Christian Cravo, livro recentemente lançado pela Cosac Naify, reúne o trabalho de juventude do fotógrafo bahiano. Filho do lendário fotógrafo Mário Cravo Neto e neto do renomado artista Mário Cravo Jr., Christian reúne aqui belas fotografias de uma Bahia antiga, com suas tradições, religiosidades, espontaneidades. São fotos em branco e preto, que mostram um olhar a explorar a simbologia dos espaços e dos corpos. Algumas das fotografias são sensoriais, outras, reflexivas, porque históricas, inusitadas, ou simplesmente porque bonitas.
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Brasil “para além de si mesmo”
“O tráfico atlântico passa a ser afro-americano por definição, não porque signifique uma migração forçada de africanos para a América, mas sim e principalmente porque desempenha funções estruturais nos dois continentes” – Manolo Florentino.
O estudo Em costas negras – Uma história do tráfico negreiro de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX), de Manolo Florentino finalmente volta às livrarias brasileiras. Vencedor do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa em 1993, foi editado a primeira vez pela Companhia das Letras e esteve durante um tempo esgotado; agora, a Editora Unesp lança sua nova edição.
A obra apresenta uma significativa revisão da história do tráfico negreiro escravista, analisando as estruturas política, social e econômica tanto no Brasil quanto na África, que o deslocamento de cerca de 10 milhões de africanos entre os séculos XVI e XIX. Continue lendo
Já ouviu falar de Carmencita?
Algumas personagens da literatura ganham vida própria e acabam por ser mais comentadas do que propriamente lidas – consequentemente, conhecidas por características que nem sempre lhe pertencem tal e qual sua fama. Caso exemplar é Carmen. Assim que a cena se abre, pergunta-se: “Já ouviu falar de Carmencita?”. A bela cigana boêmia, de olhos oblíquos, personagem esquiva e movediça do texto do francês Prosper Mérimée, é mais famosa pela adaptação que o compositor Georges Bizet fez da novela para o libreto de sua mais conhecida ópera – e que deu origem, por sua vez, desde argumentos filosóficos, a adaptações para o cinema, por Chaplin, Godard, Carlos Saura, entre outros.
Esta edição de Carmen, lançada agora no Brasil pela editora 34, sob cuidadosa tradução de Samuel Titan Jr., traz, além, da obra prima de Mérimée, o conto “Mateo Falcone”. O volume também conta com um posfácio do tradutor, um ensaio criativo e inteligente. Continue lendo
Aquários recortados
Os ensaios de Virginia Woolf tem ultimamente recebido especial atenção editorial brasileira. O sol e o peixe, publicado agora pela editora Autêntica, reúne nove de suas prosas poéticas.
São ensaios sobre temas diversos: em um deles, Virginia contrapõe o fenômeno de um eclipse solar à observação de peixes em um aquário; um ensaio tece uma análise sobre o pai da autora; em outro, escreve sobre Montaigne; em um ensaio dedica-se a pensar sobre a paixão pela leitura; em outro, reflete sobre a então recente arte cinematográfica, explorando relações que ela estabelece entre literatura e pintura. Continue lendo
Uma prosa rítmica e política
Referência literária colombiana, Andrés Caicedo (1951-1977) recebe pela primeira vez uma edição brasileira: Viva a música! chega às livrarias pela editora Rádio Londres.
Foi o único romance publicado por Caicedo, mas ainda assim responsável por uma revolução na produção literária da Colômbia. O jornal colombiano El espectador elegeu-o o segundo romance mais relevante do país no século XX, logo após Cem anos de solidão, de Gabriel García Marques.
Paisagens que não voltarão a ser
Sangue no olho, da chilena Lina Meruane, narra em primeira pessoa a história de uma mulher em vias de ficar cega. À narradora protagonista, vítima de uma desconhecida doença que enche seus olhos de sangue, resta apenas esperar, enquanto seu médico a submete a extenuantes exames sem, contudo, chegar a nenhum diagnóstico.
