Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

Literatura

O caso Meursault

8 novembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Imagine só, meu irmão poderia ter ficado famoso se o seu autor tivesse ao menos dignado a lhe atribuir um nome, H’med, Kaddour ou Hammou, apenas um nome, ora! Mamãe poderia ter conseguido uma pensão como viúva de mártir, e eu teria um irmão conhecido e reconhecido do qual poderia me vangloriar. Mas, não, ele não lhe deu nenhum, porque, senão, meu irmão criaria um problema de consciência para o assassino: não se mata um homem facilmente quando ele tem um nome”.

Romance vencedor do Goncourt, principal prêmio literário da França, O caso Meursault, do jornalista e escritor argelino Kamel Daoud, foi lançado no Brasil pela Biblioteca Azul da Editora Globo em julho deste ano, com tradução de Bernardo Ajzenberg. Aclamado pela crítica francesa, também vencedor dos prêmios Cinco Continentes e François Mauriac, o romance reescreve a história do assassinato descrita n’O estrangeiro, de Camus, porém, sob o ponto de vista do irmão do árabe morto na praia por Meursault, o protagonista camusiano.

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Unidos, venceremos

19 outubro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Amilcar de Castro

São inúmeros os casos de conflitos, conspirações sórdidas, traições sujas e confrontos armados entre marxistas e anarquistas. Porém, em Afinidades revolucionárias: nossas estrelas vermelhas e negras – Por uma solidariedade entre marxistas e libertários, Olivier Besancenot e Michael Löwy buscam, justamente, salientar a solidariedade histórica entre militantes anticapitalistas de todas as vertentes.

O livro foi publicado pela Editora Unesp, com tradução de João Alexandre Peschanski e Nair Fonseca, e será lançado pelos autores no próximo dia 24. O lançamento, promovido pela Editora Unesp em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, promoverá um debate, que além de Löwy e Besancenot, contará com pensadores de esquerda como Isabel Loureiro, Fabio Mascaro Querido, Francisco Foot Hardman. O evento acontecerá na segunda-feira, às 19h, no auditório da Editora Unesp [Praça da Sé, 108]. Continue lendo

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Menos que um

6 outubro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Catherine Keun, Dissection, gravura em metal

Joseph Brodsky  – pseudônimo de Iosif Aleksandrovich Brodsky, em russo, Ио́сиф Алекса́ндрович Бро́дский -, grande poeta e ensaísta russo, ganhador do Prêmio Nobel de literatura em 1987, foi preso na União Soviética em 1964, acusado de ser um “parasita social”; dois anos depois de deixar o “gulag”, deixou a Rússia comunista pela América e, exilado, naturalizou-se estadunidense – motivo da dissonância formada pela composição do nome pelo qual ficou conhecido.

Em sua poesia, muito celebrada nos Estados Unidos, coexistem os assuntos do tempo e do espaço, do amor e da morte; suas metáforas, segundo Carlos Leite, tradutor de Brodsky em Portugal, “geralmente não são precisas em termos visuais, mas improváveis, exageradas, implausíveis mesmo. Decorrem mais da persistência do pensamento, da dificuldade de pensar, do que do simples olhar, fotográfico ou contemplativo”.

Em seus ensaios, ele segue à risca um de seus princípios: “A biografia de um escritor está nos meandros de seu estilo”. Examinando uma vasta gama de assuntos, da esfera poética à política, da autobiografia à história cultural, os ensaios reunidos em Menos que um mostram sua poesia e sua prosa são manifestações complementares entre si de sua erudição, ironia e lirismo.

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Consciência social da morte

29 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Frederik Ruysch, 1744 [National Library]

Originalmente publicado em 2007, Uma história social do morrer, do médico e sociólogo Allan Kellehear, foi recentemente lançado no Brasil, com tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo, pela editora Unesp. O livro insere-se em uma zona híbrida de encontro entre ciências médicas e biológicas com história cultural e sociologia. Trata-se da maior revisão das ciências clínicas e humanas sobre a conduta humana da morte.

