Arquivo da tag: Nuno Ramos

Guia de Leitura

Artistas plásticos brasileiros contemporâneos que escrevem romances, prosa em contos, versos em prosa.

11 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A literatura dialoga naturalmente com as artes plásticas, ao passo que ambas criam imagens e narrativas que desenham diferentes sentidos, desvendam e suscitam inusitadas relações. As imagens, entre economia verbal e objetividade, criam correspondências ricas entres o que as palavras dizem e o que os olhos vêem. Um artista plástico que escreve literatura tem à mão a possibilidade de intercalar ambos os trabalhos.  

 

Nuno Ramos, “Ó”

Nuno Ramos, principal referência contemporânea brasileira quando se pensa em artista plástico escritor, cria uma fantasia rapsódica com seu Ó. Vertiginosamente, seus capítulos compõem um labirinto em torno desta letra palavra tão ambivalente, por vezes quase material, num dedo que aponta, ou substantivada, para expressar desdém, ou como prelúdio a uma resposta inesperada e não convencional. Ó: uma palavra quase corpórea, quase sempre indicial. Encabeçado por ela – que mesmo só é palavra na medida em que compreendida num contexto cultural popular –, o livro de Nuno Ramos é sensorial.

 

Alberto Martins, “Lívia e o cemitério africano”

No livro Lívia e o cemitério africano, o artista Alberto Martins criou uma composição de capítulos curtos que tanto se completam quanto se contrapõem bruscamente, criando, na passagem e no confronto entre eles, novas possibilidades de leitura e, entre eles, inseriu dezesseis páginas de xilogravuras, em momentos cruciais da narrativa, que desempenham a mesma função ambivalente.  A movimentação das histórias reverberam nos passeios das personagens, uma metalinguagem da própria dificuldade de estabelecer verdades internas. Em seus trabalhos, Alberto Martins consegue que as expressões literária e plástica preservem suas autonomias, apesar de se impregnarem mutuamente. Nos poemas, nas gravuras e nos romances – e principalmente nos seus encontros – Alberto Martins trabalha quase no limite da sugestão.

 

Giselda Leirner, “Naufrágios”

Giselda Leirner, em Naufrágios, constrói um livro de fragmentos e destroços de história. Nesta coletânea de contos, fragmentos de vida escritos na primeira pessoa, autora, narradora e protagonistas muitas vezes se confundem, amalgamam-se ao mesmo tempo que são estranhas a si mesmas, sombras de sombras: simbolizam o esquecido e recalcado e encaminham ficção e realidade a mostrarem-se inextricáveis. A escritura e a vida duplicam-se mutuamente, e somos lembrados disso ao longo do livro, uma metaliteratura, a movimentar sentidos de existência. A escrita é uma roupa mortuária, que conserva a existência; de uma vida que naufraga, restam as palavras, concretudes de nostalgias.

 

Fernando Vilela, “Lampião e Lancelote”

 

O pintor e xilogravurista Fernando Vilela é também autor de contos infantis, como o belíssimo Lampião e Lancelote, publicado pela CosacNaify, vencedor do prestigioso prêmio Bologna Ragazzi, menção honrosa conferida na Feira do Livro de Bolonha. Esta obra extremamente original mescla linguagens diversas: verso, na sextilha do cordel sertanejo; prosa, no tom das narrativas épicas da cultura medieval; carimbo e xilogravura.

 

 

Livros polimórficos, que desdobram o caráter mágico da linguagem e resguardam em si o reino dos simulacros e dos reflexos – enquanto simulacro, a linguagem é o próprio símbolo da materialização da ideia, plasticidade que interioriza as condições de realidade vivida, ou como diria Deleuze, “é a instância que compreende uma diferença em si”.

 

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matraca

A matéria da poesia

18 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.

Um dos poemas utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.

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Literatura

Um acesso aos lugares mais remotos

22 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

– página do manuscrito original de “Murphy”

“O sol brilhava, sem alternativa, sobre o nada de novo”.

Murphy foi o primeiro romance de Samuel Beckett; escrito na década de 1930, antecipa aspectos que foram aprofundados ao longo de sua obra. Publicado no Brasil pela Cosacnaify, o livro conta com posfácio escrito por Nuno Ramos e foi traduzido por Fábio de Souza Andrade, também responsável pelas notas. Murphy representa, na obra de Beckett, “uma versão mais ramificada e menos concentrada de algumas de suas obsessões filosóficas e temáticas persistentes”, como analisa o tradutor – que, além de renomado estudioso da obra beckettiana, é também o tradutor das peças Fim de Partida, Dias Felizes e Esperando Godot, além do ensaio Proust, todos publicados pela Cosacnaify.

Conforme apontado em um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo por ocasião do lançamento da tradução, Fábio de Souza Andrade analisa que “não se pode falar de minimalismo no Beckett inicial, ao menos não em Murphy. Rigor, sim, mas aqui ainda estamos no universo das multiplicações de mundos e possibilidades, processo de fragmentação e montagem experimental característicos do modernismo heroico” Continue lendo

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Literatura

A materialidade as palavras

26 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Nuno Ramos não é um escritor simples. Como artista plástico, é conhecido por instalações grandiosas, que beiram o constrangimento do senso comum,  por um lado, e, por outro, atingem o extremo sensorialismo, cujo alcance é plástico e linguístico, multiplamente metafórico e simbólico.

Publicado em 2011, O pão do corvo é controverso quanto a sua classificação: majoritariamente considerado um livro de contos, houve quem o classificasse um livro de poesia em prosa ou mesmo uma obra filosófica. O artista, porém, ao escrever estas dezessete narrativas curtas, utiliza a prosa e a poesia aliadas a um terceiro meio: a plasticidade posta por escrito, num ambivalente tom fantástico nada imune à gravidade e densidade da matéria.

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Crítica Literária

Ó: uma palavra quase corpórea

20 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone
Nuno Ramos

Interjeição, demonstrativo, ó miúdo asma-nome, bocejo, som muito agudo, zumbido de vespa, ó da morte e do esquecimento, também aí há um ó.

O livro de Nuno Ramos ramifica-se em multiplicidades semânticas desde o título. A rapsódia do seu Ó começa com o próprio labirinto desta letra palavra tão ambivalente, por vezes quase material, num dedo que aponta, ou substantivada para expressar desdém, ou como prelúdio a uma resposta inesperada e não convencional. Ó: uma palavra quase corpórea, quase sempre indicial. Encabeçado por ela – que mesmo só é palavra na medida em que compreendida num contexto cultural popular –, o livro de Nuno Ramos é sensorial. Continue lendo

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