Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

Artes Plásticas

A arte fotográfica e a fotografia artística

25 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Gabriel Orozco, “Extension del reflejo”, 1992

A fotografia como arte contemporânea revê a história da fotografia artística e a analisa em relação ao cenário das artes nas últimas décadas. A autora, Charlotte Cotton, é diretora de criação do Museu Nacional da Mídia do Reino Unido e já foi curadora de diversas exposições de fotografia contemporânea. O livro recompõe historicamente a gradual centralização da fotografia como objeto, meio e linguagem no cenário artístico contemporâneo. Cotton aborda o trabalho de artistas que utilizam em seus trabalhos as propriedades físicas e materiais da fotografia, tomando-as como veículo ou mesmo apenas como um componente dentro de uma atividade pan-midiática. A autora analisa a obra de artistas consagrados, tais como Isa Genzken e Sherrie Levine, e de uma geração mais jovem, representada por nomes como Florian Maier-Aichen, Anne Collier e Walead Beshty, para citar apenas alguns poucos exemplos dentre a versatilidade, bem explorada ao longo do livro, da fotografia artística nos século XX e XXI.

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matraca

Palavras visíveis

24 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O que faço com as palavras é fazê-las explodir para que o não verbal apareça no verbal”.

fotografia de Frédéric Brenner

O livro Pensar em não ver: escritos sobre a arte do visível, do filósofo francês Jacques Derrida, reúne ensaios sobre desenho, pintura, fotografia, cinema, videoinstalação.

Trata-se de uma coletânea inédita de textos do filósofo, publicados originalmente em algumas renomadas revistas de arte francesas, como a Cahiers du cinéma ou a Contretemps. A reunião dos ensaios realizada neste volume é um feliz acontecimento intelectual, pois tratam-se de textos esparsos que encontravam-se esgotados e dificilmente acessíveis. O volume traz ainda duas conferências nunca publicadas.

São textos escritos ao longo de vinte e cinco anos, de 1979 a 2004, e que configuram-se como testemunhos da reflexão sobre o primado filosófico do visível na arte; também sobre o deslocamento desta reflexão para questões de língua e linguagem, de palavras e de escrita.

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lançamentos

O problema está em saber quem é que manda.

21 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Martin Parr

Gilberto Dupas identificou O mito do progresso: constantemente renovado por um aparato ideológico capaz de fundamentar a ideia de que a história teria um destino certo e glorioso; o cientista social, neste ensaio, analisa a quem o progresso serve e quais são seus riscos e custos de ordem social, ambiental e em termos de sobrevivência da espécie. Dupas busca, assim, levantar elementos que desconstruam o discurso hegemônico sobre a globalização associada à ideia de progresso necessário. Seu texto aponta os problemas deste progresso, mostra-o como discurso dominante das elites globais, que traz consigo exclusão, concentração de renda, subdesenvolvimento, danos ambientais, restrição dos direitos humanos essenciais, riscos decorrentes da microbiologia e da genética, bem como graves dilemas éticos e morais. O tão falado “progresso” é um mito. Uma construção ideológica, que valida interesses econômicos e políticos restritos.

Lançado originalmente em 2006, o livro acaba de ser republicado pela Editora Unesp.

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lançamentos

Aqui é a fronteira

19 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O beijo de Judas

O novo livro de Amós Oz, Judas, tematiza com profundidade e lirismo a traição, sobretudo ideológica, e seus versos e reversos. O escritor é conhecido por defender uma solução menos belicista ao conflito judaico-palestino: a dissolução do território em dois países, Israel e Palestina; por isso, é visto como um “traidor” da causa israelense. O título alude a isso, de maneira irônica e precisa. Seu romance tece uma reflexão lúcida sobre o destino do povo judeu, as cicatrizes históricas e individuais na infindável guerra, que remonta a tempos imemoriais.

A traição conforme colocada por Amós Oz, porém, traz uma ideia diferente da usual, alguém considerado em traidor pode ser o mais leal dos indivíduos, alguém à frente de seu tempo que deve tomar decisões impopulares, ainda que necessárias.

Judas é um exemplo notável da densidade da literatura de Oz. Continue lendo

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lançamentos

O poeta em que o verbo fez-se carne

18 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
Para que os canaviais possam dar mais doçura à alma Humana?

