Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

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Uma prosa rítmica e política

25 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Paul Klee

Referência literária colombiana, Andrés Caicedo (1951-1977) recebe pela primeira vez uma edição brasileira: Viva a música! chega às livrarias pela editora Rádio Londres.

Foi o único romance publicado por Caicedo, mas ainda assim responsável por uma revolução na produção literária da Colômbia. O jornal colombiano El espectador elegeu-o o segundo romance mais relevante do país no século XX, logo após Cem anos de solidão, de Gabriel García Marques.

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A partir do óbvio ululante

24 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Nelson Rodrigues

Publicado em 2009, o livro Inteligência com dor – Nelson Rodrigues ensaísta, do professor Luis Augusto Fischer, tece um comentário inusitado que, porém, mostra-se exato ao defender que as crônicas rodrigueanas seriam, na verdade, ensaios e, Nelson Rodrigues, “o Montaigne brasileiro”.

Segundo Fischer: “Há uma ideia generalizada de que, tanto nas crônicas quanto em contos e romances, ele faz retratos muito eficazes da vida brasileira. Porém, soando às vezes excessivo, hiperbólico. Em outras palavras, pode-se dizer que se trata de um autor com mercado, com fãs, mas sem reconhecimento acadêmico. Discordo disso no que se refere às crônicas: o Nelson contista e romancista pode ter um apelo sensacionalista, superficial, mas o cronista atinge uma profundidade comum a poucos. Em suas crônicas, ele foi um dos melhores intérpretes do país”.

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Paisagens que não voltarão a ser

23 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Rothko

Rothko

Sangue no olho, da chilena Lina Meruane, narra em primeira pessoa a história de uma mulher em vias de ficar cega. À narradora protagonista, vítima de uma desconhecida doença que enche seus olhos de sangue, resta apenas esperar, enquanto seu médico a submete a extenuantes exames sem, contudo, chegar a nenhum diagnóstico.

O romance é forte. A narradora, para seguir seu ofício de escritora, para movimentar-se pelas cidades, deve a partir de então contar com as imagens do mundo que permanecem em sua imaginação e em sua memória; com o aguçamento de sua audição. A perda drástica e súbita de um sentido é violenta e tona a ordem do mundo, instável. Os espaços tornam-se vivos, a trama do tempo se rarefaz, as palavras deixam de fingir serem as coisas que enunciam, desnudam-se enquanto signos vazios e arbitrários.  Continue lendo

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Diálogo da religião com a psicanálise

20 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gravura de Albert Dürer, “Quatro cavaleiros do Apocalipse”.

Gravura de Albert Dürer, “Quatro cavaleiros do Apocalipse”.

O debate entre o polêmico filósofo esloveno Slavoj Žižek e o ortodoxo teólogo croata Boris Gunjevic, travado ao longo do livro O sofrimento de Deus – Inversões do Apocalipse, acaba de ser publicado no Brasil pela editora Autêntica, sob tradução de Rogério Bettoni.

São seis capítulos que abordam o cristianismo, o islã e o judaísmo através de análise hegeliana e lacaniana, de um lado, agostiniana, por outro, que estruturam um panorama da maneira como cada sistema religioso entende a humanidade e a divindade, e que mostram a dimensão de suas diferenças.

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Literatura

A geografia do tempo

19 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] certo dia acordou fora do contexto, no sentido de que em vez de estar de lado estava de costas, observando o teto de seu quartinho, que ele sabe-se lá por que imaginava celeste, mexia em vão as patas peludas perguntando-se o que fazer. O pensamento o irritou, não tanto pela comparação quanto pelo pertencimento ao gênero: literatura, ainda literatura”.

gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

O tempo envelhece depressa, belo livro de contos de Antonio Tabucchi, é poético, onírico, mas, ao mesmo tempo, real de maneira literal: em nota ao final do volume, o autor diz: “algumas destas histórias, antes de ganharem corpo no meu livro, existiram na realidade. Limitei-me a ouvi-las e a contá-las à minha maneira”. O livro reúne nove contos, que segundo o autor prestam homenagem às Nove Estórias, de J. D. Salinger, segundo ele “o livro de contos mais belo do século XX”.

As personagens dos contos de Tabucchi, através de uma prosa delicada, articulam-se em torno da noção difusa e múltipla do tempo – tempo dos acontecimentos por vir, tempo passado, tempo da memória e da consciência, tempo histórico do mundo e do homem.

