Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

Literatura

A estrada

3 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone
foto_grossman

fotografia de vilarejo russo destruído.

Coletânea de prosa curta do grande escritor russo contemporâneo Vassili Grossman, A estrada traz textos de diversos gêneros, traduzidos diretamente do russo por Irineu Franco Perpétuo. O livro foi publicado no final do ano passado, pela Alfaguara, que também já havia publicado o notável Vida e destino.

Conhecido como o autor responsável por alguns dos mais impactantes relatos sobre a participação soviética na Segunda Guerra Mundial e sobre o Holocausto, Grossman, através desta reunião de reportagens intensas, contos esclarescedores e cartas comoventes, mostra mais um pouco do motivo pelo qual sua obra, reprimida na época stalinista, tem hoje tamanha ressonância internacional. Os textos aqui reunidos são devastadores, brutais e completamente atuais. Uma coletânea de escritos precedidos por introduções que, além de apresentar o contexto em que foram produzidos, trazem informações sobre a vida do autor e o recorrente eco da expressão “vida e destino” que, mais tarde, daria nome à sua obra-prima. Continue lendo

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Fantasmas antropológicos e literários

29 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Michel Leiris.

A África fantasma, do antropólogo, poeta e escritor Michel Leiris (1901-1990), foi publicado originalmente em 1934. Trata-se de um extraordinário diário, no qual Leiris registrou o cotidiano da Missão Etnográfica e Linguística Dacar-Djibuti. A missão ocorreu entre 1931 e 1933 e atravessou a África, de sua costa atlântica até o Mar Vermelho; foi a primeira iniciativa francesa de investigação etnográfica no continente africano.

Pode-se dizer que o livro sintetiza a marcante pluralidade de interesses do autor. Sua leitura, pessoal, dos acontecimentos ao longo do trajeto e da pesquisa, interpenetra, ao estudo antropológico, a escrita autobiográfica – experiência levada ao limite, no final da década de 1930, com Espelho Da Tauromaquia [Cosacanaify, 2002, esgotado]. O texto, dessa maneira, não é um caderno de campo antropológico strito sensu, tampouco mero relato de viagem; reúne em si ambos gêneros, alinhando-os, ainda, a esboços de ficção, comentários políticos, registro de sonhos, obssessões confessionais. Leiris definiu-o como um “simples diário íntimo”. Seu texto, porém, denso, é inclassificável. Segundo o tradutor,  André Pinto Pacheco, “a prosa de Leiris mistura o literário e o coloquial, o impessoal e o íntimo”. Continue lendo

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Guia de Leitura

Corpo na América e alma na África

27 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

A relação entre raças e classes no Brasil é complexa; relação que reflete o paralelismo histórico entre passado e presente, e a compreensão de que são acepções categoricamente iguais do sistema econômico.

A escravidão, após ter sido proibida em nosso país, não foi, porém, punida. Houve, após 1831, um pacto implícito, cúmplice da continuidade, a partir de então, ilegal, do comércio atlântico de africanos. Segundo o historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro, como diz em artigo, assim; “Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade e do casuísmo da lei que marca nossa história e permanece como um desafio constante aos tribunais e a esta Suprema Corte. Conseqüentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.

O comércio humano do tráfico negreiro justifica por um lado o início da história da pobreza no Brasil. Por outro, a eterna condição estrangeira dos descendentes de escravos, cuja consequência é a pouca integração econômico social, crônica, insolúvel, a despeito de sua maioria numérica no país.

Para Alencastro, as raízes do Brasil não devem ser buscadas em nosso próprio território, mas numa zona econômica formada entre o solo brasileiro e o africano – zona híbrida, luso-brasileira, luso-africana: trajeto do tráfico negreiro. De acordo com o historiador, pode-se “com muita razão dizer que o Brasil tem o corpo na América e a alma na África”.

Propomos um encontro desta afirmação com a análise de Florestan Fernades: “a Abolição constitui um episódio decisivo de uma revolução social feita pelo branco e para o branco”; afirmação que assim explica: “Primeiro, porque o ex-agente de trabalho escravo não recebeu nenhuma indenização, garantia ou assistência; segundo, porque se viu, repentinamente, em competição com o branco em ocupações que eram degra­dadas e repelidas anteriormente, sem ter meios para enfrentar e repelir essa forma mais sutil de despojamento social”.

Afinal, qual a dimensão do legado da escravidão para a formação social brasileira?