Lasar Segall

Acaba de ser republicado o livro Poemas negros de Jorge de Lima, em edição que recupera a primeira, publicada em 1947, com ilustrações de Lasar Segall e prefácio de Gilberto Freyre. São poemas marcados por uma envolvente musicalidade e apelo aos sentidos. Localizados entre o engenho e o navio negreiro, formam uma história poética do negro no Brasil, da influência do escravo na cultura brasileira, também da crueldade do tratamento servil a que foram submetidos. Jorge de Lima ultrapassa o folclórico pitoresco e recria a paisagem nordestina, canta as lavadeiras na lida, descreve o ar “duro, gordo, oleoso” da madorna, o chamado da “Negra Fulô” pela sinhá, para a abanar, pelo sinhô, para a açoitar.

Segundo Vagner Camilo, professor de Letras Clássicas e Vernáculas na USP, responsável pelo texto acrescido como posfácio à edição, conforme diz no artigo “Jorge de Lima no contexto da poesia negra americana”, os poemas falam “dos seres que povoam seu universo afro-poético em termos de personagens (e situações) típicas, equiparáveis ao universo pictórico de Segall (não só os óleos sobre tela, mas também os grafites sobre papel), embora no caso de Poemas negros várias delas oscilem entre o tipo e a individualidade, incluindo-se aquelas que são evocadas pela memória da infância do poeta, como Celidônia, Zefa Lavadeira, Maria Diamba e Benedito Calunga”. Continue lendo

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Artes Plásticas

Natureza ambígua

17 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

escultura de Cícero Alves dos Santos, o “Véio”

A arte contemporânea tornou menos nítidas as fronteiras entre o mundo e o museu. Instalações nas ruas, grafites nas galerias, artes de deriva são exemplos. Também o é uma arte considerada por muitos ingênua, composta por esculturas feitas com madeira encontrada na mata por um artista popular sergipano, exibida em São Paulo até dezembro, que provoca o ressurgimento da questão sobre a validade artística: o delicado trabalho de Cícero Alves dos Santos, o Véio, rompe preconceitos e apaga a suposta linha divisória entre arte popular e erudita.

Feitas sobretudo com galhos, troncos e raízes, suas esculturas ganham exposição na Galeria Estação, com curadoria do crítico Rodrigo Naves, e também uma bela análise, no livro Véio – Esculturas, publicado pela WMF, com textos do crítico. Tanto a exposição quanto a publicação do livro visam proporcionar uma ampliação da recepção da potência significativa da obra deste artista. O livro sugere que diante dos trabalhos de Véio, artista visionário que, vivendo em uma região em que são rígidos os limites entre campo e cidade os extrapola, estabelecem-se questões amplas sobre a conceituação do que seja arte.

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Literatura

Brusca e bruta busca

14 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

estudo para painel, de Martha Loutsch, 1941

Banana Brava, de José Mauro de Vasconcelos, foi publicado em 1942. Foi o romance de estréia do escritor que viria a se tornar célebre por romances como Meu pé de laranja lima ou Rosinha, minha canoa. Uma obra que reflete um mundo ganancioso e impiedoso, a terra da “banana brava”, aquela que jamais frutifica.

O romance foi escrito baseado na vivência do autor entre índios carajás e garimpeiros. Pois José Mauro acompanhou os irmãos Villas-Boas na exploração da região do Araguaia, uma experiência extremamente marcante em sua produção literária. Banana Brava é o primeiro de seus textos a apresentar essa influência.

Na apresentação do livro, ele adverte que a linguagem de seus personagens é rústica e brutal, pois é a própria representação daquela “vida que pretende copiar” sem suavizar, uma vida esfacelada, minada pelo trabalho do garimpo no sertão goiano.

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Artes Plásticas

Arte andarilha

13 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] o único caminho possível numa discussão teórica seja talvez limitar-se a refletir sobre como as obras e os mitos se perseguem, tangenciando-se até em seus aspectos mais prosaicos, percorrer os lugares onde os caminhos se cruzam, os fios se emaranham e se embaralham, tudo parece remeter a outra coisa, e fica evidente que a meta é o próprio caminho”.

Robert Smithson, “A Tour of theMonuments of Passaic”

Novas derivas, de Jacopo Crivelli Visconti, delimita e analisa uma forma artística recorrente desde a década de 1960: a incorporação do ato de andar, normalmente protagonizado pelos próprios artistas. De acordo a definição de Guy Debord, este é o processo artístico conhecido como deriva. A análise de Visconti tece uma ampla reflexão sobre os trabalhos de deriva, marcados por um posicionamento situacionista para despertar reflexões sociais, politicamente engajadas. Imateriais e, portanto, invendáveis, são trabalhos que relacionam-se com o espaço, cartografando-o de maneira singular e desenvolvendo uma interessante crítica à subserviência das artes à banalidade mercadológica.

