Um de seus ensaios mais conhecidos é Pode o subalterno falar? [Can the subaltern speak?], publicado originalmente em 1985. Texto filosófica e antropologicamente denso, parte de uma crítica aos intelectuais ocidentais para refletir sobre a prática discursiva do intelectual pós-colonial e sobre a possibilidade de agenciamento do sujeito subalterno. Spivak critica particularmente Deleuze e Foucault – tomando como base seu diálogo em “Os intelectuais e o poder: conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze” [publicado em Microfísica do poder] –, para apontar a condição etnocêntrica intrínseca à intelectualidade ocidental quando se trata de sua relação com a projeção da alteridade, por um lado, e, por outro – decorrente –, sobre a própria falta de espaço para falar – não a falta de uma voz propriamente dita –, ocupável pelo subalterno. Sobretudo pela mulher subalterna, que é duplamente calada: “Se, no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade”, afirma a autora.
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A liberdade é uma luta constante
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“Colocar a violência em primeiro plano quase inevitavelmente serve para obscurecer as questões que estão no centro das lutas por justiça” – Angela Davis.
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A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis, acaba de ser lançado no Brasil pela Boitempo. O livro reúne três entrevistas, concedidas por Davis ao ativista Frank Barat – responsável pela organização do livro e pelo texto introdutório à edição – ao longo de 2014, além de sete discursos, proferidos pela militante, entre 2013 e 2015. Ao longo dos textos, Angela Davis aborda diversas formas de submissão humana e, como pontua a escritora Conceição Evaristo, no texto de orelha, “nos traz novas orientações para pensar a luta contra o racismo, a machismo, o sexismo e outras formas de subjugação existentes em nossa sociedade”.
Ativista, professora, ícone do movimento Black Power, autora de livros já clássicos, como Mulheres, raça e classe [Boitempo, 2016], Davis discute Ferguson – em 2014, Michael Brown, de 18 anos, foi baleado por um policial na cidade de Ferguson, no estado do Missouri, dos Estados Unidos, caso que revelou um padrão racista na polícia local -, a situação da Palestina, o abolicionismo prisional, iluminando as conexões entre as lutas contra a violência estatal e a opressão ao longo da história e ao redor do mundo. A liberdade não só é uma luta constante, como uma luta global.
Em tempos dragados pela lógica neoliberal, em que mais parece que a liberdade é um luto constante, os textos de Angela Davis são inspiradores. A intelectual, que permanece entusiasta da liberdade da população pobre e trabalhadora, mostra que, observada sob um ângulo mais amplo, a história dos movimentos de libertação prova que forças aparentemente indestrutíveis podem ser facilmente destroçadas. Em tempos de execução de uma ativista, mulher e negra, no Brasil, a tradução e publicação desse livro grita a importância da constituição de bases essenciais para a luta contra as forças máximas do sistema corporativo e para a personificação coletiva da resistência.
Precariado
“Precariado” é um termo criado nos anos 1980, pela justaposição do substantivo “proletariado” ao adjetivo “precário”, para designar uma classe social emergente, composta por um número significativamente crescente de pessoas que levam uma vida de trabalho insegura, dependentes de empregos efêmeros, instáveis, flexíveis.
O precariado, assim, indica o proletariado precarizado. Trata-se do setor submetido à espoliação dos direitos sociais: previdenciários, benefícios trabalhistas, representação sindical. De acordo com Guy Standing, economista inglês responsável pela maior difusão do conceito, conforme disse em entrevista concedida à revista Carta Capital, em 2015: “A falta de segurança no trabalho sempre existiu. Isso não é o que define o precariado. Os integrantes desse grupo estão sujeitos a pressões que os habituaram à instabilidade em seus empregos e suas vidas. Mas, de forma ainda mais significativa, os trabalhadores do precariado não possuem qualquer identidade ocupacional ou uma narrativa de desenvolvimento profissional para suas vidas. E, ao contrário do antigo proletariado, ou dos assalariados que estão acima no ranking socioeconômico, o precariado está sujeito à exploração e diversas formas de opressão por estarem fora do mercado de trabalho formalmente remunerado. Ainda assim, o que distingue o precariado é a sua trajetória de perda de direitos civis, culturais, políticos, sociais e econômicos. Eles não possuem os direitos integrais dos cidadãos que os cercam. Estão reduzidos à condição de suplicantes, próximos da mendicância, pois são dependentes das decisões de burocratas, instituições de caridade e outros que detém poder econômico”.
A distinção categorial de precariado é sobretudo relevante no plano heurístico: capaz de expor as novas contradições da ordem burguesa hipertardia, circunscrita à própria dinâmica do modo de produção capitalista na etapa de crise estrutural do capital.
Em tempos de nítida e crescente precarização de direitos trabalhistas, crise econômica e silêncio nas ruas, no Brasil, a nova legislação e a continuidade da terceirização e da subcontratação pelas empresas devem acelerar o processo de precarização do trabalho, piorar a desigualdade dentro do mercado de trabalho e intensificar a insegurança social e econômica.
