Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

matraca

A imagem da imagem

12 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia do espanhol Chema Madoz

Simulacros e simulação, do filósofo francês Jean Baudrillard é um tratado irônico sobre os símbolos que permeiam a compreensão contemporânea de realidade.

Ele parte da identificação do conceito do simulacro enquanto gerador de modelos de um real, cuja origem, porém, não encontra-se na realidade. As simulações e os simulacros não são apenas abstrações fictícias, mas representações da realidade, feitas a partir de vestígios imaginários desta mesma realidade, que criam um hiper-real. Partindo de uma reflexão sobre os sentidos da imagem, da fotografia à publicidade, Baudrillard chega à crítica da sociedade de consumo, constatando a perda da relação do sujeito com o objeto. O real, segundo ele, desapareceu, desintegrando todas as contradições à força de produção de signos equivalentes.

Baudrillard ao longo do livro desenvolve a noção de hiper-realidade, que, povoada por simulacros, toma o lugar da realidade. Trata-se de um diagnóstico de época, da demonstração de que, no mundo moderno e contemporâneo, as imagens tornaram-se paulatinamente tão repletas de conteúdo, que passaram de símbolos a coisas reais. Continue lendo

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Últimas

Bio-livro

11 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Pagu

O estudo pioneiro sobre Pagu, desenvolvido pelo poeta Augusto de Campos e há anos esgotado, ganhou no mês passado nova edição. Pagu: vida-obra foi lançado pela primeira vez em 1982 e, então, quase nada se sabia sobre esta importante, interessante e controversa personagem do modernismo brasileiro. Mistura de antologia e perfil biográfico, o livro, agora revisto e ampliado, é a mais relevante referência sobre Patrícia Galvão, reúne a produção artística, literária e jornalística desta “luminosa agente subversiva de nossa modernidade”, como define o poeta.

À época da primeira publicação, Pagu era, nas palavras de Campos, “estrela menor do anedotário modernista”, lembrada sobretudo por sua beleza provocante e por ter sido o motivo da separação de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, com quem casou-se e teve um filho. O estudo é, segundo Campos, um “bio-livro”, que engloba os momentos mais relevantes de sua “vida-obra” à maneira de um roteiro biobibliográfico. Sua atuação na vanguarda modernista, seu curto casamento com Oswald, a viagem que fez ao redor do mundo em 1933, a militância comunista e os anos de cadeia servem, no estudo, como um prólogo à segunda parte da “vida-obra”, considerada a partir de 1940, muito marcada pela intensa colaboração com jornais e pela atuação teatral. O livro mostra ainda as traduções pioneiras que Pagu fez de autores que ajudou a introduzir no Brasil, como James Joyce e Artaud.  Continue lendo

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Artes Plásticas

A arte mágica de Grassmann

10 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Marcello Grassmann

Novamente a (falta de) organização do Prêmio Jabuti cometeu a deselegância de revogar a decisão final, após formalmente anunciada, dos vencedores em algumas categorias. Um deles, que vencera em segundo lugar, mas que foi retirado dos três finalistas dentre os livros de arte, é o ótimo Marcello Grassmann 1942-1955. Tratando-se de um dos principais prêmios do país, francamente, a recorrência de nova apuração, decorrente de falha organizacional, é algo pouco plausível.

O livro em questão cobre um significativo período da produção de um dos mais importantes e interessantes gravadores brasileiros. Grassmann, morto no ano passado, aos seus 88 anos, é conhecido pela poética que desenvolveu através da invenção de um universo próprio, povoado por seres fantásticos remissivos às histórias de cavalarias medievais: suas figuras, muitas vezes criaturas monstruosas, tem uma delicadeza lúdica, compostos por traços que formam desenhos tão trabalhados quanto luminosos. Continue lendo

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matraca

Debaixo da pele

7 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Man Ray

O erotismo, de Georges Bataille, ensaio publicado originalmente em 1957, articula filosofia, história da arte, antropologia e psicanálise, refletindo sobre a ontologia que encerram as noções de o erotismo, morte e sagrado, bem como suas imbricações. O erotismo representa, para Bataille, a substituição de uma continuidade, análoga à da morte, à descontinuidade natural do eu.

