Arquivos da categoria: lançamentos

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A era pós-democrática

7 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“‘We are the champions’ [Nós somos os campeões] – esse é o hino do novo sujeito empresarial. Da letra da música, que a sua maneira anuncia o novo curso subjetivo, devemos guardar sobretudo esta advertência: ‘No time for losers’ [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o homem comum, aquele que perde por essência. De fato, a norma social do sujeito mudou. Não é mais o equilíbrio, a média, mas o desempenho máximo que se torna o alvo da ‘reestruturação’ que cada indivíduo deve realizar em si mesmo”.

Francisco de Goya, "Regozijo" e "Bajan riñendo"

Francisco de Goya, “Regozijo” e “Bajan riñendo”

A nova razão do mundo – Ensaios sobre a sociedade neoliberal, escrito a quatro mãos pelo sociólogo Christian Laval e pelo filósofo Pierre Dardot, acaba de ser lançado no Brasil. A reflexão dos dois pesquisadores parte da percepção de que ainda não entendemos o que é o neoliberalismo e, atualmente, por isso pagamos um alto preço. Nesse sentido, a obra tem um forte senso de urgência por repensar os lugares-comuns a respeito da natureza do capitalismo contemporâneo.

Articulando uma investigação histórico-social e econômica com a psicanálise, os autores apontam que a novidade do neoliberalismo é que se trata, mais do que apenas uma doutrina econômica ou ideológica, de uma racionalidade global que funciona como espécie de lençol freático normativo global.  Continue lendo

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Conquistas, ou capturas

31 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Van Gogh

“O direito de greve é um direito burguês. A greve só atinge a legalidade em certas condições, e essas condições são as mesmas que permitem a reprodução do capital”.

A tese inusual é a que defende o jurista e filósofo francês Bernard Edelman, nesta polêmica e original obra, A legalização da classe operária. Segundo Edelman, a legalização da classe operária é um dispositivo de domesticação da luta de classes.

Serão conquistas ou captura política da classe trabalhadora a regulamentação da jornada de trabalho, férias remuneradas, reforma da dispensa, direito de greve, reconhecimento da organização sindical?

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Georges Perec

24 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

La Disparition” foi publicado na França em 1969. A fantástica engenhoca metalinguística e literária de Georges Perec ganhou este ano sua primeira tradução para o português, sob o título O sumiço.

O tradutor, Zéfere, no posfácio, conta os truques que criou para transpor a trama policial do enredo: o sumiço da vogal “e”, a mais frequente da língua francesa. O livro não restringe-se, porém, ao lipograma – nome dado a textos que suprimem um ou mais tipo. Sua inovação ultrapassa o sumiço da vogal e faz, do próprio desaparecimento, o tema do romance e norte de sua história: Perec cria um mundo de letras, povoado por seres de letras, cujo destino depende também das letras e, sobretudo, do sumiço de uma delas. O resultado é uma mirabolante história de investigação policial, entremeada aos jogos de linguagem que desdobram-se sobre a própria língua, mutilada, porém.

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Arqueologia da política

18 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Arthur Briscoe, “O orador”, 1926

Arqueologia da política, de Paulo Butti de Lima, acaba de ser lançado no Brasil pela editora Perspectiva. O livro é uma leitura profundamente interessante da República platônica. Foi originalmente escrito em italiano, sob o título Archeologia della politica: letture della “Repubblica” di Platone, em 2012, pois Butti é professor da Univerisdade de Bari e responsável científico da Scuola Superiore di Studi Storici da Univerisdade de San Marino.

Butti indica, no início de sua introdução, que o argumento deste estudo “é a ‘natureza’ da política”, conforme compreendida por Platão. Sua reflexão desenvolve-se sobre a análise do poder e do conhecimento que a ele se dedica.