A abordagem histórica do livro perspectiva nossas recentes percepções de mortes por câncer ou doenças terminais em um contexto ampliado, histórica, epidemiologica e globalmente. Seu exame começa com o início da consciência da mortalidade, na Idade da Pedra. Passa pela preparação para a morte nas aldeias rurais das culturas de assentamento e pela gestão do processo da morte por profissionais terceirizados nas cidades. Por fim chega à Era Cosmopolita, nossa era globalizada, em que o morrer se configura cada vez mais como um ato vergonhoso, trágico e antissocial. Assim, para o autor, o comportamento que conhecemos e temos diante da morte atualmente vem sendo construído ao longo de milhares de anos.

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O homem sem doença

28 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Após o banho, senta-se no chão de pernas cruzadas, diante da janela, para olhar a vista da cidade. Já não sabe se deve estar satisfeito ou insatisfeito, se deve estar feliz ou se abandonar ao pressentimento de tristeza que se situa em algum ponto de seu íntimo. Como quando se sente uma forte vontade de fazer xixi, mas não sai nada: tal é a sua tristeza.”

gravura de Paul Klee [água-tinta]

O aclamado escritor holandês Arnon Grunberg encerrou neste domingo o ciclo de encontros e conversas com o público que realizou em São Paulo e Santos para o lançamento de O homem sem doença, agora publicado no Brasil pela editora Rádio Londres, com tradução de Mariângela Guimarães.

O romance é um impiedoso ato de acusação contra o idealismo e a hipocrisia do Ocidente. Característica comum nos romances de Arnon Grunberg, a um só tempo diverte e choca o leitor.

Como bem disse o escritor e crítico Carlos Schroeder, em sua coluna de literatura no jornal Diário Catarinense: O homem sem doença é uma crítica ao mesmo tempo trágica e cômica à época em que vivemos, com profundas reflexões sobre justiça, humilhação, falso senso de segurança e os excessos da arquitetura moderna. Mais um grande livro deste autor contundente e indispensável”.

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O ateísmo não é tão fácil como parece

22 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] a religião segue a trajetória da arte e da sexualidade, dois outros principais elementos do que poderíamos chamar esfera simbólica. Também tendem a passar da propriedade pública para mãos privadas à medida que avança a Idade Moderna. A arte que outrora louvava Deus, lisonjeava um senhor, entretinha um monarca ou celebrava as proezas militares da tribo passa a ser basicamente uma questão de autoexpressão individual”.

Salvador Dalí, da série de gravuras feitas para ilustração de “A Divina Comédia”, de Dante [c. 1960]

Acaba de ser publicado no Brasil o livro A morte de Deus na cultura, de Terry Eagleton, com tradução de Clóvis Marques, pela editora Record. Eagleton investiga as contradições, dificuldades e significados do desaparecimento de Deus na era moderna; de acordo com sua apresentação ao volume: “Este livro fala menos de Deus que da crise gerada por seu aparente desaparecimento. Com isso em mente, parto do iluminismo para no fim chegar à ascensão do Islã radical e à chamada guerra ao terror. Começo mostrando de que maneira Deus sobreviveu ao racionalismo do século XVIII e concluo com seu dramático ressurgimento em nossa época supostamente sem fé. Entre outras coisas, esta narrativa tem a ver com o fato de que o ateísmo de modo algum é tão fácil quanto parece”.

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Conversações com Goethe

19 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

– Só nos causa espanto – replicou Goethe – porque nosso ponto de vista é demasiado estreito para nos permitir compreendê-lo. Se ele nos fosse ampliado, talvez constatássemos que também esse aparente desvio provavelmente se encontra no âmbito da lei. Mas continue, conte-me mais. Sabe-se, por acaso, quantos ovos o cuco pode pôr?

Leonardo da Vinci, Estudo preliminar para a pintura “Battaglia di Anghiari” (1503-1504)

Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida – 1823-1832, de Johann Peter Eckermann (1792-1835), acaba de ganhar uma edição primorosa no Brasil pela Editora Unesp, com tradução de Mario Luiz Frungillo, professor de Teoria Literária na Unicamp. Trata-se, como disse Otto Maria Carpeaux, de um testemunho da universalidade de interesses, da lucidez de julgamento e da sabedoria octagenária do grande poeta. Para Benjamin, as Conversações tornaram-se “um dos melhores livros em prosa do século XIX”.
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Entre letras e números

8 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“A matemática, como utilizada na ficção por Borges e Perec, permite ampliar potencialmente essa multiplicidade de mundos possíveis”.