O livro foi reeditado no Brasil no ano passado pela editora Autêntica, com tradução e apresentação de Fernando Scheibe. A edição traz ainda um “Dossiê O erotismo”, que reúne escritos de Bataille sobre o tema, e a transcrição de um debate, ocorrido em 1957 em seguida a uma conferência proferida por Bataille, intitulada O erotismo e a fascinação pela morte, no qual o escritor embateu-se com André Breton, André Masson, Hans Bellmer e Jean Wahl, que, discordando de algumas de suas ideias, o acusaram, entre outros, de machismo.

O livro é dividido em duas partes: uma, analisa alguns diferentes aspectos da vida humana sob o ponto de vista do erotismo; a outra, apresenta estudos sobre o erotismo, que vão da psicanálise à literatura. O volume tem prefácio de Raúl Antelo e conta ainda com um estudo de Eliane Robert Moraes, dois dos maiores conhecedores da obra de Bataille no Brasil.

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fotografia

Significar o mundo

6 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fotografar é segurar o fôlego quando todas as nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia; é quando a captura da imagem representa uma grande alegria física e intelectual.

Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson escreveu alguns significativos textos sobre fotografia. O imaginário segundo a natureza é a primeira publicação que reúne os mais conhecidos e comentados deles em um único volume. Figuram, entre os textos selecionados, o certeiro “O instante decisivo” e o belo “Os europeus”. Há também artigos em que Bresson discorre sobre suas viagens a Moscou e China, textos que carregam a intensidade dos trabalhos fotográficos decorrentes. Outros artigos, são dedicados a artistas que foram seus amigos, como André Breton, Alberto Giacometti e Jean Renoir.

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cinema

1914 e a pungente melancolia da decadência

5 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Luzes da ribalta, o livro de Charles Chaplin que inspirou o seu filme homônimo acaba de ganhar tradução no Brasil, feita por Henrique B. Szolnoky, na edição da Companhia das Letras. (O filme e o livro são homônimos apenas na tradução, o título original da novela é Footlights, ao passo que o do roteiro é Limelight).

Sentimental, entrelaçado por fios de drama e de comédia, trata-se de um belo filme sobre a melancolia da derrocada humana. Estreou em 16 de maio de 1952, em Londres. Seu roteiro foi intelectualmente concebido em 1916, quando, então já astro de Hollywood, Chaplin foi visitado pelo bailarino russo Vaslav Nijinsky. Profundamente impressionado pela figura mítica de Nijinsky, que, pouco tempo depois, seria diagnosticado como esquizofrênico e abandonaria a dança, Chaplin teria ali tido o impulso criativo da concepção de uma história sobre a decadência, artística e física, de um bailarino.

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lançamentos

A ascensão da desigualdade de renda

4 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“The Protectors of Our Industry”, Bernhard Gillam

Um dos livros mais comentados do ano, O capital no século XXI, de Thomas Piketty, começou nesta semana a ser vendido no Brasil. Trata-se de um abrangente estudo sobre a desigualdade. O economista francês revela que o mundo vive uma segunda “Belle Époque” financeira, concentrada em 1% da população mundial. A desigualdade aumentou ao ponto de ter voltado a patamares do século XIX; além disso, a concentração indica também uma volta ao “capitalismo patrimonial”, caracterizado pelo pertencimento das grandes fortunas não a isolados indivíduos bem-sucedidos, mas a dinastias familiares e, segundo o estudo, a riqueza hereditária é tão alastrada que torna-se praticamente indiscernível.

Piketty, que é professor na Escola de Economia de Paris, sustenta que, atualmente, é a receita do capital, e não a renda do trabalho, o fator predominante da distribuição de renda. Segundo ele, durante a Belle Époque europeia e a Gilded Age norte-americana, foi a desproporção entre a propriedade de ativos, e não a desigualdade salarial a promover a drástica disparidade de renda; ele demonstra através de dados, que estamos no caminho de volta àquele quadro social. A menos que a concentração seja, em sua opinião, combatida por tributação progressiva.