O discurso político é, neste argumento, central e, junto com sua teoria, “devem ser considerados segundo um processo que é, ao mesmo tempo, formal e temporal”: é nesse sentido que o autor pode falar de uma “arqueologia” da política, enquanto viés investigativo tanto das formas revestidas pelo discurso político, quanto do reconhecimento do momento inicial deste discurso como fundador de toda a tradição política vindoura.

Butti mostra o problema que surge quando Platão recorre ao vocabulário da cidade [pólis], pois, diz o professor, entre ela e o cidadão [polítes], “o termo politikós não se explica facilmente, quer atribuindo-o a formas de conhecimento (arte ou ciência política), quer a alguns cidadãos (homem ‘político’)”.   Continue lendo

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Natureza inquietante

14 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

retrato de Ivan Búnin, por Leonard Turzhansky

A editora 34 acaba de lançar O amor de Mítia, do russo Ivan Búnin (1870-1953), sob a primorosa tradução de Boris Schnaiderman, que beira os cem anos de idade.

Búnin, em 1933, foi o primeiro escritor russo a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra, por uma lado, é grande herdeira da prosa realista russa do século XIX, sobretudo a de Tolstói. Porém, sua sua ficção conhece de perto as fraturas abertas pela modernidade.

Segundo Boris Schnaiderman, este é um dos textos mais vigorosos por ele já traduzidos.

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A biografia velada de Cabrera Infante

25 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
1965

1965

Corpos Divinos, do cubano Guillermo Cabrera Infante, acaba de ganhar uma edição brasileira. Trata-se de suas memórias, romanceadas; ou, nas palavras do autor, de uma “biografia velada”. A singularidade do olhar autobiográfico reconstitui de maneira vívida os dois anos narrados, do início de 1957 aos primeiros meses de 1959, decisivos tanto na vida de Cabrera Infante, como na história de seu país. O livro, inacabado, foi objeto de trabalho do autor por toda a sua vida.

Entre o período narrado, a vida do autor passa por diversas reviravoltas, ao mesmo tempo em que Cuba experimenta sua mais profunda revolução. Com uma elegância na escrita que o tornou admirado mundo afora, Cabrera Infante passeia por entre a história e a autonarrativa, ao mesmo tempo em que por entre a dicção refinada e o registro popular, através de saborosos jogos de palavras, de referências literárias, musicais e cinematográficas, de um singular humor irônico e, sobretudo, de um onipresente erotismo.

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A menina-flor

17 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Durante o dia mantinham-na o tempo todo a céu aberto, expondo-a o quanto possível diretamente ao sol. O lado vegetal de sua pessoa afastava qualquer perigo de insolação”.

Odilon Redon

Odilon Redon

Bertha, a menina-flor é uma das partes suprimidas do romance Locus Solus, do vanguardista Raymond Roussel (1877 – 1933).

A cuidadosa publicação, feliz ganho para o leitor brasileiro, veio a lume através do selo Armazém – comandado por Juliana Crispe e Marina Moros –, da editora Cultura e Barbárie. A ótima editora, sediada em Santa Catarina, publicou, em edições caprichosas, alguns livros de Roussel, entre eles o supracitado Locus Solus, Como escrevi alguns dos meus livros [edição bilíngue] e Piparote.

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A viagem como vocação

15 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de W.B. Seabrook, analisada por Michel Leiris em Documents, n. 8, 1930, p.461

fotografia de W.B. Seabrook, analisada por Michel Leiris em Documents, n. 8, 1930, p.461

Fernanda Arêas Peixoto, em A viagem como vocação – Itinerários, Parcerias e Formas de Conhecimento, propõe um tema que aproxima diferentes autores – Leiris, Gilberto Freyre, Roger Bastide, Oliveira Lima e Pierre Verger: as viagens, realizadas entre as décadas de 1930 e 1960 pelo Brasil, pela América Hispânica e pela África.

