Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

Literatura

O senhor quer falar?

1 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Edvard Munch

O interessante livro A alma do mundo, do uruguaio Felipe Polleri, percorre o diálogo entre um paciente e sua psiquiatra.

Através da exploração das complexas entranhas do inconsciente, em que coabitam os limites da loucura e da reflexão. Concebido quase como uma obra teatral, o interrogatório psiquiátrico esmiúça uma mente angustiada de um personagem em que coabitam mundo paralelos, radicalmente antagônicos.

Uma peça literária ousada e original, que mostra como coabitam os antagonismos da fantasia e do realismo na peculiar captação do mundo de cada subjetividade.  Continue lendo

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Assunto encerrado?

30 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Escrever não consiste mais em narrar, mas em dizer que se narra, e aquilo que se diz se identifica com o próprio ato de dizer: a pessoa psicológica é substituída por uma pessoa linguística ou até gramatical, definida apenas por sua posição no discurso”.

Il Vangelo Secondo Matteo, Pasolini

Além de escritor de algumas das mais interessantes prosas fantásticas da história da literatura, desenvolvidas nas pequenas fendas das possibilidades do incontornável, Italo Calvino é também conhecido como um dos ensaístas mais brilhantes do século XX, profícuo crítico literário e crítico da cultura. Em Assunto encerrado – Discursos sobre literatura e sociedade, publicado originalmente em 1980, o italiano reuniu parte de sua crítica que ele mesmo julgava a mais representativa de seu percurso intelectual.

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Meu caro Carlos Drummond

29 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

A Companhia das Letras acaba de trazer de volta às livrarias a correspondência recebida por Carlos Drummond de Andrade pelo amigo Mário de Andrade.

Os dois escritores conheceram-se em 1924, durante uma viagem de Mário a Minas Gerais. Mário, então, já era um proeminente escritor, enquanto que Carlos ainda não havia estreado em livro. Sua correspondência a partir dali teve início e manteve-se pelos vinte anos seguintes, até as vésperas da morte de Mário, em 1945.

As cartas foram reunidas pelo próprio Drummond, sob o título A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade, anotadas pelo destinatário. São testemunhas preciosas de sua amizade, das conversas inteligentes e afetuosas sobre a poesia, o prosaico, a arte, o artista no Brasil.

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O paradoxo do espetáculo

25 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

carnaval

Um dos grandes professores do departamento de filosofia da USP, Luiz Roberto Salinas Fortes (1937 – 1987), obteve, em 1983, o título de livre-docente, com a tese Paradoxo do espetáculo, transformado em livro pela Discurso Editorial. Nela, Salinas analisa a obra política de Jean Jacques Rousseau e realça a “importância da ideia de ‘teatro’ e ‘encenação’ (a não ser confundida com a mera ‘representação’) na ética e na política de Rousseau: é preciso algo como um cenário material disposto com sabedoria, para reconduzir a alma à virtude (o ‘materialismo do sábio’) e a cidade à justiça (a festa política que deve substituir o teatro existente no mundo moderno, e que estava ainda embutida na tragédia grega)”.

O teatro é decisivo para a articulação filosófico-politica de Rousseau. Como aponta o professor Luis Fernando Franklin de Matos, na apresentação ao livro, o teatro, para o filósofo genebrino “é o objeto de severa e inquietante reflexão na Carta a d’Alembert sobre os Espetáculos, uma das mais terríveis peças de acusação jamais escritas contra o teatro; é a metáfora obsecante que está em toda parte: no rigor do moralista, na severidade do pedagogo, nas novidades do pensador político. Em suma, o teatro é o ”paradigma essencial” que organiza o ”sistema” rousseauniano em sua totalidade”.  Continue lendo

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Literatura

Jornalismo histórico e literário

24 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Para Heródoto, viajar é sinônimo de esforçar-se, uma tentativa de conhecer tudo, a vida, o mundo, a si próprio”.

