Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

fotografia

Maldicidade

27 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de "Maldicidade"

fotografia de “Maldicidade”

Conhecido por um olhar lírico e crítico, o fotógrafo e múltiplo artista Miguel Rio Branco, em Maldicidade, reúne fotografias realizadas entre 1970 e 2010, que retratam cenas urbanas de metrópoles ao redor do mundo, no Japão, nos EUA, no Brasil, em Cuba, no Peru.

Não há textos ou ensaios incluídos no livro. As imagens formam seu próprio discurso, poderoso, expressivo, sensorial.

São retratos sobre a vida urbana, mas, também, enquadramentos de uma sub-história das cidades, suas entranhas. Miguel Rio Branco aponta sua câmera para baixo, não para os grandes monumentos históricos ou arquitetônicos das cidades, mas para os marginais oprimidos, para a vida arenosa onde encontram-se as rotas de busca de comida de cachorros de rua e os ônibus urbanos superlotados, onde mendigos dormem e vendedores ambulantes oferecem doces caseiros. Seu foco são os marginalizados, prostitutas, vira-latas e pessoas de baixa classe social. Através de fotos com cores vibrantes, e com montagens e recortes paralelos, o resultado evidencia o paradoxo urbano, o mal de toda cidade.  Continue lendo

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Artes Plásticas

Antropologia das imagens

24 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Sandro Botticelli

Sandro Botticelli

Os ensaios reunidos no livro A eloqüência dos símbolos – Estudos sobre arte humanista, foram escritos por Edgard Wind entre 1930 e 1970 e, portanto, abrangem panoramicamente sua produção intelectual. Wind, que foi o fundador da cadeira de História da Arte na Universidade de Oxford, foi aluno de Panofsky e Cassirer, dedicou-se a estudar, desde o início de sua carreira, os objetos artísticos à luz de seus contextos sociais. Sua especialização tornou-se a análise da herança da cultura clássica renascentista.

Nos textos dessa coletânea, Wind estuda temas como a filosofia da arte de Platão, o platonismo no “Quattrocento”, o universo religioso em Matisse e Rouault e a contribuição teórica de Aby Warburg.  Continue lendo

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lançamentos

“Pesquiso a forma no caos”

20 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Nossa medida de humanos

-Medida desmesurada-

Em Selinunte se exprime:

Para a catástrofe, em busca

Da sobrevivência, nascemos”

– Murilo Mendes, “As Ruínas de Selinunte”.

escadaSiciliana e Tempo espanhol foram publicados separadamente por Murilo Mendes em 1959. A editora Cosac Naify acaba de reeditá-los num volume único, com posfácio de Eduardo Sterzi. A publicação acompanha a tendência editorial a apostar em autores consagrados.

Os dois livros foram escritos pelo poeta ao longo das quase duas décadas em que viveu na Europa. Em ambos, sua poesia faz alusão a obras, monumentos e cidades do velho mundo. Por sua forma, tem em comum a concisão e um tom mais seco, distanciando-se do surrealismo que vinha inspirando sua poesia.  Continue lendo

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história

Aqui todos viramos bárbaros

17 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Araquém Alcântara

fotografia de Araquém Alcântara

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[…] Fizemos renascer o projeto de 1870, quando o otimismo brasileiro parecia exigir o impossível. E procuramos desempenhar a nossa tarefa com o afinco de uma guerra contra o crime que lesava as possibilidades do lucro cada vez maior. Derrubamos árvores seculares, enfrentamos e civilizamos selvagens que mourejavam na idade da pedra, aqui estamos trabalhando com a disposição de dar até a nossa própria vida porque é assim o gênio americano“.

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O escritor amazonense Márcio Souza é autor de mais de 20 livros. Mad Maria, um dos mais notórios dentre eles, escrito em 1980, é de atualidade metafórica desconcertante.