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Etnopoesia

18 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
BISILLIAT_21

fotografia de Maureen Bisilliat

O fim de tarde de uma alma com fome é um poema épico de Sérgio Medeiros. O poeta buscou inspiração no teatro nô e em lendas indígenas. O poema desenvolve três variações sobre um mesmo tema, três versões básicas de uma mesma cena: um mito oral, sem origem definida e em constante transformação. Seu resultado é contextualmente interessante e liricamente profundo e rico.

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fotografia

Transes carnavalescos

13 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O belo livro Antropologia da face gloriosa traz uma seleção de 161 fotos da famosa série de Arthur Omar de retratos feitos durante o carnaval carioca. Publicado em 2003, o livro reúne fotografias realizadas entre 1973 e 1996 e conta com um ensaio escrito pela crítica de arte Ivana Bentes, segundo quem, “Em “Antropologia”, o rosto se torna um campo de batalhas transcendentais”. O trabalho de Omar, aqui, torna o carnaval metafórico e os, retratos, tornam-se máscaras vivas em um teatro por um lado, trágico, por outro, extasiante.

As fotografias interpretam o delírio carnavalesco brasileiro, em instantâneos que capturam o transe nas ruas e cujo trabalho de edição lhes confere força simbólica e estética.

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A morte e a imortalidade

12 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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fotografia da escultura “O pensador”, de Rodin

No 25° ano de sua publicação, A imortalidade, de Milan Kundera, acaba de ser reeditado pela Companhia das Letras. O romance, entre personagens reais e fictícios, tece reflexões sobre a sociedade ocidental moderna, seus valores sentimentalistas, os conflitos entre essência e imagem, entre realidade e aparência, o culto à fama e à celebridade: a busca pela imortalidade. A prosa de Kundera, mordaz e forte, aqui, é verdadeiramente instigante em sua investigação acerca das possibilidades da existência.

Em dado momento do livro, um diálogo ficcional é travado entre Goethe e Hemingway. O escritor americano diz “Em vez de ler meus livros, escrevem livros sobre mim”, ao que o alemão lhe responde: “A imortalidade é um eterno processo”. As personalidades literárias, escritores que, apesar de mortos, são imortais são fundamento para a reflexão de Kundera: “A morte e a imortalidade formam uma dupla indivisível, mais bela que Marx e Engels, que Romeu e Julieta, que Laurel e Hardy”.  Continue lendo

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Alceu e Drummond

11 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

alceu a drummondMas V. é um mau correspondente. Não envia cartas. Tenho de resignar-me a continuar no escuro. Eu sou o contrário. Sem ter tempo de escrever, escrevo demais e escrevo pelo prazer de receber a resposta. E pelo amor à correspondência, essa forma literária que hoje em dia me satisfaz.

Carta de Alceu Amoroso Lima a Drummond, 1° de fevereiro de 1929.

 

Trocada ao longo de cinco décadas, a correspondência entre o poeta Carlos Drummond e o intelectual Alceu Amoroso Lima é verdadeiro testemunho do amadurecimento de ambos interlocutores. São diálogos interessantíssimos, sobre questões estéticas, políticas e religiosas, que, ainda que inscritas nas suas experiências individuais, oferecem fundamento para a compreensão de toda a literatura e cultura modernas brasileiras.

As 132 cartas inéditas reunidas no volume Correspondência de Carlos Drummond de Andrade com Alceu Amoroso Lima, publicado pela editora da UFMG, foram selecionadas e organizadas pelo professor Leandro Garcia Rodrigues.

O professor vem há anos especializando-se no estudo da obra de Alceu, mais conhecido por seu pseudônimo: Tristão de Ataíde. Segundo Garcia Rodrigues, foi “um dos mais sagazes críticos literários que o país já teve”.

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Literatura

Entre a maldição e a herança histórica

10 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Jacques Resch

A fantástica vida breve de Oscar Wao, do dominicano Junot Díaz, reconhecido pelas críticas elogiosas, foi apontado recentemente como o melhor romance publicado até agora neste início de século 21, por um grupo de críticos americanos de veículos como o “New York Times”, “Time Magazine”, “Newsday”, “Kirkus Review” e “Booklist”, que foram questionados pela seção de cultura do site internacional BBC.

O romance ganhou o Prêmio Pulitzer, em 2008. É o primeiro romance de Junot Díaz, que, dez anos antes, havia publicado uma coletânea de contos, sob o título Afogado.

Ao longo de descrição da vida de Oscar Wao, o autor descreve também a jornada épica da família, de Santo Domingo a Nova Jersey, e seu retorno à terra natal. Paralelamente, traça um panorama da lastimável ditadura dominicana, através da luta da família para sobreviver em momentos históricos cruéis.  Continue lendo

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Literatura

O que se pode saber de um homem

9 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Flaubert representa, para mim, exatamente o contrário da minha própria concepção da literatura: um alienamento total e a procura de um ideal formal que não é, de modo algum, o meu…” – Sartre.