O livro, que surgiu como uma tese, defendida pelo autor na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) – USP, apoia-se em vasta e profunda pesquisa sobre as ideias e processos desenvolvidos nas artes plásticas nas últimas cinco décadas. Continue lendo

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matraca

A imagem da imagem

12 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia do espanhol Chema Madoz

Simulacros e simulação, do filósofo francês Jean Baudrillard é um tratado irônico sobre os símbolos que permeiam a compreensão contemporânea de realidade.

Ele parte da identificação do conceito do simulacro enquanto gerador de modelos de um real, cuja origem, porém, não encontra-se na realidade. As simulações e os simulacros não são apenas abstrações fictícias, mas representações da realidade, feitas a partir de vestígios imaginários desta mesma realidade, que criam um hiper-real. Partindo de uma reflexão sobre os sentidos da imagem, da fotografia à publicidade, Baudrillard chega à crítica da sociedade de consumo, constatando a perda da relação do sujeito com o objeto. O real, segundo ele, desapareceu, desintegrando todas as contradições à força de produção de signos equivalentes.

Baudrillard ao longo do livro desenvolve a noção de hiper-realidade, que, povoada por simulacros, toma o lugar da realidade. Trata-se de um diagnóstico de época, da demonstração de que, no mundo moderno e contemporâneo, as imagens tornaram-se paulatinamente tão repletas de conteúdo, que passaram de símbolos a coisas reais. Continue lendo

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Artes Plásticas

A arte mágica de Grassmann

10 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Marcello Grassmann

Novamente a (falta de) organização do Prêmio Jabuti cometeu a deselegância de revogar a decisão final, após formalmente anunciada, dos vencedores em algumas categorias. Um deles, que vencera em segundo lugar, mas que foi retirado dos três finalistas dentre os livros de arte, é o ótimo Marcello Grassmann 1942-1955. Tratando-se de um dos principais prêmios do país, francamente, a recorrência de nova apuração, decorrente de falha organizacional, é algo pouco plausível.

O livro em questão cobre um significativo período da produção de um dos mais importantes e interessantes gravadores brasileiros. Grassmann, morto no ano passado, aos seus 88 anos, é conhecido pela poética que desenvolveu através da invenção de um universo próprio, povoado por seres fantásticos remissivos às histórias de cavalarias medievais: suas figuras, muitas vezes criaturas monstruosas, tem uma delicadeza lúdica, compostos por traços que formam desenhos tão trabalhados quanto luminosos. Continue lendo

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matraca

Debaixo da pele

7 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Man Ray

O erotismo, de Georges Bataille, ensaio publicado originalmente em 1957, articula filosofia, história da arte, antropologia e psicanálise, refletindo sobre a ontologia que encerram as noções de o erotismo, morte e sagrado, bem como suas imbricações. O erotismo representa, para Bataille, a substituição de uma continuidade, análoga à da morte, à descontinuidade natural do eu.

O livro foi reeditado no Brasil no ano passado pela editora Autêntica, com tradução e apresentação de Fernando Scheibe. A edição traz ainda um “Dossiê O erotismo”, que reúne escritos de Bataille sobre o tema, e a transcrição de um debate, ocorrido em 1957 em seguida a uma conferência proferida por Bataille, intitulada O erotismo e a fascinação pela morte, no qual o escritor embateu-se com André Breton, André Masson, Hans Bellmer e Jean Wahl, que, discordando de algumas de suas ideias, o acusaram, entre outros, de machismo.

O livro é dividido em duas partes: uma, analisa alguns diferentes aspectos da vida humana sob o ponto de vista do erotismo; a outra, apresenta estudos sobre o erotismo, que vão da psicanálise à literatura. O volume tem prefácio de Raúl Antelo e conta ainda com um estudo de Eliane Robert Moraes, dois dos maiores conhecedores da obra de Bataille no Brasil.

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fotografia

Significar o mundo

6 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fotografar é segurar o fôlego quando todas as nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia; é quando a captura da imagem representa uma grande alegria física e intelectual.

Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson escreveu alguns significativos textos sobre fotografia. O imaginário segundo a natureza é a primeira publicação que reúne os mais conhecidos e comentados deles em um único volume. Figuram, entre os textos selecionados, o certeiro “O instante decisivo” e o belo “Os europeus”. Há também artigos em que Bresson discorre sobre suas viagens a Moscou e China, textos que carregam a intensidade dos trabalhos fotográficos decorrentes. Outros artigos, são dedicados a artistas que foram seus amigos, como André Breton, Alberto Giacometti e Jean Renoir.

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cinema

1914 e a pungente melancolia da decadência

5 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Luzes da ribalta, o livro de Charles Chaplin que inspirou o seu filme homônimo acaba de ganhar tradução no Brasil, feita por Henrique B. Szolnoky, na edição da Companhia das Letras. (O filme e o livro são homônimos apenas na tradução, o título original da novela é Footlights, ao passo que o do roteiro é Limelight).

Sentimental, entrelaçado por fios de drama e de comédia, trata-se de um belo filme sobre a melancolia da derrocada humana. Estreou em 16 de maio de 1952, em Londres. Seu roteiro foi intelectualmente concebido em 1916, quando, então já astro de Hollywood, Chaplin foi visitado pelo bailarino russo Vaslav Nijinsky. Profundamente impressionado pela figura mítica de Nijinsky, que, pouco tempo depois, seria diagnosticado como esquizofrênico e abandonaria a dança, Chaplin teria ali tido o impulso criativo da concepção de uma história sobre a decadência, artística e física, de um bailarino.

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lançamentos

A ascensão da desigualdade de renda

4 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“The Protectors of Our Industry”, Bernhard Gillam

Um dos livros mais comentados do ano, O capital no século XXI, de Thomas Piketty, começou nesta semana a ser vendido no Brasil. Trata-se de um abrangente estudo sobre a desigualdade. O economista francês revela que o mundo vive uma segunda “Belle Époque” financeira, concentrada em 1% da população mundial. A desigualdade aumentou ao ponto de ter voltado a patamares do século XIX; além disso, a concentração indica também uma volta ao “capitalismo patrimonial”, caracterizado pelo pertencimento das grandes fortunas não a isolados indivíduos bem-sucedidos, mas a dinastias familiares e, segundo o estudo, a riqueza hereditária é tão alastrada que torna-se praticamente indiscernível.

Piketty, que é professor na Escola de Economia de Paris, sustenta que, atualmente, é a receita do capital, e não a renda do trabalho, o fator predominante da distribuição de renda. Segundo ele, durante a Belle Époque europeia e a Gilded Age norte-americana, foi a desproporção entre a propriedade de ativos, e não a desigualdade salarial a promover a drástica disparidade de renda; ele demonstra através de dados, que estamos no caminho de volta àquele quadro social. A menos que a concentração seja, em sua opinião, combatida por tributação progressiva.

Os dados foram obtidos através do desenvolvimento que Piketty realizou, junto com alguns colegas, sobretudo Anthony Atkinson, de Oxford, e Emmanuel Saez, de Berkeley, de técnicas estatísticas pioneiras, que possibilitam o rastreamento da concentração de renda e de riqueza em épocas distantes, Continue lendo

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Literatura

A mulher do garimpo

3 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

macaggiO romance A mulher do garimpo – O romance do extremo sertão do Amazonas foi publicado pela primeira vez na década de setenta. Sua autora, Nenê Macaggi, nasceu no Paraná, em 1913. No início da década de quarenta, mudou-se para a Amazônia, enviada pelo então presidente, Getúlio Vargas, com vistas a desenvolver um trabalho jornalístico que pormenorizasse a situação da região. Macaggi estabeleceu-se primeiro no Amazonas, em 1941, e, em 1942, mudou-se para Roraima, onde prosseguiu seu trabalho jornalístico e literário. Como seus escritos passaram a ocupar-se com a descrição do cotidiano do povo, ela é considerada não somente uma escritora roraimense, como a verdadeira inauguradora do discurso literário do estado.

A mulher do garimpo foi seu primeiro romance sobre o sertão amazonense. Nele, Macaggi desenvolve o projeto de criação de uma identidade amazônica, sobretudo da região de Roraima. Sua prosa observadora, nos detalhes cotidianos descritos se faz ressoar como um ensaio sociológico, tão rica a teia de panoramas que compõe.  Continue lendo

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