Os dados foram obtidos através do desenvolvimento que Piketty realizou, junto com alguns colegas, sobretudo Anthony Atkinson, de Oxford, e Emmanuel Saez, de Berkeley, de técnicas estatísticas pioneiras, que possibilitam o rastreamento da concentração de renda e de riqueza em épocas distantes, Continue lendo

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Literatura

A mulher do garimpo

3 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

macaggiO romance A mulher do garimpo – O romance do extremo sertão do Amazonas foi publicado pela primeira vez na década de setenta. Sua autora, Nenê Macaggi, nasceu no Paraná, em 1913. No início da década de quarenta, mudou-se para a Amazônia, enviada pelo então presidente, Getúlio Vargas, com vistas a desenvolver um trabalho jornalístico que pormenorizasse a situação da região. Macaggi estabeleceu-se primeiro no Amazonas, em 1941, e, em 1942, mudou-se para Roraima, onde prosseguiu seu trabalho jornalístico e literário. Como seus escritos passaram a ocupar-se com a descrição do cotidiano do povo, ela é considerada não somente uma escritora roraimense, como a verdadeira inauguradora do discurso literário do estado.

A mulher do garimpo foi seu primeiro romance sobre o sertão amazonense. Nele, Macaggi desenvolve o projeto de criação de uma identidade amazônica, sobretudo da região de Roraima. Sua prosa observadora, nos detalhes cotidianos descritos se faz ressoar como um ensaio sociológico, tão rica a teia de panoramas que compõe.  Continue lendo

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matraca

Certa palavra dorme da sombra

31 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

No dia 31 de outubro, em 1902, nascia em Itabira Carlos Drummond de Andrade. O Instituto Moreira Salles rende-lhe, nesta data, uma homenagem – veja a programação do “Dia D – que a Livraria 30porcento aqui acompanha.

Recentemente reeditado pela Companhia das Letras, o Discurso de primavera e algumas sombras foi publicado pela primeira vez em 1977. São poemas originalmente publicados na coluna que Drummond mantinha no Jornal do Brasil. É notável, neles, seu caráter público e portanto conscientemente político; muitos dos poemas tratam de episódios que pontuam um tempo conturbado, de maneira geral no mundo e, especificamente no Brasil, retratam o desalento com o regime ditatorial militar que fechava todos os espaços destinados à liberdade, coletiva e individual.

Entre os temas recorrentes nos poemas, encontra-se também, forte, preocupado, niilista, o despertar da consciência ecológica. Em tempos que realizaram a Conferência de Estocolmo, primeira grande discussão mundial sobre as mazelas planetárias do desenvolvimento industrial, Drummond foi um dos primeiros autores a posicionar-se de maneira crítica à degradação ambiental. Poemas como “Águas e mágoas do Rio São Francisco”, que abre o volume, “Num planeta enfermo” ou “Antibucólica 1972” mostram sua verdadeira indignação com a devastação da natureza. Outra vertente política da poesia drummondiana.  Continue lendo

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história

História intelectual e política

30 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O historiador Tony Judt, morto em 2010, vítima da rapidamente degenerativa Esclerose Lateral Amiotrófica, dedicou-se durante sua vida a pensar o mundo moderno e o contemporâneo, sempre através de uma prosa clara e precisa. Ao final da vida, já debilitado pela doença, ainda teve tempo de produzir um livro inédito, Pensando o século XX. Trata-se de uma série de conversas que Judt travou durante meses com seu amigo e colega, o historiador Timothy Snyder, que as gravou. Os temas discutidos são baseados em textos e tendências cuja discussão encontrou-se em voga durante todo o século XX, analisados sob suas visões intensamente críticas; por seus comentários, o século visto através de suas principais ideias e pensadores. São presenças constates nas reflexões Eric Hobsbawm, Leszek Kolakowski, a “banalidade do mal” conforme pensada por Hannah Arendt, o “liberalismo do medo”, de Judith Shklar. Judt examina triunfos e fracassos de intelectuais proeminentes, colocando suas ideias à luz de seus compromissos políticos. Também coloca importantes reflexões morais cuja repercussão estende-se ao século XXI. Judt e Snyder ultrapassam a análise do passado para pensar o presente e o futuro.  Continue lendo

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Literatura

À mercê das águas do Paraguaçu

29 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“ – Andaraí é assim mesmo. Nunca passou disso. É uma terra rica de gente pobre”.

Cascalho, de Herberto Sales, foi publicado pela primeira vez há setenta anos, em 1944. Foi o primeiro romance – escrito aos seus 27 anos de idade – do escritor que, em 1977, seria eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Romance regionalista nordestino, Cascalho imediatamente integrou o ciclo temático inaugurado por José Américo de Almeida e continuado por Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.

Centrado do tema da mineração diamantífera na região da Chapada Diamantina, mostra a vida nos garimpos e suas regras próprias: o coronelismo, a capangagem, a árdua exploração. Herberto Sales explora as implicações sociais, econômicas e morais, bem como as particularidades geográficas da então situação garimpeira baiana.