 

– Caricatura de Flaubert, por Eugène Giraud

A última obra escrita por Sartre, O idiota da família, é um verdadeiro monumento. Publicado em três volumes, aos quais se seguiria ao menos mais um, rascunhado, porém inacabado pelo avanço da cegueira e de problemas de saúdes do filósofo, trata-se de um profundo e abrangente estudo sobre a vida e obra de Flaubert, através de um método investigativo que articula existencialismo, psicanálise e crítica literária. É, pois, considerado síntese de todo o pensamento filosófico sartreano.

À época da publicação do primeiro volume, Sartre, indagado sobre a natureza de seu interesse por Flaubert, disse que o escritor representava seu avesso e que era justamente este o motivo de sua admiração. O filósofo reconstrói os fundamentos psicológicos de Flaubert a partir de reflexões sobre seu meio familiar, entre uma mãe fria e um pai autoritário. O título, Sartre explica: “Uma testemunha conta que o menino aprendeu a ler muito tarde e que seus familiares o tinham então por criança retardada”Continue lendo

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Universal, humano, histórico

6 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Um homem de compleição grande, porém agora descarnada, com uma barba curta avermelhada que parecia um disfarce e por cima da qual seus olhos claros tinham uma qualidade ao mesmo tempo visionária e alerta, implacável e descansada num rosto cuja carne tinha uma aparência de cerâmica, de ter sido colorido por aquela febre de forno fosse de alma ou ambiente, mais profunda que a do sol apenas embaixo de uma superfície morta impenetrável como se de argila esmaltada”.

xilogravura de Hansen Bahia

Publicado originalmente em 1936, Absalão, Absalão, de William Faulkner, é um dos mais prestigiados romances do século XX. Cosiderado uma obra prima, o texto, ambientado no sul dos Estados Unidos durante e após a Guerra Civil Americana, narra a história da ascensão e da derrocada de Thomas Sutpen. O protagonista é um homem branco que enriquece explorando a escravidão; fundador de uma dinastia, acaba sendo destruído por sua própria descendência.

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Herói cotidiano

5 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
professor

Franz von Lenbach

Recém lançado pela editora Rádio Londres, Stoner, de John Williams, é uma publicação cuja alta qualidade literária ainda não havia encontrado espaço no mercado editorial brasileiro.

A narrativa acompanha a trajetória de William Stoner, filho de camponeses simples, cujo futuro hereditariamente previsto, como trabalhador de terra, transforma-se: apaixonado pela literatura, acaba por tornar-se professor universitário. Os cinquenta anos de sua vida são narrados com elegância e com uma precisão sensível. O protagonista reage à sua vida com silencioso estoicismo, retrato de um improvável herói da vida cotidiana.

A história tem inspiração auto biográfica. Publicada originalmente em 1965, foi respeitosamente lida e resenhada. Sua prosa é clara e calma.

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Cinema de conversação

4 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Tento fazer filmes em que tenho perguntas a colocar e vou tentar saber quais são as respostas fazendo o filme. Geralmente o filme, quando dá certo, não termina com uma resposta-síntese” – Eduardo Coutinho.

cena do filme “Cabra marcado para morrer”

O livro Eduardo Coutinho, organizado Milton Ohata, reúne dois ensaios e dez entrevistas, além de dezenas de textos de crítica escritos por Eduardo Coutinho para o Jornal do Brasil entre os anos de 1973 e 74. A segunda parte do livro é dedicada a depoimentos de colaboradores que contam suas experiências de trabalho com o diretor. A terceira parte do livro é uma coletânea de resenhas de época, bem como de textos, todos inéditos, sobre a filmografia de Coutinho, escritos por cineastas e críticos de diversas gerações.

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Cerrado entre o fantástico e o real

3 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

xilogravura de Hansen Bahia

Ontem comemorou-se cem anos do nascimento de José J. Veiga. O goiano, com ajuda do amigo Guimarães Rosa, publicou seu primeiro livro aos 44 anos: a reunião de contos O cavalinho de Platiplanto. Apenas sete anos depois ele publicou seu segundo livro, o romance A hora dos ruminantes, que, saudado pela crítica por sua prosa singular, encantou os leitores – na década de 60, esgotaram-se nove de suas edições. Fora das livrarias havia tempo, estes dois títulos são os primeiros a integrarem a cuidadosa reedição da obra completa de Veiga, agora enfim lançada pela Companhia das Letras, em homenagem a seu centenário.

A hora dos ruminantes é considerado o mais significativo romance do autor. Continue lendo

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