 

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A biografia velada de Cabrera Infante

25 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
1965

1965

Corpos Divinos, do cubano Guillermo Cabrera Infante, acaba de ganhar uma edição brasileira. Trata-se de suas memórias, romanceadas; ou, nas palavras do autor, de uma “biografia velada”. A singularidade do olhar autobiográfico reconstitui de maneira vívida os dois anos narrados, do início de 1957 aos primeiros meses de 1959, decisivos tanto na vida de Cabrera Infante, como na história de seu país. O livro, inacabado, foi objeto de trabalho do autor por toda a sua vida.

Entre o período narrado, a vida do autor passa por diversas reviravoltas, ao mesmo tempo em que Cuba experimenta sua mais profunda revolução. Com uma elegância na escrita que o tornou admirado mundo afora, Cabrera Infante passeia por entre a história e a autonarrativa, ao mesmo tempo em que por entre a dicção refinada e o registro popular, através de saborosos jogos de palavras, de referências literárias, musicais e cinematográficas, de um singular humor irônico e, sobretudo, de um onipresente erotismo.

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Cosmopolítica do sonho

22 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
Rosie Tasman Napurrurla, Warlpiri 2002, Ngurlu Jukurrpa (‘Semente de grama; grão de arbusto em sonho"’). Warnayaka Art Centre, Lajamanu, and Aboriginal Art Prints Network, Sydney

Rosie Tasman Napurrurla, Warlpiri 2002, Ngurlu Jukurrpa (“Semente de grama; grão de arbusto em sonho”). Warnayaka Art Centre, Lajamanu, and Aboriginal Art Prints Network, Sydney

O interessante pensamento antropológico de Barbara Glowczewski pôde ser conhecido pelo leitor brasileiro no ano passado, com Devires totêmicos— Cosmopolítica do Sonho. O livro percorre sua trajetória intelectual e reúne onze textos de sua autoria, dentre os quais inclusive as profícuas e estimulantes discussões que travou com o psicanalista Félix Guattari, em seus seminários[i] no início da década de 1980.

Parte do livro perpassa as instigantes análises baseadas na observação do povo Warlpiri do deserto central australiano – objeto de estudo da antropóloga há mais de trinta anos – e a sua cartografia totêmica que, baseada nos sonhos, constitui seus territórios existenciais nômades através de desenhos corporais ou danças rituais. Em um dos ensaios, sugere relações entre suas análises e narrativas com as linhas de errância de Deligny. Há ainda textos que dialogam com conceitos abrangentes da antropologia e da filosofia, como o perspectivismo de Viveiros de Castro e a ecosofia de Guattari, abrindo seu leque de discussão para questões cosmopolíticas extremamente atuais.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Crítica ecológico-política

19 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

O lançamento do livro de Leonardo Boff, A Terra na palma da mão – uma nova visão do planeta e da humanidade, nos fez pensar a respeito da imbricação necessária, mas sobnegada, da crítica ambientalista em relação à crítica política. Pois Boff, frente às graves crises, sobretudo social e ecológica, e respondendo às reflexões do Papa Francisco sobre “o cuidado da Casa Comum”, para o qual exige-se “uma conversão ecológica global” e mudanças profundas “nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder”, analisa a gravidade da atual situação e pergunta-se: para onde está caminhando o planeta Terra e a humanidade?

A ecologia e a política não são dissociadas uma da outra. E sua relação perpassa o “mito do progresso”, do qual é preciso ressaltar as implicações éticas e políticas, que são encobertas por sua dimensão ilusória  o ocultamento da pobreza, a dissimulação do comércio da saúde, a grave crise ambiental que o mito do avanço histórico oculta. O discurso do progresso é apropriado por interesses sectários das elites para a legitimação de seu acúmulo irrestrito de riquezas e a previsão lógica de sua perpetuação, simplesmente catastrófica.

 

Isabelle Stengers, "No tempo das catástrofes"

Isabelle Stengers, “No tempo das catástrofes”

Isabelle Stengers, em No tempo das catástrofes, realiza uma interessante intervenção no debate atual sobre a relação entre homem e natureza. A autora sugere o rompimento do conceito de infinidade de recursos no planeta. Ela também indica a necessidade de que, diante das atuais mudanças e desastres climáticos, haja uma mudança, também, na postura da impotência humana e na negligência governamental. Sob esse viés, ressalta o papel do indivíduo e a importância do resgate da relação de cada homem com a terra, encarando-a como um ser vivente.