“A Economia do Compartilhamento é um movimento: um movimento pela desregulação”, analisa Tom Slee, autor de Uberização: a nova onda do trabalho precarizado, recém-lançado pela Editora Elefante, com tradução de João Peres e prefácio de Ricardo Abramovay, professor de Economia da USP. Segundo Slee: “Grandes instituições financeiras e fundos influentes de capital de risco estão vislumbrando uma oportunidade para desafiar as regras formuladas pelos governos municipais democráticos ao redor do mundo. E para remodelar as cidades de acordo com seus interesses. Não se trata de construir uma alternativa à economia de mercado dirigida por corporações. Trata-se de expandir o livre mercado para novas áreas de nossas vidas”.
O autor, britânico que vive no Canadá, com pós-doutorados em Oxford e Waterloo, trabalha na indústria de software e diz que o impulso para compor o livro deu-se quando percebeu a apropriação de bandeiras de igualdade social pelos criadores da Economia do Compartilhamento – a saber, grupo empresarial do Vale do Silício, cuja fundação econômica baseia-se na especulação do mercado financeiro e que, sob o instigante slogan “o que é meu é seu”, patrocinaram o desenvolvimento de aplicativos e programas, graças aos quais todos poderíamos desfrutar o privilégio de dividir em lugar de possuir. Os aplicativos, segundo o discurso da Economia do Compartilhamento, “nos abririam” a possibilidade de estar em contato uns com os outros, com a segurança da mediação garantida por uma tecnologia infalível, literalmente, na palma da mão.
Slee desmonta o suposto discurso altruísta destes modelos de negócios – dentre os quais, atualmente, os mais notórios são Uber e Airbnb. Para o autor, nós compartilhamos nossas forças de trabalho, nossos dados, nosso tempo, nosso dinheiro e, em troca, recebemos até agora muito pouco, quase nada, ao passo que CEOs amealham bilhões de dólares, armam exércitos de lobistas e influenciam governos mundo afora: “O que havia começado como um apelo ao comunitário, a conexões interpessoais, a sustentabilidade, a compartilhamento, tornou-se o playground de bilionários, de Wall Street e de capitalistas de risco, expandindo seus valores de livre mercado cada vez mais fundo em nossas vidas”.
Comum
“O porvir parece estar em suspenso. Vivemos um momento estranho, desesperante e inquietante, em que nada parece possível. O porquê não tem nenhum mistério; não se deve a nenhuma eternidade do capitalismo, mas sim ao fato de que ele não enfrentou ainda obstáculos suficientes. O capitalismo continua exibindo sua lógica implacável, ainda que a cada dia demonstre sua temível incapacidade para trazer solução para a crise e para os desastres que engendra” – Pierre Dardot e Christian Laval.
Comum. Ensaios sobre a revolução no século XXI, de Pierre Dardot e Christian Laval, foi há pouco publicado no Brasil pela Boitempo, com tradução de Mariana Echalar. Para o autores, o comum é um princípio que não só articula as lutas práticas contra o capitalismo e os estudos sobre o governo coletivo de recursos, mas direciona novas formas democráticas. Uma vez que somente a prática delimita o que é o “comum”, com a consequente produção de regras de responsabilização a seu respeito, o comum demanda uma revolução.
Dardot e Laval já haviam publicado A nova razão do mundo no Brasil, também pela Boitempo, no ano passado, livro cujas reflexões ganham sequência em Comum, enquanto renovação da crítica social e proposta de alternativa política ao neoliberalismo.
Gênero, patriarcado, violência
“O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. […] o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana. É a esta estrutura de poder, e não apenas à ideologia que a acoberta, que o conceito de patriarcado diz respeito” – Heleieth Saffioti.
Heleieth Saffioti (1934-2010) foi uma socióloga marxista, professora, estudiosa da violência de gênero e militante feminista brasileira.
Seu livro Gênero, patriarcado, violência questiona de maneira densa o papel da mulher na sociedade atual. Saffioti aborda o tema em sua perspectiva histórica e, portanto, analisa o papel da mulher na sociedade de classes, capitalista. Para a socióloga, a questão da opressão às mulheres é parte constituinte de um sistema baseado na exploração do ser humano pelo ser humano.
Tradição intelectual latino-americana
Acaba de chegar à livraria 30porcento A cidade das letras, de Ángel Rama (1926-1983), “o maior crítico literário que a América Latina teve”, segundo as palavras de Antonio Candido.
Rama aqui analisa a concepção, o planejamento e a consolidação das cidades latino-americanas. Sua investigação parte da destruição da asteca Tenochtitlán, em 1521, até a inauguração de Brasília, na década de 1960. O livro examina os valores que pautaram a formação das cidades e o discurso urbano da conquista.
Trata-se de uma erudita revelação de cidades latino-americanas através do desenvolvimento das letras e da ordem dos signos: um paralelo entre os projetos urbanísticos e o ideal de urbe limpa, estéril e civilizada. Continue lendo
A penúria da questão
Dando prosseguimento à sua coleção Marx e Engels, cujo objetivo é publicar no Brasil a obra dos dois filósofos, em traduções feitas diretamente do alemão, a Boitempo acaba de lançar Sobre a questão da moradia, texto da juventude de Friedrich Engels.
Nele, Engels reflete sobre o problema da habitação, suas razões e suas possíveis soluções. Sua análise sobre a questão da moradia na Europa do século XIX é extremamente atual no Brasil.
O livro reúne três artigos, publicados por Engels no jornal Der Volksstaat. Neles, explica as implicações dos problemas da teoria de Pierre-Joseph Proudhon, bem como das questões levantadas pela burguesia da época, sobre a habitação dos trabalhadores alemães. Continue lendo