Arquivos da categoria: poesia

Literatura

A Literatura do Império Austro-Húngaro

12 fevereiro, 2009 | Por admin

O exuberante Império Austro-Húngaro foi instituido em 1867 e dissolvido em 1918. Cinquenta e um anos foram suficientes para impelir o desenvolvimento de uma literatura vigorosa. Um artigo no blog “Conversational Reading” deixa isto claro: “Uma grandiosa cidade (Vienna) envolta por um grandioso império (Austro-Húngaro) era digna de uma grandiosa literatura.”

A lista da Ficção Austro-Húngara que o artigo da “Conversational Reading” levanta é vasta: Kafka, Elias Canetti, Rilke, Arthur Schnitzler, Italo Svevo e etc. O blog vale a visita, ainda mais se o visitante possui um cartão de crédito internacional e puder encomendar algum dos autores citados através da Amazon. Além disso, as memórias de Stefan Zweig, escritor austríaco de ascendência judaica, sintetizam a fecunda atmosfera do império.

Aqui no Brasil, os dois nomes que me saltam à memória e que reverberam este antro literário são Paulo Rónai e Otto Maria Carpeaux.

Paulo Rónai nasceu em Budapeste e imigrou ao Brasil em 1941, ganhou imenso prestígio como tradutor – em Budapeste, foi professor de latim e língua italiana, dedicou-se aos estudos acadêmicos de francês, fez parte da equipe de tradução do colossal A comédia humana, de Balzac, além de ter criado a ABRATES (Associação Brasileira de Tradutores), da qual foi também primeiro secretário-geral. Enfim, um monstro.

Otto Maria Carpeaux, veio ao mundo em Viena e chegou ao Brasil em 1939. Para se ter uma idéia da grandiosidade de Carpeaux, basta relembrarmos um artigo que Carlos Heitor Cony escreveu na Folha de São Paulo: “Foi com pavor que me aproximei de Otto Maria Carpeaux, no início dos anos 60, quando entrei para o “Correio da Manhã” … onde ele era o principal editorialista do jornal. Já haviam sido publicados os primeiros volumes de sua monumental História da Literatura Ocidental, eu havia lido a Cinza do Purgatório, Origens e Fins e Livros na Mesa. Considerava o seu prefácio à edição brasileira de Os Irmãos Karamazov tão esclarecedor e importante quanto o próprio texto de Dostoiévski. Esse monstro ali estava, andando de mesa em mesa, fumando sem parar, esperando a reunião das 18h em que se discutiria a linha do editorial e dos tópicos que compunham a página de opinião, a famosa página 6 do velho Correio … ao final de cada palestra, havia debates, os estudantes faziam as perguntas, eu respondia com milhões de palavras e não era entendido. Carpeaux pensava um pouco, dizia cinco, seis, dez palavras -e estava tudo ali. Decididamente, um monstro.”

links

A literatura húngara contemporânea pode ser contemplada no seu site oficial, Literatura Húngara Online > http://www.hlo.hu/index.ivy

O artigo do blog Conversational Reading é este > http://is.gd/jmN9

A Cosac Naify publicou a tradução de Paulo Rónai para o livro Os meninos da rua Paulo, do húngaro Ferenc Molnár > Livraria 30PorCento

A Editora do Senado reeditou em 2008 a monumental História da Literatura Ocidental, em 4 volumes, de Otto Maria Carpeaux. Para comprar > Livraria do Senado

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poesia

Algernon Charles Swinburne (1837) – poeta inglês

12 fevereiro, 2009 | Por admin

Ontem vendi um livro cuja existência eu desconhecia. Com apenas 60 páginas, a pequena edição publicada pela editora Pontes traz o poema mais famoso do primeiro livro (1866) da trilogia Poems and Ballads, do inglês Algernon Charles Swinburne: Dolores.

Algernon Charles Swinburne nasceu a 5 de abril de 1837, em Londres. Estudou no Balliol College, em Oxford, mas abandonou a universidade antes mesmo de conseguir seu diploma, em 1860. Em 1864, a prima de Swinburne, Mary Julia Charlotte Gordon, anúnciou que iria se casar. O fato pode parecer irrelevante, mas os críticos atribuem esta notícia ap desapontamento de Swinburne refletido em alguns de seus poemas, como em Dolores.

