Arquivos da categoria: Literatura

Literatura

E o mundo é vasto

26 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Eu os conheço a todos. Reconheço-os pelas pisadas e por elas sei de seus humores, de seus sentimentos, de suas urgências, preguiças, de seu contentamento ou aflição. Sei de sua grandeza e mesquinhez. […] Eles me criaram e agora eu os crio”.

gravura de Hansen Bahia

gravura de Hansen Bahia

Vasto mundo, de Maria Valéria Rezende, foi publicado pela primeira vez em 2001. Foi a estreia literária da autora que retrata “causos” nordestinos, amores e dores, paisagens daquela geografia, cenários da crença fácil no que vai além do que se pode explicar. Sua prosa é de uma “delicadeza fulminante”.

São breves narrativas interligadas, que contam as histórias da vila de Farinhada, um lugarejo no nordeste brasileiro, inventado por Maria Valéria para abrigar trajetórias encantadas de personagens trabalhadores, artistas itinerantes, mulheres beatas, homens destemidos, moças sonhadoras. A trama formada pelos encontros entre suas vidas constrói um cenário calcado sobre um solo rico, porém castigado pelas intempéries da natureza.  Continue lendo

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Uma prosa rítmica e política

25 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
klee

Paul Klee

Referência literária colombiana, Andrés Caicedo (1951-1977) recebe pela primeira vez uma edição brasileira: Viva a música! chega às livrarias pela editora Rádio Londres.

Foi o único romance publicado por Caicedo, mas ainda assim responsável por uma revolução na produção literária da Colômbia. O jornal colombiano El espectador elegeu-o o segundo romance mais relevante do país no século XX, logo após Cem anos de solidão, de Gabriel García Marques.

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Paisagens que não voltarão a ser

23 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Rothko

Rothko

Sangue no olho, da chilena Lina Meruane, narra em primeira pessoa a história de uma mulher em vias de ficar cega. À narradora protagonista, vítima de uma desconhecida doença que enche seus olhos de sangue, resta apenas esperar, enquanto seu médico a submete a extenuantes exames sem, contudo, chegar a nenhum diagnóstico.

O romance é forte. A narradora, para seguir seu ofício de escritora, para movimentar-se pelas cidades, deve a partir de então contar com as imagens do mundo que permanecem em sua imaginação e em sua memória; com o aguçamento de sua audição. A perda drástica e súbita de um sentido é violenta e tona a ordem do mundo, instável. Os espaços tornam-se vivos, a trama do tempo se rarefaz, as palavras deixam de fingir serem as coisas que enunciam, desnudam-se enquanto signos vazios e arbitrários.  Continue lendo

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Literatura

A geografia do tempo

19 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] certo dia acordou fora do contexto, no sentido de que em vez de estar de lado estava de costas, observando o teto de seu quartinho, que ele sabe-se lá por que imaginava celeste, mexia em vão as patas peludas perguntando-se o que fazer. O pensamento o irritou, não tanto pela comparação quanto pelo pertencimento ao gênero: literatura, ainda literatura”.

gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

O tempo envelhece depressa, belo livro de contos de Antonio Tabucchi, é poético, onírico, mas, ao mesmo tempo, real de maneira literal: em nota ao final do volume, o autor diz: “algumas destas histórias, antes de ganharem corpo no meu livro, existiram na realidade. Limitei-me a ouvi-las e a contá-las à minha maneira”. O livro reúne nove contos, que segundo o autor prestam homenagem às Nove Estórias, de J. D. Salinger, segundo ele “o livro de contos mais belo do século XX”.

As personagens dos contos de Tabucchi, através de uma prosa delicada, articulam-se em torno da noção difusa e múltipla do tempo – tempo dos acontecimentos por vir, tempo passado, tempo da memória e da consciência, tempo histórico do mundo e do homem.

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A morte e a imortalidade

12 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
rodin

fotografia da escultura “O pensador”, de Rodin

No 25° ano de sua publicação, A imortalidade, de Milan Kundera, acaba de ser reeditado pela Companhia das Letras. O romance, entre personagens reais e fictícios, tece reflexões sobre a sociedade ocidental moderna, seus valores sentimentalistas, os conflitos entre essência e imagem, entre realidade e aparência, o culto à fama e à celebridade: a busca pela imortalidade. A prosa de Kundera, mordaz e forte, aqui, é verdadeiramente instigante em sua investigação acerca das possibilidades da existência.

Em dado momento do livro, um diálogo ficcional é travado entre Goethe e Hemingway. O escritor americano diz “Em vez de ler meus livros, escrevem livros sobre mim”, ao que o alemão lhe responde: “A imortalidade é um eterno processo”. As personalidades literárias, escritores que, apesar de mortos, são imortais são fundamento para a reflexão de Kundera: “A morte e a imortalidade formam uma dupla indivisível, mais bela que Marx e Engels, que Romeu e Julieta, que Laurel e Hardy”.  Continue lendo

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Literatura

Entre a maldição e a herança histórica

10 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
jacques_resch

Jacques Resch

A fantástica vida breve de Oscar Wao, do dominicano Junot Díaz, reconhecido pelas críticas elogiosas, foi apontado recentemente como o melhor romance publicado até agora neste início de século 21, por um grupo de críticos americanos de veículos como o “New York Times”, “Time Magazine”, “Newsday”, “Kirkus Review” e “Booklist”, que foram questionados pela seção de cultura do site internacional BBC.