No final da primeira década do século XX, o governo brasileiro decide construir uma ferrovia na selva amazônica, obra mirabolante com o intuito de criar um caminho que contornasse as dezenove corredeiras mortais do rio Madeira, região de relevante passagem para os produtos importados e exportados pelos bolivianos – a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), que integraria uma região rica em látex na Bolívia com a Amazônia. Antes de terminadas as obras, 3,6 mil homens estavam mortos, 30 mil hospitalizados e uma fortuna em dólares desperdiçada na selva.

“[…] a ferrovia estava sendo construída num silêncio de certo modo planejado, ele já tinha sofrido muitos ataques através da imprensa devido à falta de lisura na concorrência pública, um deslize grosseiro de seu testa de ferro, o engenheiro Joaquim Catambri, homem um tanto autoritário e corrompido que realizara as transações sem esconder os detalhes escusos”. Na realidade, a região era tão inóspita que a construção ligaria nada a parte alguma. O romance narra um dos tantos absurdos lucrativos patrocinados pela história brasileira, contrapondo a construção da estrada em plena selva às negociatas envolvendo a relação político-econômica entre o construtor e concessionário, Percival Farquhar, com o novo governo do presidente Hermes da Fonseca e seu ministro da Viação e Obras Públicas, J. J. Seabra.  Continue lendo

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lançamentos

Biocapitalismo

13 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
gravura de Iberê Camargo

gravura de Iberê Camargo

O filósofo italiano Antonio Negri, em Biocapitalismo, analisa a crescente onda de ocupações do espaço público, fruto do que chama, com Espinosa, manifestações da “multidão” – tida como fonte de articulação de desejos represados e díspares, unidos na ocupação e construção de um espaço de resistência e de emancipação, balizando os termos da biopolítica.

O livro, com tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, acaba de ser lançada no Brasil pela editora Iluminuras.

Segundo o professor Márcio Seligmann-Silva, o pensamento de Negri dialoga com a história política da América Latina e, portanto, faz-se imprescindível para pensarmos nosso presente:“Antonio Negri tem tentado reinventar a política, sobretudo a prática das esquerdas, introduzindo e repaginando uma série de conceitos. Não por acaso, este livro, editado por Adrián Cangi e Ariel Pennisi, vem de uma obra compilada na Argentina: a escuta que Negri encontra na América Latina é particularmente grande. Temos muito a dialogar com sua obra”.

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Literatura

Lias, Rosinhas, Giselles, Cecílias, Odette

10 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

lapa

Luis Martins foi um grande cronista da vida boêmia do Rio de Janeiro. O bairro carioca da Lapa, com seus arcos e prostitutas, povoado por escritores e bebedores, tornou-se, sob sua letra, um universo literário vivo.

O romance de estréia de Martins, Lapa, publicado originalmente em 1936, mostra o bairro e a cidade de maneira crítica, escancara os meandros de sua miséria. Noturno da Lapa, lançado quase três décadas depois e vencedor do Prêmio Jabuti em 1965, contemporiza e retrata o cenário sob uma perspectiva mais amena.

Ambos títulos foram reeditados pela editora José Olympio e voltam às livrarias, integrando os títulos escolhidos como parte do projeto Biblioteca Rio 450, criado pela Prefeitura do Rio de Janeiro neste ano de data redonda para relançar títulos importantes para a história da cidade. As duas obras, indissociáveis, são vendidas em conjunto.   Continue lendo

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lançamentos

Prosa precisa

6 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Odilon Redon

O vento que arrasa, da argentina Selva Almada, vem sendo aclamado como a última grande revelação literária da América Latina.

O romance é ambientado no Chaco argentino e transcorre-se ao longo de somente um dia e meio na vida de Leni, uma moça de dezesseis anos, e de seu pai, um pastor que vive a percorrer o país em busca de sinais de Deus. Com problemas no carro, eles fazem uma parada na oficina mecânica do Gringo, onde conhecem o jovem Tapioca, rapaz que o pastor vê como uma alma iluminada e a quem, por isso, quer levar consigo na peregrinação.