kapuscinski

Ryszard Kapuscinski (1932 – 2007) foi um prestigiado repórter e escritor polonês. Minhas viagens com Heródoto – Entre a história e o jornalismo é uma narrativa viva de como, no começo de sua carreira, quando era mandado a locais remotos e, para ele, indecifráveis, tais como Índia ou China, contando apenas com um inglês rudimentar e trabalhando sob condições precárias para órgãos estatais do governo totalitário polonês, encontrou companhia, guia e refúgio espiritual, no clássico livro História, do grego Heródoto de Halicarnasso, escrito no século V a.C. O livro foi um presente, que o jornalista ganhou antes da primeira viagem, e nunca deixou de acompanhá-lo em suas jornadas.

Em Heródoto, Kapuscinski encontrou a inspiração intelectual que iria motivar toda a sua carreira: o desejo de viajar pelo mundo e contar o que via. A História teria sido a “primeira grande reportagem da literatura mundial”, relatando os fatos e costumes da vida dos povos “bárbaros” que o grego visitou conforme penosamente viajava; umais do que uma homenagem, Kapuscinski vê no texto grego uma maneira de compreender o mundo desde seus primórdios, um elogio à diferença e à ideia de que o conhecimento de outros povos e culturas acaba por servir também como conhecimento próprio, espelhado.

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lançamentos

Uma história política e filosófica

23 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

lowy

Acaba de ser lançado no Brasil o livro A luta de classes: uma história política e filosófica, do marxista italiano Domenico Losurdo. Com tradução de Silvia de Bernardinis, o volume chega às livrarias editado pela Boitempo.

O filósofo analisa o conceito e a prática da luta de classes, frente à sua atualidade diante da atual crise econômica que se alastra: “é certo que a luta de classe tenha de fato desaparecido?”, provoca.

Para Losurdo, a luta de classes não é apenas o embate entre classes proprietárias e trabalho dependente. É também a “exploração de uma nação por outra”, como denunciava Marx, é a opressão “do sexo masculino sobre o feminino”, como escrevia Engels. O texto realiza, assim, uma original leitura da teoria de Marx e Engels da história mundial que tem início com o Manifesto Comunista. Losurdo mostra que diante das transformações que marcaram a passagem do século XX para o XXI, a teoria da luta de classes revela-se uma fundamental chave de compreensão.  Continue lendo

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Literatura

Ironias capitalistas

22 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
William Hogarth

William Hogarth

O romance Moll Flanders foi escrito em 1722, no auge do reconhecimento literário do escritor inglês Daniel Defoe. O seu título original ocupava toda a capa da edição, um traçado de todo o destino da protagonista: “As Venturas e Desventuras da Famosa Moll Flanders, que Nasceu na Prisão de Newgate, e ao Longo de uma Vida de Contínuas Peripécias, que Durou Três Vintenas de Anos, sem Considerarmos sua Infância, Foi por Doze Anos Prostituta, por Doze Anos Ladra, Casou-se Cinco Vezes (Uma das Quais com o Próprio Irmão), Foi Deportada por Oito Anos para a Virgínia e, Enfim, Enriqueceu, Viveu Honestamente e Morreu como Penitente”.

Assim, o romance segue a vida de uma mulher que nasceu na prisão e atravessou agruras até morrer, rica, como penitente – narrado por ela mesma, como suas memórias. Trata-se de umas das mais fascinantes personagens femininas da literatura universal. A edição brasileira, recentemente lançada pela Cosac Naify para inaugurar sua coleção “Nova Prosa do Mundo”, foi traduzida por Donaldson M. Garschagen e conta com textos de Cesare Pavese, Marcel Schwob e Virginia Woolf.  Continue lendo

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lançamentos

Intelectual radical

19 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Susan Sontag

Susan Sontag

A vontade radical é segunda coletânea de ensaios de Susan Sontag e foi concebida como continuidade às investigações empreendidas em seu livro anterior, Contra a interpretação [L&PM, 1987, esgotado].