O romance é forte. A narradora, para seguir seu ofício de escritora, para movimentar-se pelas cidades, deve a partir de então contar com as imagens do mundo que permanecem em sua imaginação e em sua memória; com o aguçamento de sua audição. A perda drástica e súbita de um sentido é violenta e tona a ordem do mundo, instável. Os espaços tornam-se vivos, a trama do tempo se rarefaz, as palavras deixam de fingir serem as coisas que enunciam, desnudam-se enquanto signos vazios e arbitrários. Continue lendo
Diálogo da religião com a psicanálise
O debate entre o polêmico filósofo esloveno Slavoj Žižek e o ortodoxo teólogo croata Boris Gunjevic, travado ao longo do livro O sofrimento de Deus – Inversões do Apocalipse, acaba de ser publicado no Brasil pela editora Autêntica, sob tradução de Rogério Bettoni.
São seis capítulos que abordam o cristianismo, o islã e o judaísmo através de análise hegeliana e lacaniana, de um lado, agostiniana, por outro, que estruturam um panorama da maneira como cada sistema religioso entende a humanidade e a divindade, e que mostram a dimensão de suas diferenças.
Etnopoesia
O fim de tarde de uma alma com fome é um poema épico de Sérgio Medeiros. O poeta buscou inspiração no teatro nô e em lendas indígenas. O poema desenvolve três variações sobre um mesmo tema, três versões básicas de uma mesma cena: um mito oral, sem origem definida e em constante transformação. Seu resultado é contextualmente interessante e liricamente profundo e rico.
A morte e a imortalidade
No 25° ano de sua publicação, A imortalidade, de Milan Kundera, acaba de ser reeditado pela Companhia das Letras. O romance, entre personagens reais e fictícios, tece reflexões sobre a sociedade ocidental moderna, seus valores sentimentalistas, os conflitos entre essência e imagem, entre realidade e aparência, o culto à fama e à celebridade: a busca pela imortalidade. A prosa de Kundera, mordaz e forte, aqui, é verdadeiramente instigante em sua investigação acerca das possibilidades da existência.
Em dado momento do livro, um diálogo ficcional é travado entre Goethe e Hemingway. O escritor americano diz “Em vez de ler meus livros, escrevem livros sobre mim”, ao que o alemão lhe responde: “A imortalidade é um eterno processo”. As personalidades literárias, escritores que, apesar de mortos, são imortais são fundamento para a reflexão de Kundera: “A morte e a imortalidade formam uma dupla indivisível, mais bela que Marx e Engels, que Romeu e Julieta, que Laurel e Hardy”. Continue lendo
Alceu e Drummond
Mas V. é um mau correspondente. Não envia cartas. Tenho de resignar-me a continuar no escuro. Eu sou o contrário. Sem ter tempo de escrever, escrevo demais e escrevo pelo prazer de receber a resposta. E pelo amor à correspondência, essa forma literária que hoje em dia me satisfaz.
– Carta de Alceu Amoroso Lima a Drummond, 1° de fevereiro de 1929.
Trocada ao longo de cinco décadas, a correspondência entre o poeta Carlos Drummond e o intelectual Alceu Amoroso Lima é verdadeiro testemunho do amadurecimento de ambos interlocutores. São diálogos interessantíssimos, sobre questões estéticas, políticas e religiosas, que, ainda que inscritas nas suas experiências individuais, oferecem fundamento para a compreensão de toda a literatura e cultura modernas brasileiras.
As 132 cartas inéditas reunidas no volume Correspondência de Carlos Drummond de Andrade com Alceu Amoroso Lima, publicado pela editora da UFMG, foram selecionadas e organizadas pelo professor Leandro Garcia Rodrigues.
O professor vem há anos especializando-se no estudo da obra de Alceu, mais conhecido por seu pseudônimo: Tristão de Ataíde. Segundo Garcia Rodrigues, foi “um dos mais sagazes críticos literários que o país já teve”.