Em entrevista concedida à revista “ClimaCom – Cultura Científica”, Isabelle Stengers conta como surgiu a atual nova história que vivenciamos e que seu livro anuncia: “Tive a convicção de que algo importante estava se passando em 1995, quando uma sondagem anunciou que uma maioria de franceses achava que suas crianças não viveriam melhor do que eles viveram. Não confiavam mais no ‘progresso’. Depois, tivemos as repetidas crises financeiras… No tempo das catástrofes foi escrito antes dessas crises. Na época, as revoltas da fome ligadas à especulação financeira e a história do furacão Katrina já eram excelentes exemplos daquilo que poderia muito bem estar nos esperando no futuro. A explosão das desigualdades sociais, a desordem climática, a poluição… fariam sempre mais estragos, mas o rumo do crescimento e da competividade seria mantido. Escrevi esse livro para resistir ao desespero, e para aqueles e aquelas que tentam escrever uma outra história, apesar das dificuldades: foi dito que hoje em dia é mais fácil enxergar o fim do mundo e da civilização que o do capitalismo. Mas os que estão buscando, todos eles sabem que a impotência que ressentimos faz parte do problema”. Diz ela que não há razão para ser otimista; o Estado e o capitalismo são os responsáveis pela destruição do ser humano e de seus meios de sobrevivência e o único meio de reverter o quadro alarmante é a autogestão planetária. Segundo a autora: “há dez anos venho constatando que existem lutas de um estilo novo. O combate contra os organismos geneticamente modificados (OGM), por exemplo, recriou um pensamento político a respeito do tipo de agricultura e de mundo que estamos construindo. Ele soube reaproximar camponeses, para quem os OGM são uma nova expropriação; anticapitalistas em luta contra a empresa das patentes; cientistas alarmados com as consequências. Todos eles aprenderam uns com os outros, e é por isso que o movimento conseguiu causar embaraço àquilo que se propunha como um progresso incontestável. Depois, a insubmissão se enriquece, ampara-se de novas questões”.  Continue lendo

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A menina-flor

17 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Durante o dia mantinham-na o tempo todo a céu aberto, expondo-a o quanto possível diretamente ao sol. O lado vegetal de sua pessoa afastava qualquer perigo de insolação”.

Odilon Redon

Odilon Redon

Bertha, a menina-flor é uma das partes suprimidas do romance Locus Solus, do vanguardista Raymond Roussel (1877 – 1933).

A cuidadosa publicação, feliz ganho para o leitor brasileiro, veio a lume através do selo Armazém – comandado por Juliana Crispe e Marina Moros –, da editora Cultura e Barbárie. A ótima editora, sediada em Santa Catarina, publicou, em edições caprichosas, alguns livros de Roussel, entre eles o supracitado Locus Solus, Como escrevi alguns dos meus livros [edição bilíngue] e Piparote.

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A viagem como vocação

15 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de W.B. Seabrook, analisada por Michel Leiris em Documents, n. 8, 1930, p.461

fotografia de W.B. Seabrook, analisada por Michel Leiris em Documents, n. 8, 1930, p.461

Fernanda Arêas Peixoto, em A viagem como vocação – Itinerários, Parcerias e Formas de Conhecimento, propõe um tema que aproxima diferentes autores – Leiris, Gilberto Freyre, Roger Bastide, Oliveira Lima e Pierre Verger: as viagens, realizadas entre as décadas de 1930 e 1960 pelo Brasil, pela América Hispânica e pela África.

A análise é guiada pela revisão dos textos dos autores à luz das viagens que realizaram em contextos muito precisos. Mais do que teorizar sobre as viagens, o livro mostra o grande interesse despertado pelas produções que as viagens geram, entre correspondências, diários, fotografias etc, que são valiosos instrumentos para a recuperação de processos de confecção de conhecimento. Fernanda Peixoto mostra um verdadeiro “ateliê” do criador, que passa a ser entrevisto através das análises, um espaço de experimentações, que tende a ser excluído quando da apresentação pública das obras.

Para a autora, a viagem é forma de acesso à produção das ideias e do conhecimento, ela própria aparece como uma forma de estar – e ser – no mundo, definindo um espaço próprio, provisório, como o são os percursos e as ideias.

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Guia de Leitura

Literatura de cordel

12 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

A literatura de cordel é uma das mais ricas e genuínas formas de literatura popular mantidas no Brasil. Espontaneidade e rigidez na métrica pontuam as narrativas com a melodia poética das rimas, característica inconfundível. Contam seus cantos e contos que, oriunda de Portugal, chegou com a colonização à Bahia e, dali, irradiou-se para os demais estados do nordeste brasileiro e recebeu o nome de poesia popular.

