Arquivos da categoria: Literatura

Literatura

Garotas de Tóquio, de Frédéric Boilet

19 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

AVISO DO AUTOR: Este post se refere a um livro cuja leitura é recomendável apenas para pessoas maiores de 18 anos.

A linha que separa a literatura erótica de boa qualidade da literatura erótica de má qualidade é muito tênue. O mesmo vale para os quadrinhos adultos.

Existem autores que utilizam o erotismo de maneira gratuita e exagerada. As cenas se sucedem sem terem uma justificativa plausível, sem terem necessidade de existir. São histórias feitas como se fossem filmes pornôs, onde o que importa é o sexo pelo sexo, e nada mais.

Mas existem artistas que conseguem ser explícitos e, ao mesmo tempo, delicados. É o caso do francês Frédéric Boilet em seu “Garotas de Tóquio“.

O álbum é composto por sete histórias curtas, nas quais Boilet é o narrador-personagem. Cada uma delas conta o encontro entre o narrador e uma personagem feminina diferente. Essas “garotas de Tóquio” são as musas de Boilet, mulheres convidadas ou que se ofereceram para serem suas modelos.

Poderia-se dizer que a simplicidade é uma das características mais marcantes das histórias. Assim como o traço de seus desenhos é uma espécie de rascunho aprimorado, os diálogos são curtos, bem como as intervenções do narrador.

A cumplicidade entre o narrador e suas musas é outro ponto a ser destacado. Há, em cada uma das sete histórias, uma intensidade de sentimentos muito grande. É como se o protagonista se apaixonasse perdidamente por cada uma das garotas com as quais se relaciona.

Tudo isso contribui para que as cenas de relações sexuais não assustem nem mesmo aos leitores mais puritanos. Essas três características – simplicidade, cumplicidade e intensidade – transformam as histórias eróticas em pequenos contos de amor.

As duas melhores narrativas da coletânea são, de longe, “Uma História quase sem palavras” – a mais explícita de todas e que, como diz o título, quase não tem palavras -, e a divertida “Um belo mangá erótico”. A mais singela e emocionante é “Neri 2004”.

É uma pena que um trabalho de qualidade tão alta seja pouco conhecido e divulgado no Brasil, enquanto que outros quadrinistas, com seus fracos roteiros e desenhos de gosto no mínimo duvidoso são considerados geniais. Inversões de valor que ocorrem em todas as artes, e que são difíceis de entender.

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Literatura

Escrever é estar sempre recomeçando

17 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Há quase dois anos enviei um email para diversos escritores com o seguinte pedido: “Você gostaria de falar sobre como escreve seus romances e contos? Como surgem as ideias, se tem algum ‘ritual’ ou ‘mania’ antes de começar a escrever, se dedica horários específicos para a escrita, essas coisas. Ou então listar 5 a 10 ‘mandamentos’ que todo escritor deve seguir?”

Esses depoimentos seriam publicados em uma série de matérias sobre o ato de escrever, mas as coisas não saíram conforme planejado, infelizmente.

Fiquei com alguns desses depoimentos na minha caixa de emails e recentemente, procurando por outra coisa, os encontrei, e resolvi publicá-los.

O primeiro a vir à luz é do romancista e contista André de Leones, autor de, entre outros, “Como desaparecer completamente“, “Dentes negros” e “Hoje está um dia morto“. No próximo sábado tem mais.

Com a palavra, André de Leones.

Eu escrevo à mão. A primeira versão de cada romance ou conto, pelo menos. Já tentei algumas vezes, mas nunca consegui começar uma narrativa diretamente no computador. Já aconteceu de eu começar alguma coisa e, ao perceber que estava ficando legal, imprimir, transcrever em um caderno, recomeçar e desenvolver à mão.

Gosto de uma série de cadernos da Tilibra chamada “Opus”. Custam em torno de dez reais. Assim, à medida em que arranco páginas e começo de novo e de novo e de novo, não preciso me lamentar por “desperdiçar” tantos cadernos.