O romance ganhou o Prêmio Pulitzer, em 2008. É o primeiro romance de Junot Díaz, que, dez anos antes, havia publicado uma coletânea de contos, sob o título Afogado.

Ao longo de descrição da vida de Oscar Wao, o autor descreve também a jornada épica da família, de Santo Domingo a Nova Jersey, e seu retorno à terra natal. Paralelamente, traça um panorama da lastimável ditadura dominicana, através da luta da família para sobreviver em momentos históricos cruéis.  Continue lendo

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Literatura

O que se pode saber de um homem

9 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Flaubert representa, para mim, exatamente o contrário da minha própria concepção da literatura: um alienamento total e a procura de um ideal formal que não é, de modo algum, o meu…” – Sartre.

 

– Caricatura de Flaubert, por Eugène Giraud

A última obra escrita por Sartre, O idiota da família, é um verdadeiro monumento. Publicado em três volumes, aos quais se seguiria ao menos mais um, rascunhado, porém inacabado pelo avanço da cegueira e de problemas de saúdes do filósofo, trata-se de um profundo e abrangente estudo sobre a vida e obra de Flaubert, através de um método investigativo que articula existencialismo, psicanálise e crítica literária. É, pois, considerado síntese de todo o pensamento filosófico sartreano.

À época da publicação do primeiro volume, Sartre, indagado sobre a natureza de seu interesse por Flaubert, disse que o escritor representava seu avesso e que era justamente este o motivo de sua admiração. O filósofo reconstrói os fundamentos psicológicos de Flaubert a partir de reflexões sobre seu meio familiar, entre uma mãe fria e um pai autoritário. O título, Sartre explica: “Uma testemunha conta que o menino aprendeu a ler muito tarde e que seus familiares o tinham então por criança retardada”Continue lendo

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Universal, humano, histórico

6 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Um homem de compleição grande, porém agora descarnada, com uma barba curta avermelhada que parecia um disfarce e por cima da qual seus olhos claros tinham uma qualidade ao mesmo tempo visionária e alerta, implacável e descansada num rosto cuja carne tinha uma aparência de cerâmica, de ter sido colorido por aquela febre de forno fosse de alma ou ambiente, mais profunda que a do sol apenas embaixo de uma superfície morta impenetrável como se de argila esmaltada”.

xilogravura de Hansen Bahia

Publicado originalmente em 1936, Absalão, Absalão, de William Faulkner, é um dos mais prestigiados romances do século XX. Cosiderado uma obra prima, o texto, ambientado no sul dos Estados Unidos durante e após a Guerra Civil Americana, narra a história da ascensão e da derrocada de Thomas Sutpen. O protagonista é um homem branco que enriquece explorando a escravidão; fundador de uma dinastia, acaba sendo destruído por sua própria descendência.

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Herói cotidiano

5 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
professor

Franz von Lenbach

Recém lançado pela editora Rádio Londres, Stoner, de John Williams, é uma publicação cuja alta qualidade literária ainda não havia encontrado espaço no mercado editorial brasileiro.

A narrativa acompanha a trajetória de William Stoner, filho de camponeses simples, cujo futuro hereditariamente previsto, como trabalhador de terra, transforma-se: apaixonado pela literatura, acaba por tornar-se professor universitário. Os cinquenta anos de sua vida são narrados com elegância e com uma precisão sensível. O protagonista reage à sua vida com silencioso estoicismo, retrato de um improvável herói da vida cotidiana.

A história tem inspiração auto biográfica. Publicada originalmente em 1965, foi respeitosamente lida e resenhada. Sua prosa é clara e calma.

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Cerrado entre o fantástico e o real

3 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

xilogravura de Hansen Bahia

Ontem comemorou-se cem anos do nascimento de José J. Veiga. O goiano, com ajuda do amigo Guimarães Rosa, publicou seu primeiro livro aos 44 anos: a reunião de contos O cavalinho de Platiplanto. Apenas sete anos depois ele publicou seu segundo livro, o romance A hora dos ruminantes, que, saudado pela crítica por sua prosa singular, encantou os leitores – na década de 60, esgotaram-se nove de suas edições. Fora das livrarias havia tempo, estes dois títulos são os primeiros a integrarem a cuidadosa reedição da obra completa de Veiga, agora enfim lançada pela Companhia das Letras, em homenagem a seu centenário.

A hora dos ruminantes é considerado o mais significativo romance do autor. Continue lendo

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Ambivalências das alucinações

29 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Adeus e boa noite a todos, repeti. Encostei a cabeça para trás e pus- me a olhar para a lua.

