Arquivo da tag: história da arte

Artes Plásticas

A imagem em movimento

21 junho, 2018 | Por Isabela Gaglianone

Índio norte-americano hopi, fotografado em meio ao ritual da dança da serpente

“Nosso reino é o do entre-dois” [1]

O comentário de Philippe-Alain Michaud sobre a obra, a vida e as ressonâncias da “história de arte sem palavras” de Warburg é vertiginoso desde o título e, justamente, pelo ponto de vista que ele imediatamente esclarece: Aby Warburg e a imagem em movimento. O movimento como tópica da análise contorce-se como as serpentes do Laocoonte ou dos índios pueblos: é metafórico e literal, geográfico e histórico, diz respeito aos movimentos de expressão e de orientação do homem no mundo, culturais ou religiosos. A considerar a estrutura do livro, Michaud traça um roteiro e movimenta-se geograficamente, nomeando seus capítulos à guisa dos lugares que foram cenário para os estudos de Warburg e por ele visitados. Nova York, Florença, Hamburgo, Novo México: se a simples justaposição dos nomes dos lugares já suscita um deslocamento cartográfico desde o sumário, o autor ainda desdobra em distintos escopos a ideia de movimento com os predicados dos títulos: “Nova York: o palco cinematográfico”, por exemplo. Também são “palco”, respectivamente “teatral” e “da história da arte”, Florença e Hamburgo. Florença é ainda “circulação dos corpos móveis” e “espaço da pintura”, em capítulos em que Michaud segue a interpretação de Warburg a respeito das rupturas na transmissão das formas na pintura do Quattrocento: mote warburguiano desde a análise das obras de Botticelli, sob a representação do movimento na arte renascentista sobrevive o indício de um movimento cultural mais profundo, a saber, a mistura de diferentes níveis de cultura, de referências mitológicas permeadas “ao tecido da vida cotidiana”[2], mistura complexa e tensa que é fruto paradoxal de um movimento de aproximação e de distorção da Antiguidade e que revela pathos primordiais da natureza expressiva humana. A interpretação de Warburg sobre os pintores renascentistas desemboca, como mostra Michaud, baseado em anotações dos Bruchstücke[3], em outro movimento, concomitante, no sujeito – tanto enquanto entrada do sujeito individual nas pinturas através da arte do retrato, quanto do sujeito que é expectador e que concatena uma sequência de imagens, movimento interpretativo a que Warburg chama “perda da contemplação serena”[4].
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matraca

Quando as imagens tomam posição

11 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Para saber é preciso tomar posição. Gesto nada simples. Tomar posição é situar-se pelo menos duas vezes, em pelo menos duas frentes que toda posição comporta, pois toda posição é, fatalmente, relativa.

Hannah Höch, colagem, 1919

A figura do poeta e dramaturgo Bertolt Brecht serve de guia para Georges Didi-Huberman caminhar por entre as encruzilhadas da estética no século XX, através de uma reflexão que perpassa temas como a guerra, o exílio, as vanguardas estéticas e o nascimento da indústria cultural e apresenta questionamentos de romancistas, poetas, filósofos e artistas, para refletir acerca do lugar da imagem e das condições de uma possível política da imaginação. O olho da história [L’oeil de l’histoire], é composto por cinco volumes publicados entre 2009 e 2015. Traduzido por Cleonice Paes Barreto Mourão, o primeiro volume, Quando as imagens tomam posição, acaba de ser publicado pela Editora UFMG.

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Ensaios

Histórias de fantasma – uma leitura sobre a ciência sem nome de Aby Warburg

12 junho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Ex libris feito por Warburg para seu amigo Franz Boll, cuja contribuição inestimável foi a publicação da “Sphaera barbarica”, fonte fundamental para a pesquisa do caminho feito pelas concepções astrais helenísticas, da Antiguidade ao Renascimento.

Propomos uma análise panorâmica a respeito de uma das figuras mais enigmáticas da história da arte. Aby Warburg nasceu em 1866, em Hamburgo, no seio de uma família de prósperos banqueiros – o banco Warburg foi fundado no século XVIII e, quando Aby Warburg nasceu, era o maior da Alemanha. Aby era o primogênito e herdaria a responsabilidade pelos bem-sucedidos negócios da família, porém jovem ainda, abriu mão de sua primogenia em favor de seu irmão mais novo, com a condição que este lhe fornecesse, ao longo de toda sua vida, todos os livros que desejasse. Assim nasceu a então maior biblioteca privada da Europa, hoje abrigada pelo Instituto Warburg, em Londres. Na entrada da biblioteca, Warburg gravou o nome “Mnemosyne” e esta antiga deidade pagã, a musa da memória, permeia de maneira peculiar o núcleo de toda sua obra – desenvolvida até seu falecimento, em 1929. Porque a grande questão, para Warburg, diz respeito à influência da Antiguidade na cultura europeia na época do Renascimento: haveria um mito do “Reanscimento”?; o que “renasceu” da Antiguidade no Renascimento?; será que “renasceu”, ou há uma memória freática que pode ser percebida na arte? É o que pretendemos mostrar doravante. Continue lendo

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Askhmata

Psicologia da expressão humana

30 janeiro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

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Askhmata

Esquemas de percurso, exercícios: ancoragens marcadas em uma carta náutica literária, imaginária. Alheias às exigências profissionais de decoro, desenham memórias de leituras.