Procuro escrever todos os dias, esteja em casa ou viajando (quartos de hotéis são sempre convidativos, posto que se encontram em outra dimensão). Há dias bons, em que a escrita flui bem, e dias ruins, em que ela flui mal ou simplesmente não flui. Em um dia bom, escrevo cinco ou seis páginas que, depois, ao serem revisadas e digitadas, viram duas, uma, meia página…

Como não tenho um emprego “normal”, que exija a minha presença em um escritório ou coisa parecida, costumo escrever durante todo o dia e parte da noite, com muitas interrupções. Paro para cozinhar e comer, ir ao mercado, namorar, assistir a um pouco de TV (adoro seriados, jogos de tênis e de futebol e telejornais), olhar para o tempo, responder e-mails, twittar, blogar e, claro, ler livros. Preciso sair para me encontrar com amigos, comer fora, comprar livros e passear pelo menos duas vezes por semana.

As ideias pipocam de todos os lugares, de uma conversa com alguém, de alguma história que ouço, de uma frase solta, de uma música, de uma cidade etc. A história que vou contar cresce a partir ou em torno dessa ideia primeira.

Antes de efetivamente começar a escrever um livro, penso muito sobre ele, sobre o que quero escrever. Procuro estabelecer uma relação de livros que se aproximem do que quero escrever, temática e/ou estilisticamente. Leio ou releio esses livros. Também procuro ver ou rever filmes que tenham a ver com o projeto. Música é sempre importante. Gosto de escrever ouvindo música. Radiohead, Brahms, Wagner, Philip Glass. Também procuro esboçar uma estrutura antes de começar. Será narrado em terceira pessoa? Em primeira? Em várias primeiras pessoas? O tom será contido ou desbragado? Será dividido de que forma? Depois, quando efetivamente começo a escrever, essa estrutura esboçada antes pode ou não ser respeitada.

De resto, escrever é reescrever, revisar, repensar, tentar de outras maneiras, desistir, retomar, jogar tudo fora, correr até a lixeira e pegar de volta, recomeçar. Escrever é estar sempre recomeçando.

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Literatura

Leitor à primeira vista

15 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Tanto dentro de uma livraria física quanto navegando em uma loja virtual, um livro nos chama a atenção primeiramente por sua capa. Não é uma regra, mas geralmente é o que acontece. (Que me digam vocês, leitores.)

A capa de um livro é, provavelmente, na maioria dos casos, o primeiro contato que o leitor tem com a obra. E ele tanto pode se apaixonar à primeira vista quanto pode ficar com uma má impressão do livro. E a primeira impressão, já diz o ditado, é a que fica, embora nem sempre seja a verdadeira.

Não é à toa que as editoras brasileiras vêm, nos últimos anos, dando uma maior atenção à questão gráfica, ao “objeto livro”. Ainda mais se considerarmos as rápidas transformações no mercado editorial, com os livros eletrônicos ganhando mais espaço e o livro impresso sendo alçado à posição de “fetiche”.

Particularmente, sou uma espécie de aficcionado por capas de livros. Perdi a conta de quantas vezes fiquei tentado a comprar alguns títulos apenas por causa de suas belas capas. E de fato comprei (mas só quando o conteúdo da obra era também interessante).

Ultimamente, essa preocupação das editoras tem aumentado ainda mais. Considerando somente os últimos cinco anos, houve uma série de reedições de obras importantes com novos projetos gráficos. A editora Record, por exemplo, vem reeditando os livros de Fernando Sabino e José Lins do Rego – para enumerar apenas dois autores -, com novas capas e projetos gráficos. O mesmo vem fazendo a Companhia das Letras com as obras de Vinicius de Moraes e Otto Lara Resende. É preciso também mencionar o belíssimo trabalho que a Objetiva/Alfaguara vem fazendo com os livros de João Cabral de Melo Neto. Todos os livros do poeta pernambucano publicados até o momento têm lindas capas.

Quando se fala em livros bonitos não se pode deixar de citar a editora Cosac Naify, que tem em seu catálogo edições belíssimas de clássicos como “Moby Dick” (Herman Melville), “Os miseráveis” (Victor Hugo) e, mais recentemente, “Guerra e paz” (Liev Tolstói).

Esse maior zelo vem ocorrendo até mesmo com os livros de bolso. Afinal, tamanho não é documento, até mesmo no caso da beleza dos livros. Há edições de bolso com capas muito bonitas, haja vista os títulos editados pela L&PM e os publicados pelo selo Companhia de Bolso – neste caso, principalmente os livros da coleção Jornalismo Literário.