Sua poesia provou-se única na esfera poética Inglesa. Entretanto, temas sadomasoquistas, lésbicos, fúnebres e anti-religiosos. causaram um inigualável escandalo por fazer escárnio de preceitos morais, religiosos e de padrões sociais Vitorianos.

Reconheço que é bem provável que eu nunca mais venda este livro. Tanto pelo fato de ser muito barato, R$ 8.40, e também por existir um projeto da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, chamado The Swinburne Project, que propõe-se a disponibilizar “toda obra original de Swinburne disponível e materiais de contextualização selecionados – reações de críticos da época, trabalhos biograficos e reproduções de quadros sobre os quais Swinburne escreveu.”

O endereço do The Swinburne Project é: http://swinburnearchive.indiana.edu/

DOLORES
(NOTRE-DAME DES SEPT DOULEURS)

Cold eyelids that hide like a jewel
Hard eyes that grow soft for an hour;
The heavy white limbs, and the cruel
Red mouth like a venomous flower;
When these are gone by with their glories,

What shall rest of thee then, what remain,
O mystic and sombre Dolores,
Our Lady of Pain?
Seven sorrows the priests give their Virgin;
But thy sins, which are seventy times seven,

Seven ages would fail thee to purge in,
And then they would haunt thee in heaven:
Fierce midnights and famishing morrows,
And the loves that complete and control
All the joys of the flesh, all the sorrows

That wear out the soul.
O garment not golden but gilded,
O garden where all men may dwell,
O tower not of ivory, but builded
By hands that reach heaven from hell;

Algernon Charles Swinburne

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poesia

Antropologia e Poesia – Michel Deguy

5 fevereiro, 2009 | Por admin

Um ensaio de 9 páginas que foi publicado na revista Inimigo Rumor número 7, de 1999, foi disponibilizado na internet pela editora Cosac Naify. Trata-se da análise da obra do antropólogo Claude Levi-Strauss e seus desdobramentos nas relações entre antropologia e poesia, como explica Michel Deguy, o autor:

“O que me interessa mais, de qualquer modo, é menos levantar os lugares abertos especialmente para poemas e para o poético, exíguos nessa obra formidável [de Lévi-Strauss], porque não é seu objeto, do que escutar atentamente o tom das grandes páginas do tipo “ouverture” ou “finale” que entram em ressonância com os interesses da poética – se posso me permitir isso, em direção contrária, evidentemente, à escuta científica que Lévi-Strauss espera e requer que seja concedida a seus livros.”
(leia o texto completo)

O edição 7 da revista foi publicado pela editora carioca 7Letras e foi o último número dirigido pela dupla de poetas Carlito Azevedo e Júlio Castañon. A partir de então, a revista está a cargo da dupla Carlito Azevede e Augusto Massi.

O site especial que a Cosac Naify criou para o lançamento da edição de número 20 da Inimigo Rumor ressalta a qualidade deste número 7:

“Entre outros números especiais, destacam-se o número 7, apresentando cinco novos poetas argentinos, indicados por Aníbal Cristobo, que se tornou um membro efetivo da revista, traduzindo e trazendo poemas de autores hispano-americanos pouco divulgados no Brasil;”

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Literatura

Poesia, pois é…

14 janeiro, 2009 | Por admin

Através da agência de notícias espanhola EFE, a Folha Online publicou ontem um artigo sobre um poema de autoria da brasileira Martha Medeiros e que era atribuído, através da circulação “oral” da internet, ao poeta chileno Pablo Neruda.

“o poema A Morte Devagar, da escritora gaúcha Martha Medeiros, circula – com algumas alterações – há anos na internet sem que ninguém detenha essa ‘bola de neve’, ao ponto de muitos o terem recebido como mensagem online de Ano Novo na Espanha.”

No google, a busca por Morre Lentamente, mais o nome de Neruda, leva a 19.100 resultados. Retomando o artigo anterior deste blog, o webjornalismo cultural, ou o que quer que seja essa (re)criação de informações na internet, é muito mais nociva do que parece. Se o leitor (ou ouvinte) não estiver dotado dos devidos mecanismos de apuração e senso crítico do que está sendo disseminado, a propagação de desinformação, ou contra-informação, é muito maior.

Leia o poema original de Martha Medeiros: A Morte Devagar

Compare com a adaptação feita em nome de Neruda:  Morre Lentamente

Ainda poesia

A escada de Wittgenstein

A escada de Wittgenstein

A revista digital Trópico (um belíssimo exemplo de jornalismo e crítica cultural de qualidade) publicou um artigo/resenha de um livro que trata Da poesia de Wittgenstein.

