Arquivos da categoria: poesia

matraca

Poeta polifônico

30 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Por que a poesia tem que se confinar

às paredes de dentro da vulva do poema?

por que proibir à poesia

estourar os limites do grelo

da greta

da gruta

e se espraiar além da grade

do sol nascido quadrado?

[…]

[trecho de “Exterior”]

 

A antologia Poesia total reúne pela primeira vez a obra poética completa de Waly Salomão, desde Me segura qu’eu vou dar um troço, passando por Gigolô de bibelôs, Algaravias, LábiaTarifa de embarque, até a publicação póstuma Pescados vivos. O volume traz ainda uma seção de canções inéditas em livro, além de apêndice com alguns dos mais relevantes textos críticos sobre sua obra, escritos por Antonio Cícero, Francisco Alvim e Davi Arrigucci Jr, entre outros.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

De volta à terra

17 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro onde o céu descasca, de Lu Menezes, é tido como um dos livros mais bonitos publicados nos últimos anos no Brasil. Sua poesia desenvolve-se sobre cenários imperfeitos, transitórios, imensuráveis. Os assuntos que lhe servem como meio entroncam-se entre a solidão e o medo, a crença e a descrença, através de janelas a esmo, sotaques e paisagens distantes, palmeiras ao vento. Desvendando e decifrando enigmas naquilo que parecia evidente, seus versos exigem uma sensibilidade necessária para ultrapassar a compreensão.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Nas pálpebras do tempo

10 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Muitos poetas chegam a escrever grandes poemas, poucos compõem uma grande obra”, Alcides Villaça disse sobre Ferreira Gullar. Sobre si, Villaça observa que não compõe livros; simplesmente escreve poemas, de forma assistemática, e os reúne em livros. Foi assim com este Ondas curtas, coletânea de 71 poemas inéditos escritos ao longo dos últimos anos. Alcides Villaça é o professor especialista em literatura brasileira na Universidade de São Paulo. Como crítico, já realizou trabalhos importantes de análise sobre as obras de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar (poeta que analisou em seu doutorado, defendido em 1984, sob o título “A poesia de Ferreira Gullar”) e Manuel Bandeira.

Ondas curtas, lançado no final de março pela Cosacnaify, é o seu quarto livro de poesia. Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Poesia delirante

8 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Gravura original de Hans Bellmer – Les Chant de Maldoror,1971.

Isidore Lucien Ducasse, sob o pesudônimo Conde de Lautréamont, tornou-se conhecido como um dos poetas mais instigantes do século XIX. Nascido em Montevidéu, “nas costas da América, na foz do La Plata”, como diz o Canto I da sua obra-prima Os Cantos de Maldoror, ao final da infância mudou-se com o pai para a França. Ali, desenvolveu uma poesia que, por André Breton, foi considerada um dos precursores do surrealismo, e que fascinou autores tão diversos como Malraux, Gide, Neruda e Ungaretti. Lautréamont, porém, morreu aos 24 anos, em 1870, desconhecido. Somente dezesste anos depois de sua morte começou a tornar-se o mito que é hoje em dia, graças a sua extraordinária ousadia e à criatividade completamente livre de seu texto. O filósofo Gaston Bachelard foi um dos primeiros a formular em um livro seu comentário à obra de Lautréamont, em 1939. Octavio Paz, por exemplo, com a linguagem de um Maldoror, disse: “A história da poesia moderna é a de um descomedimento. […] O astro negro de Lautréamont preside o destino de nossos maiores poetas”.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

Agradável melancolia

31 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

9788573265521

Fruto de aulas proferidas no Collège de France, o ensaio A melancolia diante do espelho esmiúça a potencialidade intelectual – filosófica e poética –, do estado de espírito melancólico. Starobinski examina, com erudição e sensibilidade, três poemas de As flores do mal, de Baudelaire. Para ele, o poeta seguiu caminhos que renovaram o tema da melancolia na arte ocidental. A melancolia, nesse sentido, seria um meio pelo qual os signos verbais são também sintomas de uma condição humana, complexa, percebida pela riqueza da figuração da melancolia. O interessante livro acaba de ser publicado pela Editora 34, com tradução de Samuel Titan Jr.

