Arquivos da categoria: poesia

lançamentos

Un coup de dés

17 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Mallarmé, por Gauguin.

O poema Um lance de dados, de Mallarmé, ganhou nova tradução, realizada por Álvaro Faleiros e publicada pela Ateliê Editorial. O tradutor procurou estabelecer um diálogo com a miríade de trabalhos dedicados ao poema, em especial a consagrada tradução feita anteriormente por Haroldo de Campos [Perspectiva, 1977], que apresentou de maneira especial Mallarmé ao público leitor brasileiro. A cuidadosa edição, bilíngue, conta com um texto de apresentação da proposta de tradução, escrito por Faleiros – seu percurso concentra-se no aspecto tipográfico do poema, o que desconsidera, em parte, áreas das subdivisões prismáticas que permeiam o texto. O volume traz também uma leitura crítica do poema realizada por Marcos Siscar, bem como o prefácio, que acompanha o poema desde sua primeira edição, introduzido por Mallarmé e seguido do pedido do autor para que, logo após sua “inútil leitura”, fosse pelos leitores esquecido. Paradoxalmente, o prefácio é um verdadeiro programa da “nova arte” poética inaugurado pelo poema. Nesse prefácio, Mallarmé avisa: a diferença “de caracteres de impressão entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita a importância de sua emissão oral”.

Um lance de dados, longo poema de versos livres e tipografia revolucionária, desempenhou um papel fundamental na evolução da literatura no século XX.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

avança o tempo pelas têmporas?/

7 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Juan Gelman

O argentino Juan Gelman é considerado um dos mais importantes poetas de língua espanhola. Faleceu em janeiro deste ano, com 83 anos de idade, deixando uma poesia excepcional. Ganhou o Prêmio Cervantes, o mais importante da literatura em língua espanhola, em 2007, pelo “compromisso com a realidade” que sua obra honra, integrando, em seu pensamento poético, a “sua terrível história pessoal”.

Isso é uma das raras publicações de sua poesia no Brasil, livro traduzido por Leonardo Gonçalves e Andityas Soares de Moura e publicado há dez anos pela editora da UNB, como parte integrante da boa coleção Poetas do mundo. Não se trata de uma coletânea; o autor o havia publicado sob o título Interrupciones II, reunião, além deste, também dos livros Bajo la lluvia ajena (notas al pie de una derrota)Hacia el sur e Com/posicionesContinue lendo

Send to Kindle
matraca

O poeta nocaute

23 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Murilo Mendes, por Guignard

Finalmente parte da obra de Murilo Mendes recebe atenção editorial e ganha novas edições.

A Antologia poética, publicada agora pela Cosac Naify traz 142 poemas selecionados por dois especialistas na obra do poeta, prosador e crítico de arte juiz-forano, Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura, que também assinam o posfácio.

O volume conta ainda com um texto escrito pelo poeta, “A poesia e o nosso tempo”. Ensaio belo e profundo sobre a linguagem poética, no qual pode-se ler, por exemplo: “[…] Certo da extradordinária riqueza da metáfora – que alguns querem até identificar com a própria linguagem – tratei de instalá-la no poema com toda a sua carga de força”.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

Eucanaã Ferraz, “Sentimental”

2 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone
Paul Klee

Paul Klee

Estranha matéria, que sobe do fundo

à flor da memória camada de espuma

diário de bordo vem quebrar aqui

(…)

  – trecho de “Talvez hoje”

 

 

 

 

O verso, nas línguas, dizem tantos filósofos, antecede a prosa. Por ser mais imediato, por ser mais sentimental. A linguagem poética permanece existindo como verso e então não deixa de se estender por uma prosa, porém, invisível: suas palavras, suas imagens, ecoam-se entre si e interiorizam discursos inteiros sem nem precisar proferi-los. As imagens poéticas encerram um círculo hermenêutico de compreensão da parte pelo todo e do todo pela parte. O último livro de Eucanaã Ferraz particulariza em si essa coesão e Sentimental é um desdobramento semântico da própria palavra que lhe dá título, vai de um sarcasmo melancólico, sensorial, a uma leveza quase etérea, corredeira de figuras mágicas.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Jogue fora os atalhos

12 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Nyjah Huston, por De’Von Stubblefield

O novo livro de poesia do gaúcho Paulo Scott, Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo, acaba de ser lançado pela Companhia das Letras.