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Literatura

Às avessas

28 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Richard Lithgow

Minha vida sem banho, de Bernardo Ajzenberg, lançado no mês passado pela Rocco, vem de um jeito inusitado de encontro às discussões, ultimamente tão frequentes, sobre a escassez de água e seu uso radicalmente racionado.

Seu protagonista, Célio, num dia de inverno acovarda-se frente a um banho frio, pois seu aquecedor quebrara, e resolve não tomar banho. Nem naquele dia, tampouco nos seguintes. A decisão de parar de tomar banho deu início a um verdadeiro projeto de vida. Que, paradoxalmente, reverteu-se na repentina aceitação social do protagonista, a partir de então, notado e respeitado. O autor constrói assim, com humor, uma crítica à superficialidade das relações e utopias contemporâneas, além de mostrar a canibalização da comunicação que é realizada através das redes sociais.

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Literatura

Prosa endereçada

27 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Não se trata de ter disposição: você é um operário como qualquer outro: se trata de ter horas de trabalho. Então, vá escrevendo, vá trabalhando sem disposição mesmo. A coisa principia difícil, você hesita, escreve besteira, não faz mal. De repente você percebe que, correntemente ou penosamente (isto depende da pessoa) você está dizendo coisas acertadas, inventando belezas, forças, etc. Depois, então, no trabalho de polimento, você cortará o que não presta, descobrirá coisas pra encher os vazios, etc”.

Guignard

A correspondência de Mário de Andrade é fundamental para se pensar a abrangência de seu pensamento na vida cultural e artística brasileira. A correspondência com escritores mais jovens, especificamente, é prova de sua influência no desenvolvimento literário de importantes nomes de nossas letras, como foi o caso com Fernando Sabino.

O livro Cartas a um Jovem Escritor. Remetente: Mário de Andrade. Destinatário: Fernando Sabino traz a seguinte nota: “As cartas de Mário de Andrade foram transcritas na íntegra, respeitadas a pontuação e a grafia característica de certas palavras. Apenas a acentuação foi atualizada”.

A correspondência entre os dois escritores teve início após o lançamento do primeiro livro publicado por Sabino, em 1941, quando ele tinha apenas dezoito anos. Mandou a Mário de Andrade um exemplar e este, como era de seu feitio, ainda que no auge de seu prestígio literário, escreveu ao jovem desconhecido sua sincera opinião, não só sobre o livro, mas sobre a grande potencialidade literária que vislumbrou em sua prosa.  Continue lendo

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fotografia

A semântica do enquadramento

24 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Milton Guran, índios Kayapo, 1990.

O livro Linguagem Fotográfica e Informação, do fotógrafo e antropólogo Milton Guran, investiga o que faz a contundência de uma imagem fotográfica; desenvolvendo o conceito de “foto eficiente”, situa sua reflexão em um entroncamento ético e estético.

Pensando a evolução técnica da fotografia e dos equipamentos fotográficos e seus usos, quer artísticos, quer documentais enquanto informativos ou midiáticos, ele baseia sua argumentação na análise dos processos de significação da própria linguagem fotográfica, a partir da crítica à composição da imagem.

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Artes Plásticas

Um legado importantíssimo

23 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Gráfico Amador reúne detalhadamente o registro de todos os impressos produzidos pela gráfica e editora homônima, a lendária oficina de artes gráficas pernambucana fundada por jovens artistas e intelectuais, que iniciou suas atividades em 1954 e as encerrou em 1961. A história é reconstituída, neste livro amplamente ilustrado, pelo designer Guilherme Cunha Lima. Publicado originalmente em 1996 pela editora da UFRJ, o livro acaba de ser relançado, em edição revisada e em cores, pela Verso Brasil.

No volume todas as obras publicadas foram recuperadas. São mais de duzentas imagens, entre livros, gravuras, aquarelas, peças de teatro, boletins sobre tipografia, literatura e teorias literárias. Traz peças literárias raras de escritores como Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Sebastião Uchoa Leite e outros, bem como gravuras, aquarelas, pochoir e obras dos talentosos Reynaldo Fonseca, Adão Pinheiro, Francisco Brennand, e dos ‘gráficos’ Orlando da Costa Ferreira e Aloisio Magalhães.

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