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WARBURG, Aby, Histórias de fantasma para gente grande.

[Companhia das Letras, organização de Leopoldo Waizbort, tradução de Lenin Bicudo Bárbara]

 

Afresco do Palazzo Schifanoia, mês de agosto.

 

Warburg expõe, no primeiro ensaio do volume, como Sandro Botticelli assimilou as visões do seu tempo sobre a Antiguidade, porém transformando-as em sua essência secundária – mantendo suas próprias observações, individuais, como substância primária.

No Quattrocento, diz Warburg, “a ‘Antiguidade’ não exigia dos artistas que abdicassem incondicionalmente das formas de expressão adquiridas mediante suas próprias observações – como exigiria o século XVI, quando a matéria antiga foi encarnada à maneira antiga -, mas apenas chamava a atenção para o mais difícil problema das artes plásticas: como capturar as imagens da vida em movimento”.

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“O nascimento da Vênus” contida na Giostra de Angelo Poliziano, guarda semelhanças com a pintura de Botticelli (e a descrição de Poliziano se apoia no hino homérico a Afrodite). “A ação transcorre, na pintura, da mesma forma que no poema”.

De acordo com Warburg, o “esforço ostentsivo, que se manifesta uniformemente tanto no poema como na pintura, em capturar os movimentos transitórios dos cabelos e trajes corresponde a uma corrente dominante nos círculos artísticos no norte da Itália desde o primeira terço do século XV, que encontraria no Da pintura de Alberti sua expressão mais destacada”. Continue lendo

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Askhmata

Recriações da obra de arte

9 janeiro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

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Askhmata

Esquemas de percurso, exercícios: ancoragens marcadas em uma carta náutica literária, imaginária. Alheias às exigências profissionais de decoro, desenham memórias de leituras.

 

A nova coluna d’O Benedito inspira-se nos Exercícios [em grego no original, Askhmata], do filósofo inglês Shaftesbury (1671-1713). Na apresentação à cuidadosa edição brasileira, que seleciona alguns textos fundamentais dos cadernos do filósofo, o tradutor e organizador, Pedro Paulo Pimenta, fornece uma explicação que aqui ilumina também nosso princípio:

“A palavra grega que dá título aos cadernos de Shaftesbury, askhmata, além de significar ‘exercícios’, tem outras importantes acepções complementares, que vinham sendo formuladas no pensamento antigo desde Platão e Aristóteles. Para este, como explica Auerbach, o termo schema designa ‘o modelo puramente perceptivo’ das representações, por contraposição a ‘eidolos, ou ideeia, que informa a matéria’. Posteriormente em latim, aduz esse estudioso, ‘forma’ veio a designar eidolos, enquanto ‘figura’ foi reservado para schema. Essa oposição está longe de ser simples. como complemento da exposição de Auerbach, lembremos aqui a explicação de Maria Luisa Catoni, que chama a atenção para o duplo sentido do termo schema ou figura. Por um lado, um esquema é ‘um meio através do qual se reconhece um personagem, real ou representado, numa estátua ou no teatro, é um meio através do qual o naturalista classifica os animais, as plantas, os planetas’. Mas nem toda representação é verdadeira, e esquema se refere também a processos de ‘confraternização e travestimento’ das representações, processos esses típicos de uma sensibilidade ainda fortemente marcada pela natureza animal, despreparada, portanto, para a percepção adequada das representações”.

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Erwin Panofsky, Significado nas artes visuais

[Ed. Perspectiva, tradução de Maria Clara F. Kneese e J. Guinsburg]

 

Dürer, rascunho com “O rapto de Europa”

 

A profunda erudição de Panofsky dá testemunho do humanismo como conceito alargado, processo orgânico, que é o que faz a história da arte. Pois, da compreensão da atitude humanística, ele extrai o âmago do trabalho deste específico historiador: a percepção da relação de significação, ou seja, a capacidade de separar a ideia do conceito a ser expresso de seus meios de expressão: “Os signos e estruturas do homem são registros porque, ou antes na medida em que, expressam ideias separadas dos, no entanto, realizadas pelos, processos de assinalamento e construção. Estes registros têm portanto a qualidade de emergir da corrente do tempo, e é precisamente neste sentido que são estudadas pelo humanista; este é, fundamentalmente, um historiador”. Continue lendo

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matraca

Luzes e sombras

11 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Este livro é uma discussão a respeito das sombras e de seu papel em nossa experiência visual. Mais especificamente, justapõe as noções modernas sobre as sombras às do século XVIII, com a finalidade de tirar proveito de uma tensão entre elas. Naturalmente, outros períodos históricos também tiveram ideias interessantes a respeito das sombras, mas não é deles que trata esse livro”.