É bem verdade que beleza não é tudo. O que importa, claro, é o conteúdo. Até porque, da mesma forma que existem livros belíssimos de baixíssima qualidade literária, há também obras incríveis com capas ou projetos gráficos terríveis.

Mas, parafraseando Vinicius de Moraes, os livros feios que me perdoem: beleza é fundamental. Então, entre uma edição mais simples de um clássico – um Dostoiévski, por exemplo – e uma edição mais encorpada e mais bonita do mesmo livro, fico com esta última, ainda que ela seja mais dispendiosa.

P.S.: Não citei os responsáveis pelas capas e projetos mencionados no post, mas é preciso registrar alguns dos nomes mais importantes dessa área. Ei-los: Mariana Newlands, Victor Burton e o estúdio Retina78.

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Literatura

O tempo dos livros

12 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

O romance “O processo“, de Franz Kafka (1883-1924), é uma das maiores obras de ficção de todos os tempos, um clássico da literatura universal. É assim que geralmente somos apresentados a este livro.

Comigo não foi diferente. A apresentação aconteceu quase dez anos atrás, quando era estudante de Letras. Quem me apresentou a Kafka – não apenas a mim, mas a toda a minha turma – foi nosso então professor Mayrant Gallo – que, além de um grande leitor, é também um excelente escritor.

Eu costumava anotar quase todos os livros e autores citados por Mayrant em suas aulas. Dessas recomendações saíram algumas das melhores leituras que fiz até o momento, incluindo aí “O estrangeiro”, de Albert Camus, “Ratos e homens”, de John Steinbeck e “O processo”, de Kafka.

Resumindo de forma bem grosseira, “O processo” conta a história de um homem, Josef K., que é acusado de um crime do qual não é informado, e por isso é processado. A memória me impede de ir mais além na sinopse – uma releitura se faz necessária e será feita em breve -, mas o que vem depois é simplesmente incrível. Kafka consegue mergulhar o leitor em um clima frio, duro, às vezes até sombrio.

Para ler “O processo” de cabo a rabo, tive de começar a lê-lo três vezes. Na primeira, fiquei pelas primeiras páginas. Na segunda, fui até a metade do livro. Foi somente na terceira tentativa que consegui ler a obra por inteiro.

Culpa do livro? De forma alguma.

Na primeira tentativa, eu tinha 19 anos. Estava começando a me tornar um bom leitor, digamos assim. Meses antes de ter em mãos “O processo” eu havia lido tudo o que me caíra na mão de Fernando Sabino e Carlos Heitor Cony, entre outras coisas. Leitor eu já era desde garoto, mas de gibis e revistas informativas. Livros não eram o meu forte, apesar de sempre ter gostado de ler. Talvez por isso não tenha conseguido me deixar levar por Kafka e sua história inusitada.

Da segunda tentativa não me recordo com tantos detalhes, mas lembro claramente de ter considerado uma vitória chegar à metade do livro. Isso deve ter acontecido em 2004.

A leitura completa só veio acontecer em 2005. E o impacto causado por ela durou dias. A partir daí, quis ler tudo o que pudesse de Kafka, e foi assim que li “A metamorfose“, “Um artista da fome” e diversos contos do autor.

Mas onde quero chegar com essa história, você pergunta. No título deste post, respondo. Para mim, e também para muita gente, cada livro tem seu “tempo certo”. Em 2002, quando tentei ler “O processo” pela primeira vez, eu não tinha as condições literárias, digamos assim, para lê-lo. Além da minha pouca bagagem cultural, havia o agravante de estar concentrado em autores brasileiros cujos livros se apegam ao cotidiano – principalmente os já citados Sabino e Cony -, justamente do que Kafka foge: do “normal”.

É por isso que, quando não consigo avançar na leitura de alguma obra, não me sinto culpado. Sei que talvez não seja o momento de lê-la, e não tenho o menor pudor de deixá-la para depois. Com o tempo aprendi que, muitas vezes, tentar forçar uma leitura, terminar um livro apenas por terminar, prejudica, e muito, o entendimento que se tem da obra. E também sua relação com ela.

Talvez se eu tivesse seguido adiante com “O processo”, em 2002, sua leitura não fosse tão marcante. Por isso, caro leitor, se você estiver às voltas com uma leitura por demais arrastada, não pense duas vezes: parta para outra.