Trata-se da reunião de textos escritos entre 1966 e 1969 que tratam de cinema, literatura, política e, caso do mais célebre deles, pornografia.

Felizmente de volta às livrarias, reeditado pela Companhia das Letras, desta vez em edição de bolso. A tradução é de João Roberto Martins Filho

Nos textos, Sontag analisa a obra dos cineastas Ingmar Bergman e Jean-Luc Godard, do dramaturgo Samuel Beckett, comenta os escritores Rainer Maria Rilke e William Burroughs. Compõem ainda o volume suas reflexões agudas sobre o pensamento do filósofo romeno Emil Cioran, bem como o clássico libelo contra a guerra do Vietnã, escrito por ocasião da sua visita a Hanói.  Continue lendo

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Prólogos

18 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

jorge luis borges

“Creio desnecessário esclarecer que Prólogo de Prólogos não é uma locução hebraica superlativa, à maneira do Cântico dos Cânticos (assim escreve Luis de León), Noite das Noites ou Rei dos Reis. Trata-se, simplesmente, de uma página para anteceder os dispersos prólogos selecionados por Torres Agüero Editor, cujas datas oscilam entre 1923 e 1974. Uma espécie de prólogo, digamos, elevado à segunda potência”.

Essa é a apresentação de Borges para o seu Prólogos com um prólogo de prólogos. Traduzido por Josely Vianna Baptista, o livro integra as edições da Companhia das Letras da obra completa do escritor argentino. Sua publicação ocorreu originalmente em 1975.

São exercícios críticos, publicados esparsamente por Borges desde a década de 1930 na imprensa argentina. Os textos revelam muito do pensamento do escritor, sua impressionante erudição, bem como sua curiosa variedade de leituras – que ia dos poetas gauchescos argentinos a E. A. Poe, de Cervantes a Lewis Carroll, de Gibbon a Kafka.

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Artes Plásticas

Exercício experimental de liberdade crítica

17 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Lygia Clark

Mário Pedrosa (1900 – 1981) foi uma das mais relevantes figuras da crítica da arte brasileira. Incentivou o desenvolvimento da poética de muito artistas, novos na afirmação do abstracionismo, tais como Lygia Clark, Hélio Oiticica Alfredo Volpi e Franz Weismann.

Sua obra completa, dispersa e parte fora dos catálogos das livrarias brasileiras, está sendo reeditada pela Cosac Naify. A proposta editorial é mostrar em paralelo duas dimensões da obra crítica de Mário Pedrosa, a artística e a política.

Este volume, intitulado Arte – Ensaios, reúne 31 artigos sobre artes visuais escritos entre 1933 e 1978, nos quais Pedrosa discute os fundamentos de sua postura crítica. Permeiam seus textos inúmeras facetas, entre a do teórico marxista, a do pesquisador da Gestalt e apoiador do construtivismo, a do interessado pela arte dos alienados e das crianças. Mário Pedrosa foi um defensor da aproximação entre ciência e arte e, ao mesmo tempo, o pesquisador apaixonado pela arte primitiva e popular.

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lançamentos

Polifonia do amadurecimento

16 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Marcelo Grassmann

Fiódor Dostoiévski escreveu a novela Um pequeno herói entre julho e dezembro de 1849, período que passou no cárcere da Fortaleza de Pedro e Paulo, em Petersburgo, à espera da sentença que o desterraria para a Sibéria

A editora 34 acaba de lançar uma edição cuidadosa da obra, com tradução de Fátima Bianchi e xilogravuras de Marcelo Grassmann.

A novela nada resguarda da experiência lúgubre da prisão. Pelo contrário, é envolta numa atmosfera luminosa e delicada. A obra é considerada exemplar da singular capacidade do autor de adentrar a alma das personagens, perpassando aquilo que há aquém de suas consciências, entremeada à percepção difusa de si e das máscaras sociais.