Geraldo de Barros

Jacques Fux arrebatou a crítica literária com seu premiado Antiterapias. Com o lançamento de Literatura e matemática, pela editora Perspectiva, mostra que sua prosa ensaística é tão intensa e arguta quanto a literária.

Questionando, como indica desde o título, que relações a literatura pode estabelecer com a matemática, Fux analisa o papel do conhecimento matemático nas obras de Jorge Luis Borges e Georges Perec e, entre elas, estabelece diálogos e relações nunca desta forma equacionadas, relações em que a disposição dos elementos os reverbera uns nos outros, de forma reciprocamente potencial. Para embasar algumas destas relações, Fux investiga de maneira minuciosa o grupo literário francês OuLiPo, do qual Borges, diz, é espécie de “plagiário por antecipação”.

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Sátiras e subversões

24 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Morro Agudo

Noticiam os jornais que os moradores de ‘morro Agudo’, localidade situada à margem da Estrada de Ferro Auxiliar à Central, protestaram contra a mudança de nome da respectiva estação, mudança imposta pela diretoria da Estrada que precedeu à atual.

Vem a pelo lembrar de que forma horrorosa os mesmos engenheiros vão denominando as estações das estradas que constroem.

Podemos ver mesmo nos nossos subúrbios o espírito que preside tal nomenclatura.

É ele em geral da mais baixa adulação ou senão denuncia um tolo esforço para adquirir imortalidade à custa de uma placa de gare”.

Xilogravura de Lívio Abramo

Célebre por grandes obras como Recordações do escrivão Isaías Caminha ou Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto é, no entanto, autor praticamente desconhecido pelo público brasileiro, se levarmos em conta os 164 textos, inéditos em livro, reunidos neste formidável Sátiras e subversões, organizado por Felipe Botelho Corrêa, lançado no início do mês pela Companhia das Letras.

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Literatura

A exposição luminosa do lodo não é retórica

18 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Gustave Doré [1832-1883], ilustração para o “Paraíso perdido”, de Milton.

Vencedor do Prêmio Rio de Literatura, o romance Anatomia do paraíso traz a lume mais uma vez a singular expressividade literária da escritora Beatriz Bracher, através de uma narrativa densa e profunda.

O romance acompanha a história de um jovem estudante de classe média que escreve uma dissertação de mestrado sobre o Paraíso perdido (1667), poema épico de John Milton que narra a queda do homem e a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Sua história, porém, desdobra-se em simultâneos planos, que se encontram, imbricam-se, ressoam-se, amalgamando em si a articulação de suas reflexões sobre a obra de Milton, de sua observação da dura vida de sua vizinha Vanda, que se divide entre trabalho, estudo e os cuidados com a irmã mais nova, de sua percepção do delicado processo de amadurecimento desta última.

A narrativa, por vezes vertiginosa, é dramática na medida em que as trajetórias dos personagens cruzam-se com os temas do Paraíso perdido – sexo, violência, pecado, culpa, traição, morte e redenção. Continue lendo

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O interregno em que vivemos

15 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] No fim das contas, entre a Babilônia imaginada por Borges e o mundo que a modernidade outrora nos prometeu – que JeanPaul Sartre captou na frase sublime ‘le choix que je suis’ (‘a escolha que eu sou’) – jaz o interregno no qual estamos vivendo agora: um espaço e um tempo estendidos, móveis, imateriais, sobre os quais reina o princípio da heterogenia de fins, talvez como nunca antes. Uma desordem que é nova, mas ainda assim babélica”.

gravura de Evandro Carlos Jardim

Babel – Entre a incerteza e a esperança, novo livro do grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman, escrito em co-autoria com o jornalista italiano Ezio Mauro, acaba de ser lançado no Brasil pela Zahar, com tradução de Renato Aguiar.

Sob a forma de um amplo diálogo, os autores discutem os impasses do capitalismo globalizado, os perigos do enfraquecimento da democracia e o papel da esperança que resiste, ainda que no meio movediço que abarca as relações incertas de nosso tempo.  Continue lendo

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Literatura

A exposição das rosas

20 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] eu não morrerei uma vez, mas duas. Que diabo você fica olhando? É uma coisa simples. Agora mesmo poderei interpretar para você uma agonia que deixaria até o Ularik satisfeito. Depois, se necessário, você poderá filmar a agonia verdadeira também. Você terá duas mortes e poderá aproveitar no documentário aquela que estiver melhor”.