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Literatura

A paixão pelos livros

9 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Embora nos últimos anos o leitor apaixonado esteja envolvido – ou, talvez melhor dizendo, se envolvendo – com as mais diversas questões relacionadas ao livro, tais como “o livro eletrônico acabará com o físico?”; “as livrarias vão sobreviver à expansão do comércio virtual?”; “como vou conseguir um autógrafo de Philip Roth no Kindle?”; ou “o Kindle aguenta uma chuvinha?”, o objeto principal de sua preocupação e atenção é sempre o mesmo: os livros, claro.

E, para o leitor apaixonado, existem algumas coisas que são quase sagradas, como cheirar um livro novo – se bem que há quem prefira o cheiro de livros velhos, tem fetiche para tudo -, uma capa bem feita – há quem colecione livros pela capa, não duvidem! – e, claro, belos textos exaltando o valor do livro – melhor ainda se for impresso.

Quando um desses leitores encontra uma obra que reúna essas três características, ele se sente, parafraseando o argentino Jorge Luis Borges, no paraíso.

É mais ou menos a sensação que se tem ao ler “A paixão pelos livros” (Casa da Palavra, 2004), obra organizada por Julio Silveira e Martha Ribas, uma coletânea de textos e frases de diversos autores sobre, já ficou óbvio, livros.

Entre as frases, há desde pérolas de impacto, como a do escritor alemão Heinrich Heine, “Onde se queimam livros cedo ou tarde se queimam homens” (vale aqui citar, como indicação sobre o assunto, “História universal da destruição dos livros”, de Fernando Báez), até as espirituosas, como a de Erasmo de Roterdã que diz “Quando tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda me sobrar algum, compro roupas e comida” (abro um outro parêntese para confessar que esta última reflete minha realidade).

Mas é entre os textos selecionados que está o melhor de “A paixão pelos livros”. “Bibliomania”, conto de Gustave Flaubert, por exemplo, mostra como o amor desmedido – na verdade, talvez não seja “amor” a palavra, e sim “obsessão” – pelos livros – nesse caso, por uma determinada obra – pode levar um homem à loucura.

Já os escritos por José Mindlin e Carlos Drummond de Andrade – respectivamente “Loucura mansa” e “O sebo” – são mais leves e mais românticos. Mindlin diz, a título de gracejo, que o livro é o “Companheiro ideal (…), pois está sempre à disposição, não cria problemas, não se ofende quando é esquecido, e se deixa retomar sem histórias, a qualquer hora do dia ou da noite que o leitor deseja”.

Em seu texto, Drummond também se vale do bom humor, e diz “Lá em casa não cabe mais nem um aviso de conta de luz, tanto mais que as listas telefônicas estão ocupando o lugar dos dicionários, mas o frequentador de sebo leva assim mesmo o volume, que não irá folhear. A mulher espera-o zangada: ‘Trouxe mais uma porcaria para casa!’ Porcaria? Tem um verso que nos comoveu, quando a gente se comovia fácil, tem uma vinheta, um traço particular, um agrado só para nós, e basta”.

Figuram, ainda, entre as páginas de “A paixão pelos livros” textos de Michel de Montaigne, Plínio Doyle, Camilo Castelo Branco, Rodrigo Lacerda e outros. A grande surpresa, contudo, vem com o conto de um autor pouco conhecido no Brasil: o norte-americano descendente de armenos William Saroyan.

Trata-se de “Dia frio”, uma pequena ode aos livros, e uma pequena obra-prima de ficção. Para resumir em poucas palavras: escrito em forma de carta, a história é o relato de um escritor que tenta escrever um conto mas faz tanto frio que ele não consegue. “Gostaria de saber o que o Partido Democrata já fez pelos escritores congelantes. Todos os outros recebem calor. Nós temos que depender do sol e, no inverno, não se pode depender do sol. Esse é o x do meu problema: querer escrever um conto e não podê-lo, por causa do frio”.

Ele pensa, então, em fazer uma fogueira com alguns de seus livros, para esquentar-se, mas quando começa a pensar em quais obras queimar, encontra razões até mesmo para preservar livros de “prosa barata”.

