Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

fotografia

“O fotógrafo saqueia e também preserva”

19 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“A humanidade permanece, de forma impenitente, na caverna de Platão, ainda se regozijando, segundo seu costume ancestral, com meras imagens da verdade”.

Susan Sontag, fotografia de Chris Felver

Sobre fotografia, de Susan Sontag, originalmente publicado em 1977, reúne ensaios que se tornaram clássicos pela originalidade com que extrapolam a reflexão sobre a história da fotografia e aprofundam-se na análise da nova ética da visão instaurada pelo advento da máquina fotográfica. Uma reflexão filosófica, sociológica e artística, sobre o mundo em que as relações humanas passaram a ser mediadas por imagens – “mundo-imagem”, como define Sontag.

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lançamentos

Rumo às entranhas da terra

18 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O sono do homem do garimpo é repleto de explosões, de baques metálicos de ferro contra rocha, do chocalho das peneiras preenchidas de areia e cascalho. Sonha mais com o árduo trabalho que precede a pedra que com a pedra dos sonhos, o garimpeiro em seu catre. Com a pedra da riqueza, sonha muito mais acordado — o corpo em seu descanso e a mente em seu torpor são mais afeitos à realidade que o garimpeiro em pleno entendimento, durante a vigília”.

Portinari, “Garimpo”, 1938

É no sertão garimpeiro que se desnovelam as tramas deste novo e belo romance de Estevão Azevedo. As diversas personagens de Tempo de espalhar pedras entrecruzam-se,, inseridas no cenário de um vilarejo que – metáfora nacional –, paulatinamente, é destruído por homens desesperadamente cobiçosos. Pois nas muitas serras ao redor daquela paisagem, quando já não há solo que não tenha sido maculado por explosões e picaretas, os homens têm a fatal percepção: as únicas superfícies ainda intocadas e que podem esconder pedras preciosas são aquelas em que suas próprias casas estão erguidas. Sob vielas e praças, sob salas, quartos, cozinhas e quintais, escondem-se suas últimas esperanças de sobrevivência ou fortuna.

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lançamentos

Ensaio sobre o medo e os fins

17 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A pergunta do título é desconcertante: Há mundo por vir?. O livro de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, lançamento co-editado pela editora Cultura e Barbárie e pelo Instituto Socioambiental (ISA), propõe uma reflexão séria a respeito dos atuais discursos sobre “o fim do mundo”.

Lasar Segall

Atualmente, os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular quanto a reflexão acadêmica. Os discursos que traçam prognósticos fatalistas são pelos dois autores tomados como experiências de pensamento, como tentativas de invenção, não necessariamente deliberadas, de uma mitologia adequada ao presente.

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Literatura

Poeta do enxofre

16 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Acordei ácido. É primeiro de ano. Primeiras horas da manhã. De toda forma, oito e meia, para um ex-sedentário, não deixa de ser uma vitória: primeiras horas, ainda que a manhã dos sábios tenha começado lá pelas cinco. Os sábios são como o sol. Chego lá.”

Companhia Brasileira de Alquimia, de Manoel Herzog, concorre como semifinalista na categoria romance, do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. O livro foi lançado em novembro do ano passado pela editora Patuá. Conta a história de Germano Quaresma, operador em uma indústria que transforma chumbo em ouro. Ao longo de sua rotina mecânica, o protagonista tece reflexões pessoais sobre as relações sociais modernas, da falta de cumplicidade profissional ao seu casamento com Cláudia. Solitário, ele encontra em clássicos da literatura a amizade que lhe falta no mundo.

No prefácio, o escritor Ademir Demarchi analisa: “Que o leitor acostumado com ficções urbanas, misérias, crimes e histórias de amor, que são marca da literatura contemporânea brasileira, se prepare: saiba de antemão que, diversamente, este romance se passa dentro de uma indústria química multinacional, em meio a fornos, máquinas e produtos químicos e num tom irônico de narrativa, sem cair no cacoete da idealização romântica de esquerda dos operários. Continue lendo

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matraca

Lucratividade insone

15 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Edvard Munch

24/7 – Capitalismo tardio e o fim do sono, de Jonathan Crary, chega ao Brasil publicado pela CosacNaify, com tradução de Joaquim Toledo Jr.

De uma ironia cáustica e bem humorada, o livro expõe a complexidade da lógica mercantil para a qual a própria necessidade de repouso humana é um empecilho. Seu diagnóstico agudo identifica um mundo cujo funcionamento e cuja própria lógica não se prendem mais a limites de tempo e espaço. Crary mostra que hoje são financiadas pesquisas científicas que buscam desenvolver uma fórmula para criar o “homem sem sono”, capaz de trabalhar e consumir “24/7”: 24 horas, durante os sete dias da semana. O livro, por outro lado, resgata uma tradição da cultura ocidental que percebe no sono e no sonho possibilidades utópicas.  Continue lendo

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matraca

Um depósito de ferragens transformado em Lira

12 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Era ali que as coisas aconteciam… Era uma espécie de catacumba, onde se faziam muitas coisas que não aconteciam na superfície” (Luiz Tatit).

