIV

2 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
cartaz do polonês Julian Palka, 1955.

cartaz do polonês Julian Palka, 1955.

E. T. A. Hoffmann (1776-1822) é o mais expressivo escritor romântico alemão. Conhecido sobretudo pelo caráter fantástico de sua literatura, com A senhorita de Scudéri, inaugurou a novela policial como gênero na literatura alemã.

O texto foi publicado originalmente como uma obra autônoma, em 1820, e mais tarde foi agrupado na reunião de textos de Hoffmann, organizada em quatro volumes, intitulada Os irmãos Serapião. Os volumes tem como fio condutor uma narrativa que, como o Decameron de Boccaccio, gira em torno de um punhado de amigos, que se encontram no dia de São Serapião e, interessados todos por questões artísticas, contam histórias uns aos outros e as comentam em seguida. A história da “senhorita de Scuderi” é contada por Sylvester, que diz ter se aproveitado da Crônica da cidade de Nuremberg [Chronik der Stadt Nürnberg], de Johann Christoph Wagenseil, para caracterizar sua personagem-título.

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lançamentos

Piccole virtù

29 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Natalia Ginzburg

Natalia Ginzburg

Numa prosa que se equilibra entre o ensaio e a auto-biografia, As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg (Palermo 1916 – Roma 1991), é uma pequena joia literária. O livro, que reúne onze textos, é tido como um dos maiores da escrita memorialística do século XX. A tradução para o português, feita por Maurício Santana Dias, acaba de ser lançada pela Cosac Naify; a edição conta com posfácio de Cesare Garboli.

Lançado originalmente em 1962, é conhecido desde então pela escrita elegante e clara da escritora.  Um dos textos é o belo “Retrato de um amigo”, um perfil do poeta e amigo Cesare Pavese. Também são tema para suas reflexões as relações entre as gerações, sua experiência de medo e pobreza em tempos de guerra, sua visão, irônica e cômica, sobre Londres, cidade que lhe parece inóspita. Sua visão, de sensibilidade profundamente humana, dota esses textos de uma beleza perturbadora.  Continue lendo

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Literatura

Entre nuances, a verdade

26 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
László Moholy-Nagy

László Moholy-Nagy

De verdade é considerado por muitos críticos como a obra máxima do húngaro Sándor Márai. Escrito ao longo de mais de quarenta anos, este denso romance divide-se entre a voz de quatro narradores. Cada um deles descreve suas vidas e seus entrelaçamentos, portanto, ocorrem nas confluências de olhares de cada um sobre as situações, sobre si e sobre os outros. Diferentes organizações de discurso em relação a fatos ocorridos com mais de um dos narradores torna-se de maneira engenhosa um comentário às dificuldades de convivência decorrentes da diversidade de percepções.

Sándor Márai perpassa os conflitos do amor e do casamento, ao passo que também desmascara os meandros da burguesia decadente da Europa Central entre as duas grandes guerras.  Continue lendo

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Literatura

Análise vivenciada

25 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Como se os deuses quisessem provar que um museu só volta à vida quando eles decidem, a estação das chuvas está a cair no pátio toda de uma vez. A água desaba em lençóis e acendem-se relâmpagos que depois ribombam. Começa a subir um cheiro intenso a terra. As árvores brilham. As copas agitam-se. O céu ruge. Os turistas correm”.

fotografia de Frida Kahlo

fotografia de Frida Kahlo

A jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho é um dos nomes confirmados na programação da FLIP. Ela vai dividir uma mesa com a argentina Beatriz Sarlo, sobre suas experiências literárias enquanto reflexões de turistas aprendizes.

Viva México é um interessante livro, cujos textos, escritos à guisa de artigos de uma viagem jornalística, extrapolam contudo a classificação de livro-reportagem.