Quem tem um sentimento especial e, vá lá, romântico pelo objeto físico do livro, vai se sentir muito bem representado e se reconhecer em muitas passagens de “A paixão pelos livros”. Para aqueles que não conseguem entender essa predileção, essa paixão, que muito em breve pode se tornar um mero fetiche, os textos reunidos em “A paixão pelos livros” explica muita coisa. Faria bem ler para, quem sabe, entender essa cada vez mais rara espécie de leitor. E, quem sabe, sendo bastante otimista, ser contaminado por essa “loucura mansa”.

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Literatura

Wilson, de Daniel Clowes

5 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Uma das características mais interessantes de “Wilson“, graphic novel do norte-americano Daniel Clowes recentemente publicada no Brasil pela editora Companhia das Letras com tradução de Érico Assis, é que uma página não é necessariamente a continuação direta da anterior. Em outras palavras: é como se cada página fosse uma história isolada, mas que, unindo umas às outras, formassem um todo.

De fato, como disse o autor em recente entrevista a Raquel Cozer, repórter da Folha de São Paulo, as páginas de “Wilson” foram mesmo rascunhadas isoladamente, como se fossem tirinhas. Enquanto ia criando os desenhos e as falas, Clowes percebeu que tinha em mãos não apenas um personagem interessante, mas uma história com começo, meio e fim.

Wilson, o protagonista, é um quarentão solitário – ele vive apenas com Pepper, sua cachorrinha – que em diversas páginas interage de uma maneira muito peculiar com estranhos: educado no início e ácido no final. Haja vista a abertura da história, que vocês podem conferir abaixo (em inglês porque não consegui uma imagem da edição brasileira, mas a tradução vai a seguir; as falas da mulher estão em itálico):

(Clique na imagem para ampliar)

“Eu amo as pessoas.” // “Sou muito sociável” // “Cada um de nós tem uma história a contar e todos fazemos parte da grande família que é a humanidade. Que tragédia termos perdido a noção de comunhão com o próximo!” // “Olá, irmã, como vai?” // “Nem me fale! Meu computador acabou de travar e perdi todos os meus favoritos!” // “Passei a manhã com o suporte técnico me enrolando e quando finalmente consegui falar com um cara, ele não tinha nem ideia de qual era o problema.” // “Querem que eu faça download de um programa ou sei-lá-o-quê, mas toda vez que eu tento a porcaria do computador trava de novo…” // “Meu Deus, por que você não cala essa boca?”.

Ainda no início da narrativa, Wilson faz reflexões que parecem intuir o que está para acontecer. Ele lembra da morte da mãe; de quando era criança e seus pais se sentavam à beira de um lago (“eu não entendia bem o que eles tanto olhavam, mas acho que servia de combustível para o espírito, sei lá”); e da sua ex-esposa, que o abandonara dezesseis anos antes.

Sua rotina de sair para caminhar sozinho ou com Pepper, ir a cafés e ler jornal ou livros é modificada quando seu pai, com quem não tem uma boa relação, morre. É a partir desse fato que ele resolve partir em busca de sua ex-esposa, Pippi, e descobre que pode ter uma filha que não conhece.

Mas, ao contrário do que pode parecer, Wilson não muda com o tempo – talvez amadureça, mas não muda. Sua língua continua afiada, criticando a tudo e a todos – até sobre o “fim das livrarias” ele fala -, mesmo depois de se passarem anos, e de muita coisa acontecer, inclusive ele se tornar avô.

E talvez seja esta a maior característica de “Wilson”: fazer com que, mesmo sendo tão diferentes do personagem, os leitores se identifiquem com ele. É como se Wilson representasse nossas indignações e, quem sabe, nossos secretos desejos de sinceridade. Afinal, quem nunca se imaginou dizendo tudo o que tem vontade de dizer, não importando quem seja o interlocutor?

“Wilson” é mais uma prova de que as histórias em quadrinhos devem ser mais valorizadas e respeitadas como literatura. Ao terminarmos sua leitura, é quase inevitável fazer uma releitura. E, depois dela, é muito provável que o leitor sinta-se seduzido a ler novamente a história. Além de ter alta qualidade gráfica e textual, e de ser engraçado e melancólico, “Wilson” é, também, viciante.

(Rafael Rodrigues)

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lançamentos

Catálogo argentino da Editora Cosac Naify

23 fevereiro, 2011 | Por admin

Se não me equivoco – me falta a paciência jornalística para confirmar com exatidão os números -, Museu do Romance da Eterna, do argentino Macedonio Fernández (1874-1952), é a 10ª tradução publicada pela editora Cosac Naify de escritores argentinos.