Festa do Lira Paulistana, 1983.

Entre 1979 e 1986, na rua Teodoro Sampaio, funcionou o lendário Teatro Lira Paulistana que agora, depois de ter-se tornado documentário em novembro do ano passado, ganha registro impresso no livro Lira Paulistana – Um delírio de porão, escrito por Riba de Castro, lançado ontem à noite em São Paulo. Quem perdeu o lançamento, pode, hoje à noite, ver a exibição do documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, seguida de um bate-papo, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, na Rua Henrique Schaumann, 777, em Pinheiros, São Paulo.

Riba de Castro foi um dos sócios do Lira Paulistana e, no livro, conta a história daquele significativo pólo cultural paulistano. O volume é ilustrado por vasto material iconográfico, entre fotografias, cartazes de divulgação, capas de livros, discos e jornais produzidos pelo teatro, além de depoimentos de artistas, produtores culturais e jornalistas. Realizado com o apoio da Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, o livro tem patrocínio da Natura Musical: o resultado dos incentivos é o preço, quase simbólico do livro (na 30porcento, só 14,00).  Continue lendo

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Literatura

A força verbal de Yuri Herrera

11 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Diego Rivera

O livro Señales que precederán al fin del mundo, do mexicano Yuri Herrera, é considerada uma das mais belas e precisas novelas escritas em língua espanhola nesta virada de século. Herrera recria a história mexicana, através de suas lendas do passado e do presente, amalgamando seu território real a seu território imaginário mitológico, resquício das culturas pré-colombianas.

Através das nove etapas dos mitos, a protagonista Makina, personagem cuja realidade não encontra paralelos na literatura contemporânea, atravessa esta história fabulosa.

Nas palavras de Elena Poniatowska, o livro é escrito “Com uma precoce sabedoria que somente se adquire com a dor. Yuri Herrera expõe as falácias humanas, o mundo dos subúrbios, das adegas, dos prostíbulos e de suas marcas, a droga, as armas, a morte”.   Continue lendo

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Crítica Literária

A semântica de 1848

10 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fazem dez anos da publicação brasileira do livro Terrenos vulcânicos, de Dolf Oehler. O livro reúne alguns textos, dentre a vasta produção do autor, escritos produzidos ao longo dos anos 1970 e 1980, selecionados neste volume por sugestão do crítico Roberto Schwarz, a quem o livro é dedicado. Os textos versam sobre as artes francesas na primeira metade do século XIX, comentam autores como Heine, Baudelaire e Flaubert e artistas como Daumier investigando suas lúcidas análises da modernidade então nascente. Sob a luz do aparato teórico de Marx, de um lado, Freud, de outro, rebatendo críticas como as de Brecht e Sartre, Oehler mostra como as aspirações revolucionárias de 1848, bem como seu fracasso, foram mimetizadas nas obras literárias dos autores analisados por meio da correspondência entre substrato social e estrutura psíquica das personagens.

Os ensaios foram traduzidos José Bento Ferreira, Luís Repa, Márcio Suzuki e Samuel Titan Jr.

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lançamentos

Complexas relações: democracia e totalitarismo

9 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O ódio à democracia é tão velho quanto a democracia: a própria palavra é a expressão de um ódio”.

A Boitempo acaba de lançar O ódio à democracia, do filósofo francês Jacques Rancière, ensaio sucinto e provocativo, que com irreverência e erudição, evoca momentos da história da filosofia política para analisar alguns dos principais impasses nos quais se encontra hoje a democracia e a esquerda. Rancière aponta uma mutação ideológica, a democracia não mais opõe-se, virtuosa, ao horror totalitário, ela é, atualmente, exportada pelos governos pela força das armas, ao passo que reina silencioso um “individualismo democrático”, que sob  as injúrias do “igualitarismo”, esvazia os valores coletivos e forja um novo totalitarismo.

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Literatura

Literatura de trincheiras

5 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Tempestades de aço foi a obra de estreia de Ernst Jünger, considerada por André Gide como a mais bela da literatura de guerra. O livro une ficção a anotações dos diários do autor, a vida nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, perpassando toda a trajetória de Jünger dentro do exército alemão, comentando seus companheiros, as batalhas e os ferimentos. A narrativa, apesar do tema difícil, é poética e envolvente. Esta edição brasileira, publicada no ano passado pela CosacNaify, foi traduzida por Marcelo Backes, tem texto de orelha de João Barrento e conta também com ilustrações selecionadas dos diários de guerra do autor.