A análise é guiada pela revisão dos textos dos autores à luz das viagens que realizaram em contextos muito precisos. Mais do que teorizar sobre as viagens, o livro mostra o grande interesse despertado pelas produções que as viagens geram, entre correspondências, diários, fotografias etc, que são valiosos instrumentos para a recuperação de processos de confecção de conhecimento. Fernanda Peixoto mostra um verdadeiro “ateliê” do criador, que passa a ser entrevisto através das análises, um espaço de experimentações, que tende a ser excluído quando da apresentação pública das obras.

Para a autora, a viagem é forma de acesso à produção das ideias e do conhecimento, ela própria aparece como uma forma de estar – e ser – no mundo, definindo um espaço próprio, provisório, como o são os percursos e as ideias.

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A chamada política da identidade

4 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
Renina Katz, litografia [Sem título], 1977

Renina Katz, litografia [Sem título], 1977

O economista e escritor indiano Amartya Sem, professor da Universidade de Harvard, Prêmio Nobel de Economia em 1998, neste abrangente e agudo Identidade e violência, sustenta que a “violência assassina” que envolve o mundo é decorrência, por um lado, de infelizes confusões conceituais e, por outro, de ódios ancestrais. Lembrando que a identidade reconforta tanto quanto mata, o autor revê temas incontornáveis como a falsa oposição entre o Ocidente e o “Antiocidente”, o confinamento civilizacional e a liberdade de pensar e manifestar-se sem o temor de represálias, físicas e morais.

Na exacerbação das fronteiras, que gera a sempre crescente violência, está imiscuída a questão da degradação da identidade. Trata-se de uma ilusão identitária.

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história

Entre o certo e o certo

1 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“O fanatismo é mais antigo que as religiões, os estados, os sistemas políticos e os governos” – Amós Oz

Odilon Redon

Odilon Redon

Como curar um fanático – Israel e Palestina: entre o certo e o certo, reúne ensaios nos quais o escritor Amós Oz questiona e perspectiva as raízes e as consequências do fanatismo. Para ele, os violentos conflitos que multiplicam-se atualmente não são resultado de uma luta entre civilizações, ou luta social; nossa época, diz, padece de uma síndrome, uma luta entre fanáticos, incluindo todos os tipos de fanatismo, e o “resto de nós”: “Entre os que creem que os seus fins justificam os meios, todos os meios, e o resto de nós que julga que a vida é um fim em si mesmo”.

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história

Filosofia e história e vice-versa

21 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

mapa da Inglaterra do século XVII

A História da Inglaterra, de David Hume, foi escrita em seis volumes, publicados originalmente entre 1754 e 1762. Considerando o estudo da história como momento privilegiado para iluminar a busca dos povos por sua liberdade e, por outro lado, acreditando não haver então na Inglaterra historiadores aptos a redigir a história daquela nação, pôs-se, o filósofo, a fazê-lo ele mesmo, com o intuito de se tornar o “primeiro grande historiador a escrever em língua inglesa”. Ele, naquele período, não contava com a notoriedade filosófica que consolidaria depois; foi justamente essa obra o grande êxito editorial que assegurou a fama e a segurança financeira.

Deste trabalho monumental, o filósofo Pedro Paulo Pimenta selecionou, organizou e traduziu textos capitais, capazes de oferecerem uma visão panorâmica sobre o desenvolvimento político e social da Inglaterra, além de fornecer valiosos elementos para a compreensão de seu pensamento moral e político. Este material selecionado permite, além do acompanhamento do processo de formação histórica da Inglaterra, a compreensão de como o contexto específico moldou os princípios naturais daquele povo, gerando costumes, manifestações científicas e artísticas e uma economia específicas.

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Pelo diálogo racional

14 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“A filosofia militante que tenho em mente é uma filosofia em luta contra os ataques, de qualquer lado que venham – tanto daquele dos tradicionalistas como daquele dos inovadores –, à liberdade da razão esclarecedora”.