Scott é considerado um dos mais originais poetas brasileiros atuais. Sua poesia é quase prosaica no que tem de fluência ao apresentar histórias e episódios – sobre amores perdidos ou recém chegados, sobre as derrocadas da vida, a violência nas relações humanas, a busca pelo sublime no cotidiano de um escritor brasileiro. A força narrativa de seus poemas permite que sejam lidos quase como se fossem pequenos contos.

Nas palavras de Paulo Henriques Britto: “Neste livro, Paulo Scott deixa bem claro ter plena consciência do que se exige de sua geração, surgida num momento em que, pela primeira vez, após bem mais de meio século, cada poeta tem de construir sua linguagem a partir de um legado diversificado e acachapante, sem as rotas de percurso alternativas que balizaram, para o bem e para o mal, aqueles que os antecederam”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Palavras de carne e com asas

8 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Brueghel, “Paisagem com a queda de Ícaro”

Os poemas de Ana Luisa Amaral reunidos sob o título Vozes versam, também, sobre os silêncios. Em sua lírica, estes são opostos cuja recíproca implicação une-os na própria plenitude daquilo que de mais verdadeiramente paradoxal há nesta união: sua poesia alcança o que há de mais íntimo na natureza humana em sua existência como ser em um mundo concreto e real.

Fala com Ícaro, mas pressente o chão quando, na verdade, dialoga com Brueghel; seu poema teria pregas servindo como vestido ao corpo da prosódia; “escrevia / de beijos que não tinha / e cebolas em quase perfeição”; encontra o avesso das palavras.

Uma das maiores poetas contemporâneas de Portugal, Ana Luísa Amaral já recebeu alguns prêmios importantes, dentro e fora do seu país, como o Prêmio de Poesia António Gedeão, recebido em 2011 pelo livro VozesContinue lendo

Send to Kindle
matraca

Um grão de sal aberto na boca do bom leitor

16 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Retrato de Herberto Helder, por Frederico Penteado

O poeta português Herberto Hélder (nascido em Funchal, em 23 de Novembro de 1930) é considerado um dos mais inventivos autores da poesia contemporânea. Figura em volta da qual paira uma atmosfera mística, concedeu sua última entrevista em 1968 e desde então vive em auto-reclusão em Lisboa, com a mulher, Olga. Em 1994, recebeu o Prêmio Pessoa, que recusou, como recusa todos os prêmios que recebe – “Seria vil aceitar, por causa do dinheiro”, disse. Neste ano, seu nome foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura.

Neste mês de junho, ele lançou, pela Editora Porto, de Portugal, seu mais recente livro, A morte sem mestre. É notável a longeva produtividade do autor, cujo livro anterior, Servidões, havia sido lançado apenas um ano antes. Sua poesia, tal qual sua personalidade, é enigmática. Uma constante transgressão regula a pontuação e submete os padrões à desorganização e a um fluxo verbal que encanta e abala e cria uma linguagem única. Ao abrir A morte sem mestre, o leitor encontra a advertência do poeta: “Tudo quanto neste livro possa parecer acidental é de facto intencional”; ao que acrescenta: “Peço por isso que um qualquer erro de ortografia ou sentido/seja um grão de sal aberto na boca do bom leitor impuro”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

В озере моих слов – Nas águas das minhas palavras

2 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Velimir Khlébnikov por Burliuk

O poeta russo Velimir Khlébnikov (1885-1922), foi, segundo Roman Jakobson, um dos mais inventivos autores do século XX. Khlébnikov foi mentor da vanguarda cubo-futurista e criou a linguagem zaúm, ou transmental, que é formada por sons abstratos. Seu trabalho exerceu forte influência na obra de Vladimir Maiákovski e em todo o movimento vanguardista da poesia russa.