Já publicaram 4 obras de Adolfo Bioy Casares (1914–1999), reconhecido como um dos grandes escritores argentinos da geração de Borges e Cortázar, esses publicados pela Companhia das Letras e Civilização Brasileira, respectivamente;

Alan Pauls (1959) foi traduzido duas vezes com O Passado e História do Pranto;

Domingo Faustino Sarmiento (1811–1888), “el primer escritor moderno de nuestra literatura”, segundo David Viñas, teve publicada sua obra-prima Facundo, ou civilização e barbárie em meados de 2010;

De Beatriz Sarlo (1942), a única mulher do levantamento, traduziram seu ensaio Modernidade periférica, que explora a modernização de Buenos Aires nas décadas de 1920 e 1930 e seus impactos culturais;

Aníbal Cristobo, nascido em 1971, publicou o volume de poemas Miniaturas kinéticas: reunião de três livros, Teste da iguana (1997), Jet-lag (que saiu pela coleção Moby Dick, em 2002) e Krill (que primeiro saiu na Argentina, pela Tse-Tsé, em 2002), que foram escritos tanto em português quanto em espanhol.

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Literatura

Roberto Bolaño na The Paris Review

21 fevereiro, 2011 | Por admin

Além do prêmio nobel recebido por Vargas Llosa ano passado e a participação da Argetina como país homenageado na Buchmesse, mais uma demonstração de que a literatura latino-americana não demonstra sinais de fraqueza: a edição de primavera da revista literária norte-americana The Paris Review publicará, pela primeira vez em 40 anos de história da revista, um romance em forma serializada. Para isso escolheu o autor chileno de recém fama mundial Roberto Bolaño. O romance em questão é O terceiro Reich, que será publicado com ilustrações originais do artista canadense Leanne Shapton.

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Literatura

O convidado surpresa, Grégoire Bouillier

24 agosto, 2009 | Por admin

Pra quem acompanhou a Flip 2009 a lambrança de Grégoire Bouillier vem logo à tona: era o cara que foi casado com Sophie Calle e seu deu mal depois que rompeu o relacionamento. Foi convidado para participar da festa literária e teve que dividir uma mesa com a própria Sophie, tête-à-tête durante mais de uma hora.

A editora Cosac Naify aproveitou essa passagem de Bouillier pelo Brasil e resolveu lançar uma tradução de seu livro que narra os acontecimentos de uma única noite, antes da malfadado separação: a do encontro entre Bouillier e a artista plástica francesa Sophie Calle. Diz o release do site da editora: “Ele é convidado para o aniversário de uma pessoa que costuma celebrar a data chamando para a festa o número de pessoas correspondentes à sua idade e mais um. Bouillier é o convidado surpresa da vez; a aniversariante é Calle.”

A publicação original é de 2004 e saiu no França como L’invité mystère. A edição brasileira publicado em julho de 2009 foi traduzida como O convidado surpresa.

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Literatura

German Book Prize e Jabuti 2009

20 agosto, 2009 | Por admin

Hoje foram divulgadas, quase que ao mesmo tempo, as listas de candidatos – concorrentes, competidores ou então aspirantes a colher os louros literários – de dois importantes prêmios; um é brasileiro, o Jabuti, que perdeu apelo financeiro depois da criação do Prêmio São Paulo de Literatura, e o German Book Prize, alemão.

Apesar de figuras importantes como a crítica literária alemã Maike Albath – esteve em São Paulo ano passado, quando falou sobre a Geração Berlim e a literatura alemã contemporânea – insistem que a cultura literária tornou-se bestsellerizada, os prêmios tomam força.

Dos 20 nomes finalistas no German Book Prize somente 2 autores já foram traduzidos para o Português: Herta Muller e Peter Stamm, sendo que o único de Stamm, Agnes, publicado em 2002 pela Berlendis & Vertecchia, está esgotado.

Do lado brasileiro, na categoria de melhor romance, domínio disparado da Cia. das Letras (disfarçada de Schwarcz Ltda. na lista oficial publicado no site do Jabuti). Nesta categoria, Milton Hatoum já ganhou em 1990, 2003 e 2006; Silviano Santiago ganhou em 1982 e 1993 ; Moacyr Scliar foi laureado em 1993 e 2000. O mais jovem da lista é Daniel Galera, concorrendo com Cordilheira, pela Cia. das Letras.