Com tradução de Samuel Titan Jr., o livro acaba de ser lançado no Brasil pela CosacNaify. O volume conta com quarta capa de Beatriz Sarlo, para quem Selva Almada destaca-se no mapa da ficção por ser, não literatura urbana, nem sobre jovens, nem sobre marginais, mas uma literatura de província, regional frente às culturas globais, mas não uma literatura de costumes – ao contrário da literatura urbana que, diz Sarlo, tantas vezes é literatura de costumes sem ser regional.  Continue lendo

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matraca

Mundus Alter

3 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Leonilson

La Città Felice, ou A Cidade Feliz, é uma das primeiras utopias italianas, escrita em 1551 por Francesco Patrizi da Cherso (1529-1597), um dos protagonistas da fase de opúsculo do Renascimento italiano. A operetta foi escrita em Pádua, em 1551, e publicada em Veneza dois anos depois, reunida com outros escritos da fase de primeiros estudos do autor.

O autor foi incontestavelmente um dos maiores intelectuais do século XVI. Nascido em Cres, na atual Croácia, escreveu diversas obras, das quais se destacam o Trattato della Poetica, publicado em 1582, e o Della Retorica, em 1562.

Em sua cidade ideal, a cidade feliz, o amor reina e a reciprocidade, propaga-se. Diz o autor: […] a nossa cidade não deve ser infinitamente plena de pessoas, mas numa soma tal que, entre elas possam todas se conhecer, e feito melhor ainda, serão de várias sanguinidades e casais distintos. E de modo que o amor radical cresça e atinja uma perfeição tal, que faça fruto perfeito, quero que os convencidos públicos se nutram; os quais do público e no público se celebrem a cada mês pelo menos uma como era costume antigo do rei da Itália Italo, que antes de todos colocou este hábito em uso”Continue lendo

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lançamentos

Remixes visuais

30 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

augusto de campos_outro

O poeta Augusto de Campos acaba de lançar um novo livro, Outro.

“Eu mordo o que posso”, diz o poeta. O livro traz, segundo sua introdução, “novos poemas, intraduções e outraduções (remixes visuais). Achei curioso e ao mesmo tempo estranho o uso dessa palavra em discos americanos e custei a me dar conta de que se tratava de um termo musical, uma palavra-valise que sai do ‘in’ para o ‘out’, revertendo o sentido de INTRO. E que indica a diferente performance de uma faixa anterior ou algum outro ‘bonus’ – um ‘extro’. Outro outro. Outradução, extradução? Seja o que for, gostei da palavra ambígua.”

Há, ao fim do livro, indicações de clip-poemas, que podem ser vistos na internet.

Tendo passado doze anos sem publicar seus poemas em livro, Augusto de Campos declarou:

“E é com este OUTRO, que pode ser também o último bônus de meu trabalho  poético, que ouso ex-pôr estes novos poemas. Sobrevivente, para o bem ou para o mal, não posso deixar de completar o que comecei, o quanto me for possível”.  Continue lendo

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Literatura

Por entre minúcias

27 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
garvura de Evandro Carlos Jardim

garvura de Evandro Carlos Jardim

Uma parte interessante dos méritos da literatura de Beatriz Bracher repousa no cuidado com os detalhes. No romance Antonio, a narrativa é tecida dos encontros de minúcias. A mesma história é contada por diferentes personagens ao protagonista, pontuada, assim, pelas nuances narrativas, desdobrada ao longo da coerência das personalidades das personagens, através de suas maneira de ver e contar suas versões. Detalhes de trejeitos de fala, de tempo de raciocínio. As personagens ganham realidade através da construção de seus raciocínios, numa narrativa polifônica, pontuada como que por tensões musicais.

Benjamim, o protagonista, na iminência de ser pai, descobre um segredo familiar e resolve inquerir os envolvidos, para saber como foi que tudo aconteceu. Três deles, sua avó, Isabel, Haroldo, amigo de seu avô, e Raul, amigo de seu pai, contam-lhe, então, suas versões dos fatos. Unindo estes fragmentos de memórias alheias, Benjamin reconstitui a história de sua família.  Continue lendo

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lançamentos

O homem e a natureza

23 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Isaak Ilyich Levitan, 1892

Isaak Ilyich Levitan, 1892

A Companhia das Letras acaba de lançar a tradução feita por Rubens Figueiredo da novela A estepe – História de uma viagem, de Tchekhov.