O livro foi escrito pela crítica literária norte-americana Marjorie Perloff, e propõe “tratar do nexo entre vida e obra de Wittgenstein, na qual se entrelaçam problemas de lógica, linguagem e o universo cultural vienense”. O título da tradução é A Escada de Wittgenstein – A Linguagem Poética e o Estranhamento do Cotidiano (Edusp, 312 págs.), onde a autora “gravita sua exposição em torno da máxima ‘a filosofia deveria realmente ser escrita como uma forma de poesia’, extraída de ‘Cultura e Valor’, livro com anotações que Wittgenstein fez ao longo da vida sobre suas impressões acerca da cultura e do valor da obra de arte.”

Conforme Humberto Pereira da Silva, autor do artigo da Trópico, uma das principais referências de Perloff é o livro póstumo de Wittgenstein, Investigações Filosóficas, e o cotejamento entre proposições de seu pensamento e o estilo de escritores como Gertrude Stein, F. T. Marinetti e Samuel Beckett.

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lançamentos

The Paris Review: nova Edição (187) de Inverno

12 janeiro, 2009 | Por admin

Não seremos redundantes. Se você quiser saber o que é a The Paris Review, como surgiu e etc., leia: The Paris Review na wikipedia (en).

O número 187 da revista literária – a edição de inverno, já que a revista é impressa com uma “trimestralidade sazonal” –  saiu há poucos dias atrás. Eis a capa:

Número 187 da The Paris Review

Número 187 da The Paris Review

Esta edição vem com uma entrevista concedida pela poetisa norte-americana Kay Ryan. Nada se falou sobre ela aqui no Brasil, mesmo depois de ter sido nomeada “Poet Laureate” pela Biblioteca do Congresso dos EUA em 2008. Uma matéria sobre a poetisa saiu no New York Times, com alguns poemas entremeados no artigo.

An hour
of city holds maybe
a minute of these
remnants of a time
when silence reigned,
compact and dangerous
as a shark.

Como de costume, novas obras de ficção foram publicadas. Os autores, também desconhecidos para nós, são: Damon Galgut, Maile Meloy, e Padgett Powell.

Além disso, há uma série de correspondências do roteirista Vijay Balakrishnan (todas as obras são inéditas no Brasil) onde ele relembra sua cidade natal Tamil Nadu, na Índia.

“Porfólios” de poesia de David Baker e D. Nurkse.

+ 5 poemas de Kay Ryan e fotografias do Alaska e da Noruega, por Corey Arnold.

A revista disponibiliza excertos das matérias na página da nova edição: Edição 187 da The Paris Review.

PS: Se alguém souber de algum lugar ond e pode-se comprar a revista aqui no Brasil (de preferência em São Paulo), por favor me avise.

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lançamentos

Emily Dickinson traduzida por Augusto de Campos

4 agosto, 2008 | Por admin

LANÇAMENTO

Emily Dickinson: Não sou ninguém

Emily Dickinson traduzida por Augusto de Campos

Emily Dickinson nasceu em Amherst, Massachusetts, em 1830, e morreu na mesma cidade em 1886. Por volta de 1860, iniciou a fase madura de sua poesia e, salvo dez poemas divulgados em jornal, a obra de Emily só foi difundida após a sua morte. De intensa emoção concentrada, sua poesia é única e antecipatória em termos de densidade léxica e liberdade sintática. Esse volume traz 45 poemas traduzidos por Augusto de Campos, poeta e ensaísta, um dos fundadores da poesia concreta, com longo percurso como tradutor, abrangendo, em numerosos livros, dos trovadores provençais até Cummings.” (fonte: site oficial da editora unicamp)

Na livraria 30PorCento de 25,00 por R$17,50. Aqui.