A torcida fantasiada de aposta do autor deste blog é para Vitor Ramil que está no páreo com o romance Satolep, publicado pela Cosac Naify. Ramil esteve na FLIP 2008, onde falou na mesa “A Estética do Frio”.

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Literatura

A voz de Virginia Woolf

20 agosto, 2009 | Por admin

“Presume-se que este seja o único registro da voz de Virginia Woolf. Foi gravado em 29 de Abril de 1937 para a transmissão de uma série chamada “Words Fail Me”, da rádio BBC. Woolf tinha 55 anos na época.

Esta leitura foi posteriormente publicada no conjunto póstumo de ensaios The Death of the Moth and Other Essays (sem tradução para o português). Você pode ler a transcrição da gravação no blog Star Stuff (e se alguém está a procura – ou se interessa – por algo mais bizarro, aqui está uma versão animada onde Woolf parece estar falando)

O que me chama a atenção quando deparo-me com gravações como essa é a impossibilidade de não clicá-las e ouvi-las. Há algo de curioso quando se ouve Virginia Woolf lendo seus próprios escritos: as palavras que ela escolhe para enfatizar, as que ela não escolhe; o ponto onde ela faz uma pausa entre sentenças; o modo como ela diz as palavras “multitudinous seas”. Entretanto – e digo isso como um tributo à sua magnificência como escritora -, no final, tudo isso parece irrelevante. Talvez para um biógrafo isso adicione uma nova dimensão para a visão parcial que se tem do caráter de uma pessoa. Mas ao ler a transcrição, lembro-me de como me senti quando, pela primeira vez, tive que ler The Death of the Moth nas aulas de inglês do colegial: mesmo sem amplificação, a escrita de Woolf fala por si só.”

Este texto foi uma tradução livre do artigo Virginia Woolf: Words Fail Me, publicado no blog sobre livros da The New Yorker.

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Literatura

Mário de Andrade por José Luís Jobim no IEB

5 agosto, 2009 | Por admin

A coleção pessoal de Mário de Andrade foi adquirida pela USP em 1968 da família do colecionador e destinada ao IEB. A coleção, como descrita no site do IEB, é “composta por livros, separatas, revistas e partituras que abordam temas variados tais como modernismo brasileiro, vanguardas européias, música, folclore e etnografia. Destacam-se na coleção as principais revistas modernistas editadas no início do século XX, livros de arte e livros de luxo ricamente ilustrados.”

A partir deste rico acervo os pesquisadores estudam o processo de criação de Mário de Andrade, estudo este que deu origem a esta conferência que faz parte de um projeto temático FAPESP/IEB/FFLCH-USP. Daí a origem da próxima conferência O Original e o próprio, o derivado e o impróprios: Mário de Andrade e as teorizações sobre trocas e transferências literárias e culturais.

O conferencista é o Prof. Dr. José Luís Jobim, diretor do Instituto de Letras e professor titular da UERJ desde 1994 e professor da UFF. Para mais detalhes acesse sua página na Plataforma Lattes: José Luís Jobim de Salles Fonseca.

Local e Data

10 de agosto de 2009, às 10h
Instituto de Estudos Brasileiros
Av. Prof. Mello Moraes, trav. 8, 140
Cidade Universitária, São Paulo, SP
Tel. 11.3091.3199 / 3091.1149
www.ieb.usp.br
difusieb@usp.br

Livros relacionados

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Literatura

Prêmio São Paulo de Literatura 2009

3 agosto, 2009 | Por admin

Foi entregue a pouco o Prêmio São Paulo de Literatura 2009, segunda edição do prêmio literário mais rentável do país. A premiação aconteceu no Museu da Casa Brasileira e elegeu:

Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito, publicado pela Objetiva, como o Melhor Livro do Ano (de 2008);

A parece no escuro, de Altair Martins, que saiu pela editora Record, como o Melhor Livro de Autor Estreante.

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Agenda

Seminário Mindlin 2009 – Livros, Leitura e Novas Tecnologias

16 junho, 2009 | Por admin

Ao contrário do que afirma a matéria publicada no Estadão de hoje, o evento Mindlin 2009 – Livros, Leitura e Novas Tecnologias, ocorrerá no MASP, Museu de Arte de São Paulo, devido à greve na Universidade de São Paulo.