 

 

J. Borges, "Cordel"

J. Borges, “Cordel”

A editora Hedra tem uma coleção de 22 volumes de livros de cordéis, representando alguns dos mais conhecidos cordelistas brasileiros. Entre os livros, alguns exemplos são: Zé Vicente – nome pelo qual era conhecido o cordelista paraense Lindolfo Marques de Mesquita –, Téo Azevedo – cantador, repentista e violeiro, foi autor de quinhentas histórias da literatura de cordel, mais de mil e quinhentas músicas gravadas por vários intérpretes, foi, durante quarenta anos, produtor musical e produziu mais de três mil trabalhos, lançou quinze cds como cantador e, por fim, ainda foi autor de catorze livros sobre cultura popular brasileira –, Neco Martins – primeira antologia representativa do cordelista citado por folcloristas do final do século XIX e a quem Câmara Cascudo, em 1939, referiu-se, em Vaqueiros e Cantadores –, Francisco das Chagas Batista, Cuíca de Santo Amaro.

J. Borges é um dos cordelistas mais (re)conhecidos no Brasil. Nasceu no município de Bezerros, em Pernambuco, em 1935. Em 1964, passou a dedicar-se exclusivamente a sua atividade artística de xilogravador e poeta popular. Participou de exposições na França, Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba. Recebeu, dentre diversos outros, o Prêmio Cultura promovido pela Unesco e a Medalha de Honra ao Mérito outorgada pelo Ministério da Cultura, ambos em 2000, pelo conjunto de sua obra. É um dos principais artistas populares atualmente em atividade no Brasil. Continua trabalhando ao lado dos filhos, em seu ateliê em Bezerros.

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Folclore brasileiro

11 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“aos cantadores e violeiros, analfabetos e geniais; às velhas cantadeiras de estórias maravilhosas, fontes perpétuas de literatura oral do Brasil, ofereço e consagro este livro que jamais hão de ler.”

gravura de Gilvan Samico

gravura de Gilvan Samico

Os dois volumes da Antologia do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, são uma referência única a aspectos do folclore e da etnografia brasileira.

Publicado originalmente em 1943, estimula, no leitor brasileiro atual, indagações sobre o paradeiro de tantas tradições da cultura popular. Há alguma nostalgia em relação a aspectos histórico culturais que a discrepância secular torna perceptíveis de uma maneira por demais abstrata, indiferenciando-nos em relação a tantos aspectos de nossos personagens formadores de cultura, a nosso passado, à nossa história? O que há em nós, enquanto povo, do chamado povo brasileiro de outros séculos? O que de nosso folclore já não é senão poético?  Continue lendo

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Guia de Leitura

Llansol

5 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Maria Gabriela Llansol (Lisboa, 24 de Novembro de 1931 – Sintra, 3 de Março de 2008) é conhecida como autora de uma obra inclassificável: seus livros transitam entre gêneros e esfarelam suas fronteiras, articulando e reunindo diário e romance, poesia e ensaio.

Sua escrita é enigmática e repleta de fulgor. Há uma estranheza e uma complexidade que envolvem toda sua obra.

Segundo Maria João Cantinho, em artigo publicado pela revista de estudos literários da Universidade de Madrid, Espéculo, o texto de Maria Gabriela Llansol abandona a literatura “para mergulhar no abismo – já não da literatura – mas da própria escrita, no que ela contém de perigosa implosão. E é nesse limiar de perigo, entre o exprimível e o inexprimível, que se sustenta o texto llansoliano”. De acordo com a crítica portuguesa: “Quando é pensável a leitura crítica sobre a obra, imediatamente vem à memória o noli me legere de Blanchot[1]Ressalte-se o precário do texto, a zona obscura em que ele se encerra, guardando em si o sentido. A resistência abre-se nessa incandescência da imagem; se, por um lado, ela (imagem-escrita) apela ao jogo das faculdades, para usar o termo kantiano; por outro, essa imagem fecha-se sobre si própria, transformando-se num interdito”.

 

 

Maria Gabriela Llansol, "Na casa de julho e agosto"

Maria Gabriela Llansol, “Na casa de julho e agosto”

Último dos livros da trilogia “Geografia de Rebeldes”, Na casa de julho e agosto, publicado originalmente em 1984, é, como afirma João Barrento no posfácio, o “livro do desencontro entre duas paisagens na história da Europa” e também o “livro das relações, e um roteiro de viagens – entre a Europa do norte e o litoral português”.