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Literatura

Não falei

19 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Se fosse possível um pensamento sem palavras ou imagens, inteiro sem tempo ou espaço, mas por mim criado, uma revelação do que em mim e de mim se esconde e pronto está, se fosse possível que nascesse assim evidente e sem origem aos olhos de todos e então, sem esforço do meu sopro – tom de voz, ritmo e hesitação, meus olhos –, surgisse como pensamento de cada um, ou ainda, uma coisa, mais que um pensamento, uma coisa assim fosse possível existir, eu gostaria de contar uma história”. 

gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

Não falei, romance de Beatriz Bracher publicado em 2004, é um livro denso, humana e politicamente. Nele, acompanhamos a narrativa em primeira pessoa de um professor universitário, em vias de mudar-se de São Paulo para São Carlos. A voz masculina dá corpo a uma reflexão, a um só tempo histórica e familiar, sobre a ditadura militar no Brasil, sobre as rodas de chorinho em que o pai tocava flauta, o café no balcão da padaria, os jogadores da seleção de Pelé; perpassando um sentimento de esvaziamento paulatino de utopias.

A mudança de cidade desencadeia no narrador uma série de reflexões, sobre a história, seu passado, as impossibilidades, despertadas pela retumbante memória de quando tinha 24 anos, em 1964: “Vejam então. Fui torturado, dizem que denunciei um companheiro que morreu logo depois nas balas dos militares. Não denunciei, quase morri na sala em que teria denunciado, mas não falei. Falaram que falei e Armando morreu. Fui solto dois dias após sua morte e deixaram-me continuar diretor da escola”.

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Literatura

Ilusões, ou não

15 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gustave Courbet

Gustave Courbet

A origem do mundo, do chileno Jorge Edwards, é considerado um dos melhores romances da literatura hispânica das últimas décadas. A narrativa tematiza, de maneira a um só tempo trágica e bem humorada, a decadência e o renascimento do amor e do desejo, o fracasso dos sonhos políticos e a ficção como elemento de resistência indispensável à vida. Segundo Mario Vargas Llosa, uma história “divertida e inesperada” e a de “construção mais astuta” dentre as obras de Edwards.

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Literatura

De paixões mesquinhas

29 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Vida e destino, do russo Vassili Grossman (1905-1964), é considerado um épico moderno e uma análise profunda do mosaico, social e histórico, formado durante a Segunda Guerra Mundial. O autor, que esteve no campo de batalha e acompanhou os soldados russos em Stalingrado, descreve os campos de prisioneiros militares e os campos de concentração, os altos-comandos, com Hitler de um lado e Stálin de outro, a disputa insensata dos soldados por uma única casa na cidade em ruínas, e os dramas familiares daqueles que ficaram, e que tem que enfrentar o medo político e incerteza de toda sorte. Grossman retrata a sociedade soviética como um todo a partir da batalha.

O romance foi finalizado em 1960 e, então, confiscado pela KGB. Continuou, pois, inédito até a metade de década de 1980. Quando enfim conhecido pelo grande público, tornou-se celebrado como um dos romances mais importantes do século XX. Uma narrativa magistral sobre a Segunda Guerra, uma prosa de força dramática e histórica impactante.

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Literatura

Prosa alegórica

28 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone
desenho de Degas.

esboços de Degas.

Nos pampas, em meio ao calor sufocante de fevereiro, sob a latente pressão do regime militar, um acontecimento inusitado desperta a narrativa: vários cavalos são assassinados, sem motivos aparentes ou explicações plausíveis, os corpos dos animais são encontrados, vítimas impotentes de tiros à queima-roupa.

Em Ninguém nada nunca, o argentino Juan José Saer narra de maneira oblíqua, reconhecível, mas não realista. Traça uma reflexão literária contundente sobre o mal-estar do homem no mundo, que perpassa a tensão e o mistério dos enigmáticos, e sobretudo alegóricos, abates dos cavalos.

Numa tradução inventiva do real, avessa à pura representatividade, a prosa de Saer aumenta a perceptividade simbólica do mundo e conserva no vazio as incompreensões milenares, irradiando-as, porém, ao infinito.  Continue lendo

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Eu, estranho, alheio

27 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Eu devia pouco a pouco mostrar-me o contrário daquilo que era ou supunha ser para esse ou aquele meu conhecido, depois de ter me esforçado para entender a realidade que me havia dado: necessariamente mesquinha, instável, volúvel e quase inconsistente”.