Hyeronimus Bosch

Requiem – Uma alucinação, escrito em 1991, é uma homenagem do italiano Antonio Tabucchi à cidade de Lisboa e à língua portuguesa. O romance é o único que Tabucchi escreveu em português. Nele, seu protagonista, num estado entre a realidade e o sonho, perambula pela cidade que o autor escolheu para viver e morrer: em seu caminho errático, entre lucidez e torpor, encontra-se com vivos e com mortos e segue em direção ao encontro que tem marcado, ao meio-dia, com Fernando Pessoa.  Revivendo partes de seu passado, entre encontros inusitados, ele passa por vielas do inconsciente, criando um requiem pessoal de música orgânica que abarca toda a ambiguidade humana. Requiem, explica Tabucchi na nota introdutória, executado “numa gaita de beiços, que se pode levar no bolso, ou num realejo, que se pode levar pelas ruas”.

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Literatura

Prosa poética

23 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] movido por um instinto profundo sempre procurei sacralizar o cotidiano, desbanalizar a vida real, criar ou recriar a dimensão do feérico.” – Murilo Mendes

Murilo Mendes

Murilo Mendes publicou A idade do serrote em 1968. Livro em prosa no qual o poeta resgata sua infância e sua adolescência, passadas em sua cidade mineira natal, Juiz de Fora.

No ano passado, felizmente o leitor brasileiro ganhou uma nova edição deste belo livro. O volume, publicado pela Cosac Naify, conta com posfácio escrito por Cleusa Rio Passos, professora da USP, e traz uma crônica que Drummond escreveu sobre o livro, publicada à época pelo jornal Correio da Manhã, bem como uma carta, escrita em resposta, por Murilo.

As memórias, sob sua pena, tornam-se experiências líricas. Continue lendo

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Literatura

Lampejos literários

22 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

camus

Ler os cadernos de juventude de um escritor que veio a ser um dos grandes pilares da literatura do século XX é de um interesse que ultrapassa a mera curiosidade intelectualmente arqueológica ou literariamente genética. É singular a liberdade do manuscrito enquanto cena de escritura – utilizando a expressão de Paul Valéry –, enquanto forma do pensamento bruto exteriorizado como sensibilidade verbal.

Albert Camus ao longo de sua vida inteira cultivou o hábito de escrever em pequenos cadernos algumas reflexões, experimentos literários, anotações dispersas e mesmo trechos que foram depois utilizados integralmente em seus primeiros livros.

A editora Hedra no ano passado publicou no Brasil a primeira tradução da reunião dos cadernos em três volumes. O primeiro deles, que cobre o período de 1935 a 37, intitulado Esperança do mundo, apresenta os apontamentos do jovem escritor em contato consigo mesmo, com suas próprias ideias e posições em relação ao mundo.  Continue lendo

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Rapsódias do andarilho

16 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Robert Walser

Robert Walser nasceu em Biel, na Suíça, em 1878; foi encontrado morto, em 1956, na neve, em Herisau, pouco longe do instituto psiquiátrico que habitava havia vinte e três anos. Ao longo de sua vida, não obteve reconhecimento e, quando após sua morte, enfim passou a ser lido e admirado, o foi por autores como Kafka, Musil, Hesse, Canetti, Benjamin.

Walser, que escreveu poemas e quatro romances, conseguiu, também em suas prosas curtas, manifestar seu gênio. Este volume, Absolutamente nada e outros contos, reúne mais de quarenta minicontos, além de esquetes, solilóquios e improvisos escritos entre 1907 e 1929. Traduzidos por Sérgio Telleroli, estes textos apresentam um vasto panorama da prosa walseriana.

Versam sobre temas variados, como uma caminhada pelo campo, uma viagem de balão, um quarto alugado, calças compridas, um macaco num café, flores, Kleist ou Cézanne. Mesmo “absolutamente nada” pode lhes ser matéria-prima.

Walser é conhecido por uma prosa delicada e precisa. Segundo Walter Benjamin, “as figuras humanas de Robert Walser partilham sua nobreza infantil com as personagens dos contos de fadas”. Continue lendo

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A prosa precisa de Bábel

14 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Kandisnky, “Der Blaue Reiter”

A Editora 34 acaba de lançar No campo da honra e outros contos, do russo Isaac Bábel, com tradução de Nivaldo dos Santos e prefácio de Boris Schnaiderman.

O volume reúne 32 contos, a maior parte em sua primeira tradução direta para o português. São textos produzidos ao longo de toda a carreira literária de Bábel, provas de seu estilo sintético, essencial, inigualável. Aqui o leitor pode ter acesso tanto ao seu primeiro conto, publicado em 1913, quanto ao último, “O julgamento”, publicado em 1938. A seleção contempla todos os temas caros à produção literária de Bábel, os relatos da infância vivida na Moldavanka, o bairro judeu de Odessa, as histórias de sua juventude aventureira, os contos surpreendentes sobre a guerra.

O chamado ciclo “No campo de honra” foi inciado por Bábel no início de 1920, quando publicou, na revista político-literária Lava, um conjunto de quatro contos, inspirados na obra de Gaston Vidal sobre a 1ª Guerra Mundial.

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