A editora Bem-te-vi acaba de lançou recentemente a coletânea Eu e a Rússia, com textos escritos entre 1908 e 1922, selecionados e traduzidos por Marco Lucchesi, poeta, romancista, tradutor e professor de Literatura da UFRJ. A publicação é uma versão revista e ampliada de um pequeno livro independente lançado nos anos 1980.

O volume traz poemas que abordam os principais temas do autor: a curiosidade pelo espaço geográfico, o encanto com a cultura do Oriente, a paixão pela língua – expressa na exploração das raízes das palavras e de sua etimologia e na criação de neologismos. Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Da sobrevivência dos deuses

6 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

deuses copy

Nos anos em que viveu em Paris, Heinrich Heine escreveu uma série de trabalhos sobre a mitologia pagã, através dos quais rastreou os vestígios da sobrevivência dos deuses antigos na história do ocidente. Um desses trabalhos é a sequência de narrativas Os Deuses no Exílio, que elucubra sobre o destino das divindades antigas depois do surgimento do cristianismo.

Heine apropriou-se de diversos materiais históricos, narrativas e mitos, lendas recolhidas pelos irmãos Grimm ou sagas populares suecas – destas, três encontram-se traduzidas neste volume e uma dão ideia do modo como a mitografia heiniana reelabora as fábulas antigas: utiliza criativamente suas fontes, reinventando-as.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Onomatotêmico

5 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poema Totem, de André Vallias, é considerado por muitos o “(contra-)hino” de nossos tempos: foi escrito a partir de 222 nomes de povos indígenas. Compostas numa tipologia criada pelo autor, as 26 estrofes do poema tem como imagem de fundo o Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú.

O poema foi concebido por André Vallias para ser reproduzido em 13 metros de comprimento, no chão do centro cultural Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro. O poeta criou uma tipologia especial para apresentá-lo, além de um totem multimídia e uma vitrine com informações sobre todas as etnias citadas.

Agora, acaba de ser publicado em forma de livro-álbum, com as folhas soltas, pela editora Cultura e Barbárie. O álbum contém o poema em 40 impressões coloridas (cera térmica), com caixa feita em serigrafia. Contém ainda uma interessante introdução trilíngue (português, inglês e guarani-kaiowá) de Eduardo Viveiros de Castro, além de mapa e gráficos com dados dos povos indígenas no Brasil. O conjunto é um grito de guerra.

Outro trabalho de Vallias na mesma direção temática, o poema “Mas que país obtuso”

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

古悠悠行

21 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Bilíngue, a Antologia da poesia clássica chinesa, coletânea que contempla a poesia realizada sob a dinastia Tang (618 – 907), é a mais abrangente já publicada em língua portuguesa. Reúne mais de 200 poemas de mais de 30 autores, incluindo algumas mulheres, como Li Ye, Xue Tao, Yu Xuanji. Entre os autores, destacam-se os três principais nomes da poesia daquele período: Li Bai, Du Fu, Wang Wei. A tradução contempla também escritores como Bai Juyi, Meng Haoran, Li Shangyin, Du Mu, Liu Yuxi, Cen Shen, Wen Tingyun e Li He. A Dinastia Tang é considerada a “idade de ouro” da literatura chinesa clássica, período em que as experimentações formais e linguísticas atingiam o seu auge e cunharam modelos clássicos que perduraram até a chegada do modernismo no século XX. Os tradutores, Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, apresentam na cuidadosa edição da Editora Unesp uma introdução histórica, notas explicativas e resenhas sobre os autores. O trabalho introdutório aborda ainda questões de teoria literária e da teoria da tradução, apresentam aspectos estruturais da poesia clássica chinesa, expõem os conceitos de paralelismo, tradução-recriação, tradução estrangeirizante – tomando como bases teóricas textos de Walter Benjamin, Roman Jakobson, Haroldo de Campos, François Cheng, Ezra Pound, Octavio Paz.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Linguagem densa

19 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

HISTÓRIA INVISÍVEL

Era o vento entrando

pela casa, abrindo seus recessos

em varandas, instando pelo

espaço sem limites, até

se defrontar com o espelho

e logo se deter, cristalizado.