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poesia

Manuel Bandeira e o cinema falado

19 junho, 2008 | Por admin

Manuel Bandeira foi recentemente evocado aqui neste blog através de um de seus poemas da coleção Poemas religiosos e alguns libertinos, antologia organizada por Edson Nery da Fonseca pela editora CosacNaify. A coleção Manuel Bandeira da editora iniciou-se em outubro de 2006 com a publicação de Crônicas da província do Brasil e encontra-se em seu quarto volume com as Crônicas inéditas I. Das 113 crônicas escritas entre 1920 e 1931, destaco um trecho – retirado da página especial do livro no site da cosacnaify – sobre a novidade do cinema falado que surgia na cidade do Rio de Janeiro:

“Entretanto assistindo a este primeiro film, Broadway Melody, film aliás sem importância, sentimental e teatral, a minha surpresa foi grande, porque verifiquei alvoroçado que estamos diante de uma nova fonte de emoção. O cinema falado permite a realização, impossível em outro domínio artístico, de um mundo de coisas novas. Muitas coisas
velhas poderão ganhar novo interesse graças aos processos mais adequados do novo meio de expressão artística. Assim, por exemplo, as histórias em que entra o elemento sobrenatural […]”

O preço especial de Crônicas inéditas I na livraria 30PorCento é de R$ 65,00 Por R$ 45,50.

Os outros livros que fazem parte da coleção Manuel Bandeira são:

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Música

Poesia Sonora – A Voz Instrumento de Criação

17 junho, 2008 | Por admin

Visitei hoje cedo o blog da revista modo de usar & co. e me deparei com o artigo de 15 de junho sobre Nelly Larguier: uma jovem poeta sonora francesa. O tema do artigo me levou a tirar da estante a edição número 8-9 da Sibila que possui duas matérias e um cd sobre este exato tema: A Voz Intrumento de Criação: Dos Futuristas à Poesia Sonora, por Enzo Minarelli, e A Poesia Sonora Hoje no Mundo (uma parte da matéria pode ser lida neste site: http://sibila.com.br/live2hoje.html) que se propõe a rediscutir pontos do Manifesto da Polipoesia publicado pela primeira vez em Valência, 1987.

Links

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poesia

Poemas religiosos e alguns libertinos – Manuel Bandeira

21 maio, 2008 | Por admin

Balada de Santa Maria Egipcíaca

Santa Maria Egipcíaca seguia
Em peregrinação à terra do Senhor.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir…

Santa Maria Egipcíaca chegou
À beira de um grande rio.
Era tão longe a outra margem!
E estava junto à ribanceira,
Num barco,
Um homem de olhar duro.

Santa Maria Egipcíaca rogou:
– Leva-me à outra parte do rio.
Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.

O homem duro fitou-a sem dó.

Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir…

– Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.
Leve-me à outra parte.

O homem duro escarneceu: – Não tens dinheiro,
Mulher, mas tens teu corpo. Dá-me o teu corpo, e vou levar-te.
E fez um gesto. E a santa sorriu,
Na graça divina, ao gesto que ele fez.

Santa Maria Egipcíaca despiu
O manto, e entregou ao barqueiro
A santidade da sua nudez.

Poema extraído do livro Poemas religiosos e alguns libertinos, editado pela CosacNaify, organizado por Edson Nery da Fonseca e publicado em junhode 2007. Na livraria 30PorCento o livro sai de R$50.00 por R$35.00.

Telhado de uma casa em São João del Rei

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lançamentos

Inimigo Rumor 20 – CosacNaify

30 abril, 2008 | Por admin

Para comemorar os 10 anos da publicação da revista “Inimigo Rumor”, publicação editada inicialmente pelos poetas Carlito Azevedo e Júlio Castañon Guimarães, o Blog da livraria 30PorCento disponibilizou uma resenha da edição de estréia da revista. Esta resenha foi publicada em 14/06/1997, no extinto “Jornal de Resenhas”, suplemento dominical da Folha de S. Paulo que hoje nos faz tanta falta. A resenha publicada neste artigo pode ser encontrado na página 787 do volume 1 do livro que reuniu toda a trajetória do Jornal de Resenhas, editado em 2001 pela Discurso Editorial. Clique aqui para encomendar o livro. Para comprar a edição 20 de “Inimigo Rumor” com 30% de desconto, clique aqui.

Eis a transcrição literal:

Vozes da Poesia Brasileira
Heitor Ferraz

Inimigo Rumor n1. Carlito Azevedo e Júlio Castñon Guimarães (Orgs.) Sette Letras, 110 págs.

Numa carta enviada a Clarice Lispector, nos anos 40, João Cabral de Melo Neto propunha a criação de uma revista literária que se chamaria “Antologia”. Pela proposta do poeta, a revista não teria um “programa formulado”. Seria “qualquer coisa como um balanço de antes do fim do ano”. Ele mesmo se encarregaria de imprimir os textos em sua prensa manual. Até onde se sabe, o projeto não vingou. A carta de Cabral a Clarice, escrita numa época em que escritores tão diferentes mantinham diálogo aberto e constante, reaparece agora nas páginas da revista de poesia “Inimigo Rumor”.