Continue lendo

Send to Kindle
história

Entre a história e a poesia

28 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O tema deste livro é a tradição moderna da poesia. A expressão não só significa que há uma poesia moderna, como que o moderno é uma tradição. Uma tradição feita de interrupções, em que cada ruptura é um começo. Entende-se por tradição a transmissão, de uma geração a outra, de notícias, lendas, histórias, crenças, costumes, formas literárias e artísticas, idéias, estilos; por conseguinte, qualquer interrupção na transmissão equivale a quebrantar a tradição. Se a ruptura é destruição do vínculo que nos une ao passado, negação da continuidade entre uma geração e outra, pode chamar-se de tradição àquilo que rompe o vínculo e interrompe a continuidade?

 

Octavio Paz, poeta, crítico e ensaísta dos mais relevantes do século XX, tem no Brasil parte de sua obra crítica relançada pela Cosacnaify, em parceria com a editora mexicana Fondo de Cultura Económica. Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

lirismo metalinguístico, poética acadêmica

19 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] A experiência da imagem, anterior à da palavra, vem enraizar-se no corpo. A imagem é afim à sensação visual. O ser vivo tem, a partir do olho, as formas do sol, do mar, do céu. O perfil, a dimensão, a cor. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência: primeiro e fatal intervalo. Pascal: ‘Figure porte absence et présence’.

O belo livro O ser e o tempo da poesia, do professor e crítico literário Alfredo Bosi, foi publicado originalmente em 1977, pela Editora da Universidade de São Paulo. Em 2000, foi trazido de volta ao mercado editorial brasileiro pela Companhia das Letras. Interessado pela investigação do “ser” e da “origem” da poesia, numa chave de leitura que retoma ideias desenvolvidas pelo filósofo italiano Vico, ele procura pensar o primado da linguagem poética em uma nova ordem de valores – a alteridade estranha das coisas e dos homens, o pensamento humano enquanto sonoro, a formação de imagens, o ritmo do discurso poético a música na linguagem.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

A matéria da poesia

18 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.

Um dos poemas utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Lavorare stanca

17 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Trabalhar cansa foi o livro de estreia de Cesare Pavese (1908-1950), um dos escritores italianos mais importantes do século XX. Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, as poesias aqui reunidas retratam as noites insones das cidades, povoadas pelas figuras de proletários, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seus dramas diários.

Escrito no contexto da Itália fascista, Trabalhar cansa é um marco de renovação e revitalização da poesia italiana, até então dominada por tendências mais herméticas da “poesia pura”. Depois dessa primeira experiência poética, Pavese passou a dedicar-se quase exclusivamente à prosa, como em Diálogos com LeucóContinue lendo

Send to Kindle
Literatura

Partitura literária

14 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Frans Krajcberg, Sem Título.

a pedra lisa tem

escamas

 

O interessante livro Totens, de Sérgio Medeiros, foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, na categoria Poesia. Seu trabalho desenvolve-se a partir de um inusitado entroncamento, que ele encontra entre a poesia e a antropologia.

Totens reúne dois dos trabalhos mais recentes de Sérgio Medeiros: “Enrique Flor”, que recria uma passagem do Ulysses de Joyce, em que aparece o músico português Flor, especialista em “música vegetal”; o segundo trabalho, “Os eletoesqus”, reinventa uma lenda da fronteira do Brasil com o Paraguai sobre um totem que é o bafo do verão, um sopro ardente.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Uma chama afirmativa

11 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Boa publicação da Companhia das Letras – uma das poucas no Brasil que contempla o poeta, lançada pela primeira vez em 1986 e reeditada no ano passado –, esta edição bilíngue traz cinquenta dos principais poemas de W. H. Auden, traduzidos por José Paulo Paes e João Moura Jr. o livro é composto por textos escritos desde 1927, quando ele primeiro definiu publicamente suas posições estéticas no que ficou conhecido como “O Manifesto de Oxford Poetry”, até 1973, ano da morte do poeta. Selecionados por João Moura Jr., os textos procuram apresentar um panorama que abarque, conforme disse o organizador, “na medida do possível, as várias fases da obra poética de Auden, que foi um poeta prolífico”. A poesia de Auden partiu da experiência do modernismo, aproveitando a contribuição de Ezra Pound e T. S. Eliot, porém afastando-se do viés reacionário político expresso por ambos para expressar-se numa linguagem pessoal – que todavia não torna-se alheia às grandes questões de sua época. Além da tradução dos poemas, José Paulo Paes escreveu, para esta antologia, um estudo introdutório sobre a vida e sobre a poética do autor. O volume conta ainda com um interessante ensaio a respeito de Auden escrito pelo poeta russo Joseph Brodsky.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Somente a morte é passageira

28 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Alberto Szpunberg é um poeta argentino. Recebeu na Espanha o Prêmio de Poesia da Universidade de Alcalá, em 1983, e, em 1994, o Prêmio Internacional de Poesia Antonio Machado. Sua obra já foi traduzida para o polonês, alemão, tcheco e francês.