Denso, é feito de maneira fragmentária, narrado por personagens históricas – figuras religiosas, filósofos, artistas –  separadas por séculos, de maneira que o texto cria uma complexa trama de exílios e viagens ao redor do mundo ao largo de rios: o Tejo, o Eufrates, o Tigre. Os rios, uma vez que interligam vários países, são veios de partilha de culturas. Assim, são imagens da emancipação talvez da própria autora, que viveu em longo exílio, entre as décadas de 1960 e 80.

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lançamentos

A chamada política da identidade

4 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
Renina Katz, litografia [Sem título], 1977

Renina Katz, litografia [Sem título], 1977

O economista e escritor indiano Amartya Sem, professor da Universidade de Harvard, Prêmio Nobel de Economia em 1998, neste abrangente e agudo Identidade e violência, sustenta que a “violência assassina” que envolve o mundo é decorrência, por um lado, de infelizes confusões conceituais e, por outro, de ódios ancestrais. Lembrando que a identidade reconforta tanto quanto mata, o autor revê temas incontornáveis como a falsa oposição entre o Ocidente e o “Antiocidente”, o confinamento civilizacional e a liberdade de pensar e manifestar-se sem o temor de represálias, físicas e morais.

Na exacerbação das fronteiras, que gera a sempre crescente violência, está imiscuída a questão da degradação da identidade. Trata-se de uma ilusão identitária.

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história

Entre o certo e o certo

1 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“O fanatismo é mais antigo que as religiões, os estados, os sistemas políticos e os governos” – Amós Oz

Odilon Redon

Odilon Redon

Como curar um fanático – Israel e Palestina: entre o certo e o certo, reúne ensaios nos quais o escritor Amós Oz questiona e perspectiva as raízes e as consequências do fanatismo. Para ele, os violentos conflitos que multiplicam-se atualmente não são resultado de uma luta entre civilizações, ou luta social; nossa época, diz, padece de uma síndrome, uma luta entre fanáticos, incluindo todos os tipos de fanatismo, e o “resto de nós”: “Entre os que creem que os seus fins justificam os meios, todos os meios, e o resto de nós que julga que a vida é um fim em si mesmo”.

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Guia de Leitura

Da atualidade da Antiguidade romana – II parte

30 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Atendendo a pedidos dos leitores, propomos aqui uma continuação desta rota bibliográfica, somente uma das possibilidades de navegação do mar comum que nos é a história.

 

Tácito, "Anais"

Tácito, “Anais”

Os Anais são a obra mais representativa da maturidade intelectual do historiador Tácito, escrita entre o principado de Trajano e o de Adriano. Sua relevância estende-se da tradição historiográfica latina à formação do pensamento político ocidental.

A ênfase primária nos Anais recai sobre a narrativa das ações dos imperadores e na progressiva caracterização analítica biográfica de cada um, recurso utilizado por Tácitopara enfatizar o caráter praticamente monárquico do Principado. Sua narrativa histórica, pois, centra-se na figura do imperador e na cidade de Roma. A estrutura dos livros, considerada de maneira ampla, é fundada sobre blocos de caracterizações que formam uma continuidade entre si, cuja dinâmica forma um diálogo em que o processo de deterioração moral do Principado se torna gradualmente evidente.

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história

Filosofia e história e vice-versa

21 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

mapa da Inglaterra do século XVII

A História da Inglaterra, de David Hume, foi escrita em seis volumes, publicados originalmente entre 1754 e 1762. Considerando o estudo da história como momento privilegiado para iluminar a busca dos povos por sua liberdade e, por outro lado, acreditando não haver então na Inglaterra historiadores aptos a redigir a história daquela nação, pôs-se, o filósofo, a fazê-lo ele mesmo, com o intuito de se tornar o “primeiro grande historiador a escrever em língua inglesa”. Ele, naquele período, não contava com a notoriedade filosófica que consolidaria depois; foi justamente essa obra o grande êxito editorial que assegurou a fama e a segurança financeira.

Deste trabalho monumental, o filósofo Pedro Paulo Pimenta selecionou, organizou e traduziu textos capitais, capazes de oferecerem uma visão panorâmica sobre o desenvolvimento político e social da Inglaterra, além de fornecer valiosos elementos para a compreensão de seu pensamento moral e político. Este material selecionado permite, além do acompanhamento do processo de formação histórica da Inglaterra, a compreensão de como o contexto específico moldou os princípios naturais daquele povo, gerando costumes, manifestações científicas e artísticas e uma economia específicas.

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