 

Adivinhação da leveza, de Duda Machado, é composto por 69 poemas que trazem alguns olhares sobre a linguagem e sobre o mundo, poemas em que cotidiano, memória e reflexão estética se entrelaçam com graça e ironia. O poeta baiano quebrou com este livro (publicado em 2011) um jejum editorial de quatorze anos após a publcação de Margem de uma onda – que sucedera em sete anos o livro Crescente, coletânea de sua poesia completa até então. A poeta e tradutora Simone Homem de Mello, em resenha do livro escrita para a revista Zunái, comenta: “Ao contrário dos lacônicos esporádicos, Duda é um lacônico intenso, de modo que os quatorze anos aparentemente transcorridos em silêncio estão presentificados, tangíveis, condensados em menos de 80 páginas”. Para Duda Machado, como diz um de seus poemas, ‘o passado volta ou sequer/se foi, enquanto se transforma;/o passado/ainda está para ser;/entretanto,/subsiste/a leveza de lidar/com o que te vais tornando’.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

bem compreenderás o sentido das Ítacas

14 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

–  Que esperamos reunidos na ágora?

É que hoje os bárbaros chegam.

– Por que tanta abulia no Senado?

Por que assentam os Senadores? Por que não ditam normas?

Porque os bárbaros chegam hoje.

Que normas vão editar os Senadores?

Quando chegarem, os bárbaros ditarão as normas.

– Por que o Autocrátor levantou-se tão cedo

e está sentado frente à Porta Nobre da cidade

posto em seu trono, portanto insígnias e coroa?

Porque os bárbaros chegam hoje.

E o Autocrátor espera receber

o seu chefe. Mais do que isto, predispôs

para ele o dom de um pergaminho. Ali

fez inscrever profusos títulos e nomes sonoros.

(Konstantinos Kaváfis, “À espera dos bárbaros”, tradução de Haroldo de Campos)

O grego Konstantínos Kaváfis (Κωνσταντίνος Πέτρου Καβάφης), considerado o maior poeta da Grécia moderna, não teve nenhum livro publicado em vida, distribuía os poemas em folhas soltas, também publicou alguns em revistas literárias. Seus poemas, 154 reelaborados durante a vida inteira, une citações eruditas à fala cotidiana. Uma obra tão pequena quanto notável, referência definitiva para o modernismo na poesia.

No Brasil, a Cosac Naify publicou um belo livrinho que reúne 15 poemas de Konstantinos Kaváfis traduzidos por Haroldo de Campos. Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Homem usando borboletas

7 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poeta

Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

 

Manoel de Barros é o poeta que conferiu à poesia a delicada possibilidade de ser entendida como “a mais verdadeira maneira séria de não dizer nada”. Entre versos simples e carregados de sentido, é notável seu lírico talento para imagens, acompanhado por uma concretude quase surreal, como se pode perceber em trabalhos como Gramática Expositiva do Chão (1966). Continue lendo

Send to Kindle
matraca

ilha mínima do eu

5 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Desenho de Odilon Redon

Monodrama é considerado o livro mais político, ao passo que também o mais irreverente e emocionado, de Carlito Azevedo, um dos principais poetas brasileiros da atualidade.

O livro é composto por poemas extensos, nos quais, dentre uma multiplicidade de personagens, surge com predominância a figura do imigrante, do clandestino, do outro a quem o mundo hostil fecha as portas. Há um profundo desencanto político nos poemas iniciais, que ramifica-se no solo autobiográfico da série “H.”, texto que elabora liricamente a experiência da doença e morte da mãe, com toda a ironia e a emoção de quem se depara com um “Pálido céu abissal”.

Eduardo Sterzi, que considera o livro uma “das obras literárias especialmente relevantes dos últimos anos”, analisa Continue lendo

Send to Kindle