A editora argentina Entropía acaba de lançar em um volume sua poesia reunida, sob o título Como sólo la muerte es pasajera. Segundo o poeta Juan Gelman, “a obra reunida de Alberto Szpunberg mostra como sua poesia se ramificou como uma árvore de esplêndida folhagem de galhos consistentes. Este grande poeta consegue desbravar os lados mais obscuros da palavra que vem do real e ele a devolve carregada de beleza e de verdade. Essa publicação é um acontecimento que nenhum amante da poesia pode relevar. Seria um esquecimento imperdoável de si mesmo”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Um tempo ininterrupto de linguagem

26 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Invenção de Orfeu, escrito em 1952, é um dos grandes poemas da língua portuguesa e testamento literário de Jorge de Lima, considerado o mais imagético dos poetas brasileiros. Retomando o antigo mito de Orfeu, o poema, mistura de épico e lírico, reflete sobre a criação artística, através de imagens poderosas e estranhas, em versos de musicalidade única que dialogam com a lírica de Camões.

Em parceria, as editoras CosacNaify e Jatobá, homenageando a data de sessenta anos de morte do poeta alagoano, publicaram no final do ano passado esta edição especial, que conta com texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade – professor da USP –, além de ensaios de Murilo Mendes, João Gaspar Simões e Mário Faustino. A edição traz ainda documentos inéditos: datiloscritos anotados pelo autor, carta de Ezra Pound e reproduções de época.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Inacabado

12 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

 

“Como deixar a marca do seu caminho em um mundo que devora tudo tão rapidamente? Acho que o que persigo é dar voz às pessoas, objetos e lembranças que não teriam espaço no mundo dos grandes espetáculos. Persigo alguma permanência em um espaço em que tudo se dissolve”.

 

O poeta e jornalista mineiro Donizete Galvão teve durante sua vida sete livros publicados, entre os quais Azul Navalha (1998), que lhe rendeu o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e indicação para o Prêmio Jabuti, e, mais recentemente, O Homem Inacabado (2010), livro que foi finalista do Portugal Telecom e segundo colocado no Prêmio da Bienal de Poesia de Brasília.

Um poeta sensível à brutalidade da vida urbana, que conscientemente fugiu do puro do esteticismo vazio e optou por versos tradicionais, compostos sem o experimentalismo de alguns contemporâneos: “Não sinto essa necessidade imperiosa de ser experimental para estar em sintonia com o caos contemporâneo. No meio dessa avalanche de videoclipes, citações, paródias, me parece que querer desestruturar a linguagem seja mais conservador”, Continue lendo

Send to Kindle
cinema

Cinema político e poético

4 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia: Abbas Kiarostami

Reeditado no final do ano passado, o livro Abbas Kiarostami é a primeira publicação no Brasil consagrada ao diretor iraniano. O volume reúne mais de cinquenta fotos realizadas no Norte do Irã, três textos de autoria do próprio Abbas Kiarostami, além da relação completa de sua filmografia, comentada. Os textos foram separados numa seção intitulada “Duas ou três coisas que sei de mim”, que compreende: “Fotografia e natureza”, no qual o diretor fala sobre sua atividade fotográfica, sobre suas concepções sobre a arte do enquadramento e sobre a paixão pela natureza; “No trabalho”, uma autobiografia, desde a fundação do departamento cinematográfico estatal Kanun até a concepção de seus longas-metragens; “Uma boa boa cidadã”, crônica emocionante sobre a “perseguição” do cineasta a uma menina de rua na Avenida Paulista, que remexe as lixeiras à procura de comida; e, por fim, quatro poemas inéditos.

Continue lendo

Send to Kindle