O evento é imperdível tanto pela temática quanto pela gratuidade das inscrições, que serão feitas no local.

A programação completa e o caderno de títulos e resumos das comunicações podem ser consultados no site oficial da Brasiliana.

livros relacionados

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Literatura

À Luís de Camões

10 junho, 2009 | Por admin

O programa Tema e Variações com o Maestro Julio Medaglia, da rádio Cultura FM de São Paulo, tinha como tema o Dia de Portugal. Não sabia porque, mas ouvi atentamente à bela programação. Fiquei sabendo, depois após uma breve pesquisa, que hoje comemora-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, pois é o dia em que se assinala a morte de Luís Vaz de Camões em 1580.

Em busca de material sobre o poeta, deparei-me com uma edição de Os Lusíadas publicada em Paris no ano de 1865, pertencente à biblioteca da Universidade da California. Esta edição conta com um discurso preliminar (apologético e crítico), a vida de Luis de Camões – extraídos das edições publicadas em Lisboa por Thomas José de Aquino – e uma breve análise do poema de autoria de João Franco Barreto, “philologo notavel do XVII seculo”.

Ao final da “Breve Noticia da Vida de Luis de Camões”, temos uma referência às condições dos momentos finais da vida do poeta:

“No anno de 1569 chegou a Lisboa, que achou ardendo em hum horrivel contagio. Aqui em lugar do premio que merecia pelas suas gloriosas fadigas litterarias, e marciaes, entrou a experimentar novas e talvez mais
fortes adversidades, chegando a tanta miseria, que hum escravo seu chamado Antonio, pedia de noite de porta em porta para o sustentar.

Desta sorte acabou hum homem, cuja memoria, a pezar da inveja, será eterna entre os Eruditos. Morreo em Lisboa no anno de 1579, com 55 de idade; por haver nascido no de 1524. Deo-se-lhe sepultura ao lado esquerdo da entrada da porta da igreja do Convento de Santa Anna de Religiosas Franciscanas. Poucos annos depois, que foi no de 1595, Dom Gonçalo Coutinho lhe deo nova sepultura, no meio da Igreja, e lhe fez gravar na campa esta Inscripção:

AQVI IAZ LUÍS DE CAMÕES,
PRINCIPE
DOS POETAS DE SEV TEMPO:
VIVEO POBRE E MISERAVELMENTE,
E ASSI MORREO. ANNO DE M. D. LXXIX.”

(fonte: Os Lusiadas, poema epico de Luis de Camões, nova edição conforme à de 1817, de Dom José Maria de Souza Botelha, publicada em Paris Va J.-P. Alliaud, Guillard e ca, 1865.)

A morte do poeta é datada de 1579. Entretanto, em todas as outras referências à este acontecimento, o ano utilizado é o de 1580, e é marcada com precisão para o dia 10 de junho, hoje.

No livro Franklin Távora e o seu tempo, de Cláudio Aguiar (Ateliê Editorial, 1997), por exemplo, há uma referência às  “comemorações do tricentenário de nascimento de Luís de Camões”, em texto publicado na Revista Brasileira. A data é 10 de junho de 1880, e, ao abrir “as páginas especiais destinas à homenagem a Lúis de Camões, vinham as palavras de Sua Majestade, o Imperador D. Pedro II, afirmando que não hesitava em colocar seu nome

entre os dos meus patrícios, que, na grinalda de versos consagrada a Camões, o maior gênio da língua falada por dois povos irmãos, cantor das maravilhas da navegação, a que devemos o nosso Brasil, conseguiram simbolizar os mais generosos sentimentos, imitando a exuberância viçosa e bela de um só solo, cujas admiradas riquezas oferecemos cordialmente ao espírito industrioso de todas as outras nações. Estas palavras, escritas ao correr da pena, cingirão a formosa grinalda, ao menos, como laço de simpatia.”

(fonte: Imperador Dom Pedro II, Revista Brasileira, tomo IV, Primeiro Ano, Homenagem a Luiz de Camões, 10 de junho de 1880.)

As festividades realizadas no Gabinete Português de Leitura poderiam ser simbolizadas pelos trabalhos apresentados por três escritores brasileiros: Nabuco, Machado e Távora.

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