Trata-se da primeira narrativa mais extensa do russo, então com 28 anos de idade e já reconhecido colaborador de jornais e revistas literárias, com suas prosas curtas.

O texto acompanha a viagem de um menino que parte para estudar em outra cidade e, para tanto, percorre por alguns dias a vasta estepe russa. Múltiplo, traça, através da experiência do protagonista, e aliada à rica descrição da paisagem natural, uma precisa interpretação sobre tipos humanos, sobre atividades econômicas e as relações sociais delas decorrentes. Percorre, assim, um panorama que atravessa mudanças de comportamento, individuais e coletivas.  Continue lendo

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matraca

Silêncio, beleza vulnerável

20 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Guignard

o nosso reino foi o primeiro livro publicado pelo português valter hugo mãe. Foi também o primeiro romance de sua tetralogia em letras minúsculas, composta por o remorso de baltazar serapião [2006], o apocalipse dos trabalhadores [2008] e a máquina de fazer espanhóis [2010].

Trata-se aqui da arrebatadora história de um menino de oito anos e sua vida numa pequena aldeia de pescadores portuguesa nos anos 1970, nos estertores do regime salazarista.

O próprio menino, Benjamin, é quem narra em primeira pessoa o texto, que descreve a sua busca para distinguir o bem e o mal. Pois, em meio à repressão da Igreja e aos trágicos acontecimentos a seu redor, o pequeno protagonista é tido ora como santo, ora como demônio.  Continue lendo

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lançamentos

Performance literária

16 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
"Untitled", obra de Pierre Huyghe

“Untitled”, obra de Pierre Huyghe

Enrique Vila-Matas foi convidado a participar da Documenta, maior exposição de arte contemporânea do mundo contemporâneo, realizada a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha. O escritor deveria realizar uma performance: sentaria à mesa em um restaurante chinês nas cercanias da cidade e escreveria – diante dos comensais, que poderiam aproximar-se e mesmo intervir.

Não há lugar para a lógica em Kassel surge assim, conforme o próprio autor define, como uma “reportagem romanceada” – uma mistura de diário de viagem que conta sua experiência, com uma profunda reflexão sobre a arte e a literatura contemporâneas.

Com o humor que lhe é peculiar, Vila-Matas coloca em inusitada perspectiva o papel do artista em uma Europa destroçada pela crise e reconstrói uma visão de mundo a partir do questionamento sobre a arte.  Continue lendo

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lançamentos

História, literatura, filosofia

13 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

montaigne_II

Antoine Compagnon é conhecido por realizar uma crítica literária cujo viés histórico a torna particularmente sensível às ideias filosóficas, artísticas e sociológicas . Nascido em Bruxelas, o autor é professor da Universidade de Columbia e do Collège de France.

Ao longo dos quarenta capítulos que compõem Uma temporada com Montaigne, ele retoma os Ensaios do filósofo em toda sua exuberância intelectual e profundidade histórica.

Com uma prosa tão clara quanto erudita, o livro é composto à maneira dos ensaios: como conversas – mesmo porque o livro originou-se de um programa radiofônico diário, em que as leituras foram apresentadas durante um verão. Compagnon vivifica a atualidade dos ensaios, enquanto formas ao mesmo tempo literárias e filosóficas, passando por temas como a mortalidade, os limites do conhecimento, a amizade, a construção da identidade.  Continue lendo

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lançamentos

Obra de um “hipocondríaco assumido”

2 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Honoré Daumier

Honoré Daumier

O escritor argentino Diego Vecchio acaba de ter lançada no Brasil uma edição de seu livro Micróbios. Vecchio participa da FLIP deste ano como um dos autores de destaque.

O livro é uma reunião de contos que oscilam entre a comédia e a tragédia. Sua criação literária surge como uma resposta psicanalítica non-sense. São nove narrativas, cada qual uma apresentação de um caso clínico raro, descritos em chave freudiana – cada uma das personagens sofre de uma enfermidade, causada pela leitura e pela escrita.

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