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matraca

Deslocamentos

4 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Claude Levi-Strauss

O olhar distanciado, de Levi-Strauss, proporciona um rico diálogo entre antropologia e história.

Através do manejo dos conceitos de parentesco, organização social, mitologia, ritual, arte, o livro apresenta-se como um pequeno tratado, que compreende a etnologia como responsável por entender de que modo cada sociedade realiza uma “retomada sintética”, sempre original, de um conjunto de elementos que é, em suma, o mesmo para todas.

A antropologia estrutural, sobretudo com sua prática de olhar distanciado, esclarece e analisa as diferenças culturais.  Continue lendo

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fotografia

Nem tão silencioso

28 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Miguel Rio BRanco, fotografia de Silent Book

Miguel Rio Branco é um dos principais fotógrafos brasileiros. Ex-fotógrafo da Agência Magnum, já teve seu trabalho contemplado por importantes prêmios internacionais. Boa parte de seus livros, infelizmente no Brasil encontram-se esgotados. A CosacNaify lançou em 2012 uma segunda edição de Silent Book, com textos apenas em inglês.

Neste livro, o fotógrafo constrói um retrato marcante da latinidade, compondo um painel um tanto barroco e dramático, enquadrando objetos arruinados, circos pobres, prostíbulos baratos e academias de boxe. As imagens expõem a vida urbana com um lirismo complexo, contrapondo a violência à delicadeza.

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lançamentos

Meandros de literatura e cinema

27 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Novo romance de Antonio Xerxenesky, F, lançado pela Editora Rocco, é permeado pela figura de Orson Welles e seu filme “F for fake”, cujo título no Brasil foi traduzido como “Verdades e mentiras”, e que coloca em questão os conceitos de autoria e autenticidade na arte. O livro é protagonizado por Ana, uma jovem brasileira, assassina de aluguel, que desde a adolescência desenvolve seu especial talento no manejo de armas e que é contratada para infiltrar-se na equipe de produção e matar Welles. A personagem traça, para tanto, o perfil psicológico do cineasta, investigando-o através de seus filmes. Xerxenesky entronca as histórias de Welles e de sua assassina, ao mesmo tempo que os transforma em metáforas do cinema e da literatura, do autêntico e da cópia.  Continue lendo

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lançamentos

Certezas antropológicas contra as incertezas feministas ou vice-versa

26 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A CosacNaify acaba de publicar O efeito etnográfico, coletânea de dezesseis dos artigos mais influentes da antropóloga britânica Marilyn Strathern, publicados entre 1980 e 2004. Os textos foram traduzidos por Iracema Dulley, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini e o volume conta com texto de quarta capa escrito por Eduardo Viveiros de Castro.

Strathern, autora de O gênero da dádiva (UNICAMP, 2006) aborda temas diversos como as categorias etnográficas de doméstico e selvagem, gênero, parentesco, economias da dádiva versus economia da mercadoria, noção de pessoa, evento histórico, cultura material, técnicas de fertilização, direitos de propriedade intelectual, além de empreender uma reflexão sobre a própria antropologia.  Continue lendo

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Literatura

República Doméstica

25 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Altair Martins. Fotografia de Carlos Macedo / Agencia RBS

Terra avulsa, de Altair Martins, é um romance sofisticado, em que prosa, poesia e fotografia dialogam entre si, formando a estranha história de um homem que funda um país dentro de seu apartamento. Em choque com a brutalidade do mundo, ele vive recluso em sua casa, traduzindo, ou inventando, poemas de um poeta nicaragüense. Os poemas versam sobre objetos cotidianos, que convivem com este exilado urbano.

O autor conta em seu site que Terra avulsa, seu segundo romance, é resultado dos seus “estudos no doutorado em Letras da UFRGS. Nesta narrativa, Pedro Vicente é assaltado e tem roubados os documentos. A partir daí, tranca-se, solitário, num apartamento do centro de Porto Alegre, onde funda um país de 55 m2 para renunciar ao Brasil. Patriota da avulsão, Pedro traduz poemas do poeta nicaraguense Javier Lucerna, ao mesmo tempo em que escreve, a partir de fotos de sua editora, Eudora, sobre os objetos que o cercam para preencher sua nação. Enquanto a história de sua República Doméstica corre, Pedro mergulha na memória familiar de Guaíba, buscando descobrir quem é sua mãe (Pedro foi dado pela mãe biológica, sua mãe adotiva morreu, e Izolina, uma madrinha monstruosamente feia, o criou como mãe; é a ela, também, que Pedro tenta renunciar).

Talvez Pedro me permita ver o Brasil do desvio, o que busco operar, também, em termos de macronarrativa. Continue lendo

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