Gravura do húngaro Gabor Peterdi [Jane Haslem Gallery]

A Editora 34 reeditou a obra inaugural de sua ótima coleção Leste, publicada originalmente no Brasil em 1993.

A exposição das rosas, do escritor húngaro István Örkény (1912-1979), reúne duas novelas que, exemplares da notória da sátira e humor negro do autor, abordam com ironia a história recente da Hungria – sobretudo satirizando o militarismo e os frágeis valores da classe média. Ambas foram traduzidas diretamente do húngaro por Aleksandar Jovanovic. O volume conta também com prefácio de Nelson Ascher.

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A oleira ciumenta

14 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Há milênios, sob todas as suas formas – barro esmaltado ou não, faiança, porcelana – a cerâmica está presente em todos os lares, humildes ou aristocráticos. Tanto que os antigos egípcios diziam “meu pote” para dizer “meu bem”, e nós mesmos, quando falamos em reparar danos de qualquer espécie, ainda dizemos ‘pagar os vasos quebrados’ [payer les pots cusses].”

Cerâmica tapajônica

Um percurso por entre os meandros do complexo terreno dos mitos ameríndios, cujos passos foram registrados neste profundamente interessante A oleira ciumenta. Lévi-Strauss põe em relação a figura da oleira, da ceramista, com o sentimento do ciúme, estabelecendo a partir dela uma ramificação de analogias com as mais diversos tribos e povos.

O último capítulo do volume, “‘Totem e Tabu’ Versão Jivaro”, é inteiro dedicado ao diálogo crítico entre o estruturalismo e a psicanálise. Lévi-Strauss combate, em Freud, sua suposição de afinidade entre neuróticos, crianças e primitivos. O antropólogo também põe em questão a primazia do “código sexual” na interpretação dos símbolos míticos e oníricos.

Ao longo do livro, pode-se saber o que há de comum entre um pássaro insectívoro, a arte da olaria e o ciúme conjugal, ou entre o pensamento especulativo dos índios e o dos psicanalistas, ou mesmo entre uma tragédia de Sófocles e uma comédia de Labiche. Continue lendo

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Luzes e sombras

11 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Este livro é uma discussão a respeito das sombras e de seu papel em nossa experiência visual. Mais especificamente, justapõe as noções modernas sobre as sombras às do século XVIII, com a finalidade de tirar proveito de uma tensão entre elas. Naturalmente, outros períodos históricos também tiveram ideias interessantes a respeito das sombras, mas não é deles que trata esse livro”.

Anotações de Leonardo da Vinci sobre a percepção visual

Recuperando as teorias oitocentistas da percepção visual, com o apoio da ciência cognitiva contemporânea, da história da arte e de vasta bibliografia especializada, o professor de história da arte Michael Baxandall, em Sombras e luzes, discute o papel das sombras na representação que se tem das formas, assim como os significados diversos que elas podem assumir.

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Literatura

Ideologia da natureza

7 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Guillaume Azoulay, “Deux Bison”

Butcher’s Crossing, de John Williams, subverte a imagem romântica do West estadunidense.

Na década de 1870, Will Andrews, um jovem de 23 anos, desiste de Harvard e resolve sair da casa paterna, abandonando o opulento estilo de vida da classe média bostoniana. Viaja, então, para o West, em busca de uma forma mais autêntica de viver, para descobrir na natureza o seu “eu inalterado”. Acaba indo parar em Butcher’s Crossing, um pequeno povoado solitário, perdido na vastidão da pradaria do Kansas, reduto de uma pequena comunidade de negociantes de peles e rudes caçadores de búfalos. Em pouco tempo o protagonista trava amizade com um caçador e os dois, com mais outros dois homens, montam uma expedição de caça a búfalos nas Rochosas do Colorado. A caçada, marcada por desafios físicos extremos – sede, frio, calor, exaustão – e por um isolamento quase total, beira os limites da sobrevivência. Para Will Andrews, debilitado pela fadiga e absorto na contemplação da linda paisagem, a aventura representará uma experiência existencial de amadurecimento que, entretanto, é permeada por características quase oníricas.  Continue lendo

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