Certamente a proposta de Cabral agradou aos dois editores. Neste primeiro número, eles preferiram não escrever um editorial, no qual exporiam suas pretensões. Em cinco breves linhas, contentaram-se em anotar a origem do nome da revista (que provém do título de um livro do poeta cubano José Lezama Lima, “Enemigo Rumor”) e dizer que ela se destina “preponderantemente à publicação de poemas e de textos críticos ou documentais referentes a poesia”.

Com essa postura, os editores se abrem, de alguma forma, para a pluralidade de vozes que circula hoje na poesia brasileira. A mostra que trazem já neste número de estréia é prova disso. A revista publica, numa primeira seção, poemas inéditos de poetas já consolidados pela crítica e público, como Haroldo de Campos, Sebastião Uchôa Leite, Francisco Alvim e Armando Freitas Filho, além de poemas de Ronald Polito. O leitor atento poderá fazer comparações curiosas entre essas vozes aparentemente dissonantes, encontrando possíveis pontos de afinação durante a leitura de um e outro poeta.

Apontar equivalências poderia soar disparatado ou pura heresia, já que sabemos como este campo é minado pelas divergências, na maior parte das vezes mais pessoais do que propriamente literárias. A revista acaba servindo como sugestão para um exercício: perceber até onde a poesia de grande plasticidade de Haroldo de Campos encontra surpreendentes afinidades com a de Armando Freitas Filho, ou a brevidade poética e a coloquialidade de Francisco Alvim podem se aproximar dos versos curtos e mentais de Sebastião Uchôa Filho.

A ausência de um editorial, no caso, acaba permitindo a curiosa pesquisa, já que nenhum programa foi formulado nas páginas da revista, a não ser o não-programa de Cabral, o de fazer “qualquer coisa fora do tempo e do espaço – um pouco como nós vivemos”. Esta “ausência”, que ainda simplesmente agrega poetas que se colocavam em campos opostos, já apresenta subliminarmente em debate uma questão nuclear: até onde as discordâncias resistem a um exame crítico mais detido – já que partem, todos, dentro da poesia brasileira, da leitura dos poetas do primeiro modernismo até João Cabral de Melo Neto?
Mesmo assim, “Inimigo Rumor”, que terá uma periodicidade quadrimestral, põe em circulação uma produção intelectual que raramente encontra espaço em outras revistas do gênero. Os três textos acolhidos na seção de ensaios versam sobre poetas historicamente consagrados. O crítico Sergio Alcides comparece com uma instigante investigação sobre a memória e a melancolia na obra de Claudio Manuel da Costa, dialogando com a melhor tradição crítica do arcadismo mineiro; já Telê Ancona Lopez, na tônica da crítica genética, analisa os manuscritos e a gênese de “Lira Paulistana”, de Mário de Andrade; e, por fim, Murilo Marcondes de Moura esmiuça o poema “Noturno à Janela do Apartamento”, de Carlos Drummond de Andrade.

A revista traz também, além da carta de Cabral, traduções de poemas de José Lezama Lima, feitas pela poeta Josely Vianna Baptista, e uma série de poemas francesa que vai de Valéry ao contemporâneo Jacques Roubaud. E ainda uma seção de resenhas. O único problema editorial encontrado é a falta de informações sobre os tradutores e ensaistas, um problema que poderá ser resolvido no próximo número que já está em preparação.

Num momento em que pelo menos outras duas revistas do gênero já circulam no Rio – “Poesia Sempre” e “Carioca” -, a caçula “Inimigo Rumor” procura, com toda simplicidade gráfica e seguindo um modelo mais tradicional na sua divisão interna, ser mais do que um prazeroso espaço de divulgação poética, mas de fato uma “antologia” de textos que suscita o debate estético, pela sua própria abertura e conformação. Se hoje ele ainda não é explícito, em breve o será, já que a revista se apresenta como uma importante câmara de ecos da produção poética brasileira mais significativa e – tomando como base o primeiro número – consegue fugir do personalismo habitual.

Geometria Urbana 1

Dia 3 de maio (sábado): Não perca neste Blog uma tradução em comemoração aos 80 anos da publicação de Macunaíma, de Mario de Andrade. O título do artigo foi “Long-Lost Trove of Music Connects Brazil to Its Roots” publicado dia 25/01/2007.

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