Giorgio De Chirico, "Gli sposi" (1926)

Giorgio De Chirico, “Gli sposi” (1926)

A Cosac Naify está repaginando parte de sua ótima coleção “Prosa do mundo”, sob o nome “Nova prosa do mundo”. Um dos livros reeditados é o primoroso Um, nenhum, cem mil, do italiano Luigi Pirandello (1867-1936), que esteve esgotado durante algum tempo após sua quarta reimpressão, feita em 2010.

O romance foi a última obra publicada por Pirandello, notabilizado como grande dramaturgo, romancista e contista. É considerado o romance mais complexo do autor, uma especulação metafísica, que une, à sua prosa, poesia e humor. Seu protagonista, Vitangelo Moscarda, questiona sua identidade por um comentário de sua mulher, sobre seu nariz pender um pouco para a direita, coisa da qual Moscarda nunca havia se dado conta e que o leva a refletir de maneira alucinada:  Continue lendo

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Mundo escrito e mundo não escrito

24 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Escrevemos para que o mundo não escrito possa exprimir-se por meio de nós” – Italo Calvino.

Odilon Redon

Odilon Redon

A coletânea de artigos, enrevistas e conferências Mundo escrito e mundo não escrito, de Italo Calvino, acaba de ser lançada no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Maurício Santana Dias. Seus temas giram em torno de questões levantadas pelas relações entre vanguarda e tradição, de reflexões sobre a leitura, a escrita e a tradução, de comentários sobre a forma do romance: em suma, investigações sobre os significados da experiência literária. A delimitação movediça entre o mundo escrito e o não escrito marca um limite, tênue, entre o real e o que é possível através da linguagem.

Para Calvino, o mundo escrito, o texto, é em si um universo próprio. Relaciona-se com o mundo não-escrito, mas não de maneira espelhada.  Continue lendo

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Literatura

Solilóquios eternos da lembrança

23 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone
gravura do húngaro István Püspöky Munkácsy

gravura do húngaro István Püspöky Munkácsy

O legado de Eszter, do húngaro Sándor Márai, revive o denso espaço de um dia, o mais importante da vida de Eszter, uma senhora que espera já muito pouco da vida. Ela e a criada, Nunu, ao receberem um telegrama de Lajos, anunciando que retornará à pacata aldeia depois de uma ausência de vinte anos, alarmam-se, com a forte presença da iminência de perigo. Sedutor, Lajos fizera promessas de amor que Eszter verdadeiramente correspondera, porém ele desposou sua irmã mais nova; falsificador de promissórias, fugitivo, capaz de mentir com lágrimas de verdade, ludibriara também aos pais e irmãos de Eszter, que entregaram-lhe quase tudo o que tinham.

Traduzido diretamente do húngaro por Paulo Schiller, o livro foi publicado em 2001 pela Companhia das Letras.

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Literatura

Insólito desconcertante

20 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O cubano Virgilio Piñera (1912-1979) é considerado um dos mais autênticos escritores do continente americano. Sua prosa é marcada por um humor sarcástico, porém melancólico. Contos frios, publicado originalmente em 1956, reúne os temas que orientam sua obra literária, o absurdo, a angústia existencial, o humor negro.

Publicado no Brasil em 1989, o livro acaba de ser reeditado pela Editora Iluminuras, mantendo a tradução feita pela crítica e especialista na obra do cubano, Teresa Cristófani Barreto, professora do Departamento de Letras Modernas da USP.  Continue lendo

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Textos para o nada

16 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

beckett

“Para onde eu iria, se pudesse ir, o que seria, se pudesse ser, o que diria, se tivesse uma voz, quem é que fala assim, dizendo que sou eu?”. O narrador de Textos para o nada, de Samuel Backett, relembra fragmentos de histórias e de lugares pelos quais passou, parado num charco, de onde consegue olhar para o céu: narra sem ter mesmo ao certo nada o que narrar.

Publicado em 1955, este livro radicaliza os experimentos feitos por Beckett na trilogia formada por Molloy (1951), Malone morre (1951) e O inominável (1953). Com tradução de Eloisa Araújo Ribeiro e posfácio de Lívia Bueloni Gonçalves, o livro acaba de chegar às livrarias brasileiras, em edição cuidadosa da Cosac Naify.  Continue lendo

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