'A morte de Marat", pintura de Jacques-Louis David, 1793

‘A morte de Marat”, pintura de Jacques-Louis David, 1793

Para o intelectual italiano Norberto Bobbio (1909-2004), não há política sem cultura. Publicado originalmente em 1955, chega agora ao Brasil uma boa edição do livro Política e cultura, lançado pela editora Unesp, com tradução de Jaime A. Clasen e introdução e organização de Franco Sbarberi. Coletânea de quinze ensaios, faz questionamentos profundos e atuais, como: “Qual o papel do intelectual quando as posições extremadas parecem turvar todo o debate?”; ou: “Qual a relação entre cultura e política em uma sociedade democrática?”.

O livro foi escrito durante a Guerra Fria e é marcado pela aflição política daquele momento na Itália. É considerado um dos principais livros de Bobbio, testemunho de suas reflexões sobre um  novo liberalismo ideal, que seria sensível aos temas da justiça social, porém convicto também sobre a necessária exigência de limitação constitucional e controle permanente dos poderes do Estado por parte dos cidadãos.  Continue lendo

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Arquitetura

A colonização da terra e da moradia

17 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
pintura de Egon Schiele

pintura de Egon Schiele

O recém lançado Guerra dos lugares – A colonização da terra e da moradia na era das finanças, da urbanista Raquel Rolnik, foi definido pelo geógrafo David Harvey como “uma obra fantástica, uma denúncia devastadora”.

Trata-se da reunião de reflexões que Rolnik desenvolveu ao longo e imediatamente após o término de seu mandato como relatora para o Direito à Moradia Adequada, da ONU. O livro traça análises profundas sobre o processo global de financeirização das cidades e seu impacto sobre os direitos à terra e à moradia dos mais pobres – e, portanto, mais vulneráveis.

A urbanista investiga o processo que levou às recentes transformações nas políticas habitacionais e fundiárias em vários países do mundo, pontuando, como marco, a expansão de uma economia neoliberal globalizada, controlada pelo sistema financeiro, causa que teria levado, segundo sua análise, a um processo global de insegurança da posse. A mesma questão, no livro, também é analisada especificamente no caso brasileiro – fazendo a leitura da evolução recente das políticas habitacionais e urbanas no Brasil, inclusive as ocorridas na era Lula, à luz desses processos globais.

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O paraíso perdido

3 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Gravura de Gustave Doré para “O paraíso perdido”

A desobediência do homem e, como consequência a ela, a perda do Paraíso que habitava. O primeiro motivo de sua desgraça foi a aparição da Serpente, ou melhor dizendo, de Satã, nela personificado; o qual, rebelando-se contra Deus e atraindo a seu partido numerosas legiões de anjos, foi, por ação divina, banido do céu e precipitado, com sua horda, ao profundo abismo.

Eis em linhas gerais o mote do grandioso poema O paraíso perdido, um dos maiores épicos da literatura ocidental, obra do inglês John Milton (1608-1674). O poema acaba de ter uma cuidadosa edição lançada no Brasil pela editora 34. Bilíngue, a edição traz a elogiada tradução do premiado poeta português Daniel Jonas, que segue de perto a versificação e a musicalidade do original. O volume conta ainda com a apresentação, apaixonada, do crítico Harold Bloom. Completam ainda esta joia editorial a fantástica série de cinquenta ilustrações de Gustave Doré, publicadas em 1866.  Continue lendo

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As areias do imperador

26 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Ngungunhane (1884-1895)

Ngungunhane (1884-1895)

A história de Moçambique, sobretudo sua história mais recente, é marcada por um quadro social complexo e uma grande instabilidade política. O moçambicano Mia Couto resolveu contá-la através da impressionante trilogia As Areias do Imperador. No Brasil, a Companhia das Letras acaba de publicar o primeiro volume, Mulheres de cinzas, notável por unir, à já conhecida prosa lírica do autor, a força do romance histórico.

O romance se passa na época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane – conhecido pelos portugueses como Gungunhane –, herói nacional símbolo da resistência contra a colonização européia, último dos líderes do Estado de Gaza, o segundo maior império no continente comandado por um africano.

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