Anotações de Leonardo da Vinci sobre a percepção visual

Recuperando as teorias oitocentistas da percepção visual, com o apoio da ciência cognitiva contemporânea, da história da arte e de vasta bibliografia especializada, o professor de história da arte Michael Baxandall, em Sombras e luzes, discute o papel das sombras na representação que se tem das formas, assim como os significados diversos que elas podem assumir.

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Artes Plásticas

Mnemosyne

1 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

tábua do “Atlas Mnemosyne”

 

Aby Warburg e a compreensão do diálogo entre palavra e imagem

O legado intelectual de Aby Warburg permanece um desafio constante para a história da arte e da imagem. Se o século XX foi o século da imagem, então Warburg é um de seus pesquisadores extraordinários, pois ninguém se igualou a ele na dedicação intensa e escrupulosa não só às obras de arte, mas também às imagens do cotidiano.

Selecionamos aqui, a partir do comentário sobre a edição de seus textos sob o título “A renovação da Antiguidade pagã”, alguns livros de autores que dão prosseguimento a suas reflexões.

 

Aby Warburg, “A renovação da Antiguidade pagã”

A renovação da Antiguidade pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu, reúne todos os textos que Warburg publicou em vida, com respectivas notas e adendos, além de dois estudos sobre ele.

Neles, o historiador da arte mostra a tensão que marca as obras renascentistas europeias, fruto de uma contradição, uma força que mais desestabiliza do que unifica as figuras. A divindade serena, modelo ao belo ideal, transformava-se: “Essas mênades dançantes, conscientemente imitadas, surgidas pela primeira vez nas obras de Donatello e de Fra Filippo, redefinem o estilo antigo, ao exprimirem uma vida mais movimentada, a vida que anima a Judite, o anjo Rafael que acompanha Tobias, ou ainda a Salomé dançante, essas figuras aladas que alçaram voo dos estúdios de Pollaiuolo, Verrocchio, Botticelli ou Ghirlandaio”. Warburg analisa a base da relação dos artistas modernos com o passado, revelando, sob a aparência límpida das obras da Antiguidade clássica, o conflito das duas forças antagônicas, potência extática nascida no seio da concepção contemplativa do mundo – a dualidade do mundo grego, marcado pelo caráter dionisíaco e apolíneo, conforme analisada por Nietzsche.  Continue lendo

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história

Histórias de fantasma para adultos

18 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Botticelli

 Lançamento pela Companhia das Letras, Histórias de fantasma para gente grande é uma coletânea de nove textos do historiador da arte alemão Aby Warburg (1866-1929). Os textos, entre ensaios, palestras e esboços, produzidos entre 1893 e 1929, foram reunidos e selecionados pelo sociólogo Leopoldo Waizbort, professor da Universidade de São Paulo. O conjunto abrange momentos de toda a vida intelectual de Warburg, de seus primeiros escritos até o derradeiro.

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lançamentos

A arte pela arte

11 dezembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Toda arte aspira constantemente à condição de música”.

Leonardo da Vinci

Para Walter Pater (1839-94), a Renascença foi um movimento motivado pelo “amor pelas coisas do intelecto e da imaginação por elas mesmas”. Seu estudo, O Renascimento, mostra que durante o período em questão buscou-se meios de “fruição intelectual ou imaginativa”, nas fontes antigas, os textos clássicos e medievais.

Pater foi professor de Oxford, especialista em arte e história do Renascimento, e notório sobretudo por seu estilo refinado. Seus ensaios visam, sobretudo, compreender os efeitos caudados pela recepção da pintura, da escultura e das obras literárias renascentistas. Seu esforço ensaístico principal parece ser olhar os objetos como se vistos pela primeira vez: para tanto, ele usa suas próprias impressões pessoais, para que, a partir delas, possa encontrar a gênese das sensações e emoções estéticas, que procura traduzir. O resultado é uma linguagem que, para falar da criação artística, acaba tornando-se uma por si só. Pater toma seu objeto de análise não como matéria inerte, mas preservando sua autonomia, enquanto ideia, antes do que realidade efetiva.

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matraca

“A imagem tem mais memória e porvir do que o ente que a olha”

24 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fra Angelico

No livro Diante da imagem – Questão colocada aos fins de uma história da arte, o historiador da arte Georges Didi-Huberman – professor da École des Hautes Études, em Sciences Sociales, em Paris – pergunta: o que ocorre quando nos colocamos diante da imagem?

O autor, no ensaio “Diante do tempo” – conforme publicado na revista Polichinelo – , apresenta a discussão que guia a argumentação desenvolvida em Diante da imagem: “Diante da imagem, estamos sempre diante do tempo. Como o pobre iletrado da narrativa de Kafka, estamos diante da imagem como Diante da Lei: como diante do vão de uma porta aberta. Ela não nos esconde nada, bastaria entrar nela, sua luz quase nos cega, ela nos impõe respeito. Sua própria abertura – não falo do guardião – nos faz parar: olhá-la é desejar, é estar à espera, é estar diante do tempo. Mas de que gênero de tempo? Que plasticidades e que fraturas, que ritmos e que choques do tempo podem estar em questão nesta abertura da imagem?”. Continue lendo

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