Universal, humano, histórico
“Um homem de compleição grande, porém agora descarnada, com uma barba curta avermelhada que parecia um disfarce e por cima da qual seus olhos claros tinham uma qualidade ao mesmo tempo visionária e alerta, implacável e descansada num rosto cuja carne tinha uma aparência de cerâmica, de ter sido colorido por aquela febre de forno fosse de alma ou ambiente, mais profunda que a do sol apenas embaixo de uma superfície morta impenetrável como se de argila esmaltada”.
Publicado originalmente em 1936, Absalão, Absalão, de William Faulkner, é um dos mais prestigiados romances do século XX. Cosiderado uma obra prima, o texto, ambientado no sul dos Estados Unidos durante e após a Guerra Civil Americana, narra a história da ascensão e da derrocada de Thomas Sutpen. O protagonista é um homem branco que enriquece explorando a escravidão; fundador de uma dinastia, acaba sendo destruído por sua própria descendência.
Herói cotidiano
Recém lançado pela editora Rádio Londres, Stoner, de John Williams, é uma publicação cuja alta qualidade literária ainda não havia encontrado espaço no mercado editorial brasileiro.
A narrativa acompanha a trajetória de William Stoner, filho de camponeses simples, cujo futuro hereditariamente previsto, como trabalhador de terra, transforma-se: apaixonado pela literatura, acaba por tornar-se professor universitário. Os cinquenta anos de sua vida são narrados com elegância e com uma precisão sensível. O protagonista reage à sua vida com silencioso estoicismo, retrato de um improvável herói da vida cotidiana.
A história tem inspiração auto biográfica. Publicada originalmente em 1965, foi respeitosamente lida e resenhada. Sua prosa é clara e calma.
Cerrado entre o fantástico e o real
Ontem comemorou-se cem anos do nascimento de José J. Veiga. O goiano, com ajuda do amigo Guimarães Rosa, publicou seu primeiro livro aos 44 anos: a reunião de contos O cavalinho de Platiplanto. Apenas sete anos depois ele publicou seu segundo livro, o romance A hora dos ruminantes, que, saudado pela crítica por sua prosa singular, encantou os leitores – na década de 60, esgotaram-se nove de suas edições. Fora das livrarias havia tempo, estes dois títulos são os primeiros a integrarem a cuidadosa reedição da obra completa de Veiga, agora enfim lançada pela Companhia das Letras, em homenagem a seu centenário.
A hora dos ruminantes é considerado o mais significativo romance do autor. Continue lendo
A arte da palavra
A Cosac Naify acaba de trazer de volta às livrarias o clássico Introdução aos estudos literários, do filólogo e crítico literário Eric Auerbach.
O livro foi escrito em 1943, durante o exílio forçado do autor, como método didático para seus alunos na Universidade de Istambul. Nele, Auerbach visava esclarecer as bases de sua abordagem literária, a Filologia Românica, que dá unidade à história da literatura europeia, a partir de sua origem cristã, em latim, até a evolução que assumiu na forma das línguas modernas.
Conhecido por sua peculiar investigação dos problemas de história e de teoria literária, Auerbach, aqui, numa exposição a um só tempo clara e erudita, dá a seu leitor ferramentas para sua iniciação na pesquisa de literatura. Continue lendo
Ambivalências das alucinações
Adeus e boa noite a todos, repeti. Encostei a cabeça para trás e pus- me a olhar para a lua.
Requiem – Uma alucinação, escrito em 1991, é uma homenagem do italiano Antonio Tabucchi à cidade de Lisboa e à língua portuguesa. O romance é o único que Tabucchi escreveu em português. Nele, seu protagonista, num estado entre a realidade e o sonho, perambula pela cidade que o autor escolheu para viver e morrer: em seu caminho errático, entre lucidez e torpor, encontra-se com vivos e com mortos e segue em direção ao encontro que tem marcado, ao meio-dia, com Fernando Pessoa. Revivendo partes de seu passado, entre encontros inusitados, ele passa por vielas do inconsciente, criando um requiem pessoal de música orgânica que abarca toda a ambiguidade humana. Requiem, explica Tabucchi na nota introdutória, executado “numa gaita de beiços, que se pode levar no bolso, ou num realejo, que se pode levar pelas ruas”.