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história

Sistema político e patrimônio privado

15 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Após algumas edições, publicadas por diferentes editoras, volta às livrarias o estudo Bases do autoritarismo brasileiro, do historiador Simon Schwartzman, agora pela Editora da Unicamp.

A primeira edição da obra foi realizada em 1975. Schwartzman questiona a própria possibilidade de desenvolvimento da democracia na sociedade brasileira, cuja história é marcada por três séculos de colonização e quase quatro de escravidão. Sua análise representa um marco na compreensão histórico-política do Brasil. A tese parte de uma advertência: que a redemocratização institucional seria apenas o imprescindível primeiro passo na construção da democracia brasileira. Seguindo este viés analítico, o autor contrapôs-se às duas principais tendências interpretativas da época: à historiografia marxista, para a qual tudo se resumia na falta de amadurecimento das classes sociais, e à ideia de um Estado todo-poderoso, sobranceiro à sociedade. Schwartzman relaciona o passado colonial e os sistemas político e econômico de caráter patrimonialista, do qual o Brasil ainda não liberou-se.

gravura de Hansen Bahia, da série "Navio Negreiro"

gravura de Hansen Bahia, da série “Navio Negreiro”

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matraca

Rapsódia musical literária

12 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Sou um tupi tangendo um alaúde!” – Mário de Andrade, “O trovador”, Paulicéia desvairada (1922).

mário

Faltando menos de um mês para a homenagem a Mário de Andrade pela FLIP, uma de suas grandes comentadoras ainda não foi mencionada. Gilda de Mello e Souza, em O tupi e o alaúde, tece uma belíssima interpretação de Macunaíma. O livro, publicado originalmente em 1979, interveio como uma resposta crítica a Morfologia do Macunaíma [Perspectiva, 1973], de Haroldo de Campos. Gilda faz uma análise poderosa e original, tece uma crítica aberta ao diálogo, marcada pela articulação criativa entre pesquisas teóricas e profundidade interpretativa.

O ensaio tem três movimentos, parte da analogia entre a estrutura de Macunaíma e formas musicais, realiza uma defesa da ambiguidade e das fraturas da narrativa, para, apoiado em Bakhtin, inscrever a rapsódia brasileira na linhagem dos romances de cavalaria.  Continue lendo

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história

Tradição intelectual latino-americana

11 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Plano de Tenochtitlan

Acaba de chegar à livraria 30porcento A cidade das letras, de Ángel Rama (1926-1983), “o maior crítico literário que a América Latina teve”, segundo as palavras de Antonio Candido.

Rama aqui analisa a concepção, o planejamento e a consolidação das cidades latino-americanas. Sua investigação parte da destruição da asteca Tenochtitlán, em 1521, até a inauguração de Brasília, na década de 1960. O livro examina os valores que pautaram a formação das cidades e o discurso urbano da conquista.

Trata-se de uma erudita revelação de cidades latino-americanas através do desenvolvimento das letras e da ordem dos signos: um paralelo entre os projetos urbanísticos e o ideal de urbe limpa, estéril e civilizada.  Continue lendo

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lançamentos

Alices

10 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] se falássemos somente quando alguém nos fala, nunca ninguém diria nada”.

desenho de Odilon Redon

desenho de Odilon Redon

Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, de Lewis Carroll, são livros infantis ou são livros para adultos? A discussão é decorrência das múltiplas formas de interpretações do non-sense de sua prosa, construída como uma trama de proposições absurdas que se apresentam como possibilidades plausíveis.

A editora Cosac Naify acaba de lançar uma edição caprichosa das duas obras, traduzidas por Alexandre Barbosa de Souza e Nicolau Sevcenko. Além de atravessar com a menina Alice o país maravilhoso, é possível continuar a jornada por um novo mundo, através do espelho.

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