Arquivo da tag: literatura russa

Literatura

De paixões mesquinhas

29 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Vida e destino, do russo Vassili Grossman (1905-1964), é considerado um épico moderno e uma análise profunda do mosaico, social e histórico, formado durante a Segunda Guerra Mundial. O autor, que esteve no campo de batalha e acompanhou os soldados russos em Stalingrado, descreve os campos de prisioneiros militares e os campos de concentração, os altos-comandos, com Hitler de um lado e Stálin de outro, a disputa insensata dos soldados por uma única casa na cidade em ruínas, e os dramas familiares daqueles que ficaram, e que tem que enfrentar o medo político e incerteza de toda sorte. Grossman retrata a sociedade soviética como um todo a partir da batalha.

O romance foi finalizado em 1960 e, então, confiscado pela KGB. Continuou, pois, inédito até a metade de década de 1980. Quando enfim conhecido pelo grande público, tornou-se celebrado como um dos romances mais importantes do século XX. Uma narrativa magistral sobre a Segunda Guerra, uma prosa de força dramática e histórica impactante.

Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Um passeio

30 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

nievski 19

Avenida Niévski, do russo Nikolai Gógol, é um dos contos mais representativos de sua série de histórias petesburguesas, escritas entre 1832 e 1842. No Brasil, o conto ganhou em 2012 edição cuidadosa individualizada, com tradução de Rubens Figueiredo, pela Cosac Naify. Trata-se de uma publicação primorosa.

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

A prosa precisa de Bábel

14 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Kandisnky, “Der Blaue Reiter”

A Editora 34 acaba de lançar No campo da honra e outros contos, do russo Isaac Bábel, com tradução de Nivaldo dos Santos e prefácio de Boris Schnaiderman.

O volume reúne 32 contos, a maior parte em sua primeira tradução direta para o português. São textos produzidos ao longo de toda a carreira literária de Bábel, provas de seu estilo sintético, essencial, inigualável. Aqui o leitor pode ter acesso tanto ao seu primeiro conto, publicado em 1913, quanto ao último, “O julgamento”, publicado em 1938. A seleção contempla todos os temas caros à produção literária de Bábel, os relatos da infância vivida na Moldavanka, o bairro judeu de Odessa, as histórias de sua juventude aventureira, os contos surpreendentes sobre a guerra.

O chamado ciclo “No campo de honra” foi inciado por Bábel no início de 1920, quando publicou, na revista político-literária Lava, um conjunto de quatro contos, inspirados na obra de Gaston Vidal sobre a 1ª Guerra Mundial.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

A linguagem labiríntica de Khlébnikov

19 dezembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

(Editora Perspectiva, 1977, tradução de Aurora Bernardini)

Eu tinha Ka; nos dias da Branca China, Eva, descendo da neve do balão de André, ou vindo a voz “vai!”, deixados nas neves esquimós os rastros dos pés nus, – esperança – estranharia, ao ouvir essa palavra.

Amenofis IV

Em Ka, o sábio do ano 2222 põe o magro crânio reluzente sobre o dedo ensombreado. A movimentação da cena estática é estonteante. O texto é um acontecimento literário e filosófico profundo. E, “naquela época”, em que se passa a narrativa, pretérito imperfeito amalgamado ao futuro do presente – concretizado pela enigmática inscrição numa pedra, “se a morte tivesse os teus cachos e os teus olhos, eu quisera morrer” –, os homens “ainda acreditavam no espaço e pouco pensavam no tempo”: a criação de cenas intelectuais e fantásticas – ideias personificadas ou coisificadas – na prosa de Khlébnikov sobrepõe-se de maneira vertiginosa. Ka parece querer ser encenado como um filme surrealista – um filme-teatro, que não se decidisse enquanto palco ou coxias, cenário absoluto de si mesmo.

O seu primeiro parágrafo é uma apresentação magnífica, da poesia de sua prosa, da personagem título e da questão, central no conto, do tempo – “Ka vai de sonho em sonho, atravessa o tempo e alcança os bronzes (os bronzes dos tempos)”. Há, ali, tanto o tempo como os tempos. E a localização temporal do narrador, conquanto “tinha Ka”, é: “nos dias da Branca China”, expressão que refere-se, como esclarece a nota da tradutora, à Europa, ao entrar na época da aeronáutica; seu tempo é um espaço, marcado pelo tempo (época) de domínio do espaço aéreo. Tautologia onírica, que resume a ambigüidade de Ka, companheiro da morte – vida na morte –, é fusão do tempo e do espaço.

Uma novela rapsódica, um poema épico em prosa, conto-canto ou viagem transespacial e transtemporal. Khlébnikov criou, através da prosa deste seu Ka, uma charada – fenomenológica e poética, histórica e linguística.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Sob o nome tonitruante de Stálin

10 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O russo Óssip E. Mandelstam (1891-1938) é um dos maiores escritores do período soviético e do século XX. No Brasil, de sua autoria, há apenas o volume que reúne O rumor do tempo e Viagem à Armênia (respectivamente, de 1925 e 1932-33), publicado pela Editora 34 e traduzido por Paulo Bezerra. Ambas narrativas, de caráter memorialístico e reflexivo, representam com amplitude intelectual o cruzamento de culturas, vozes e estilos que povoam o universo deste tão singular autor.

Óssip E. Mandelstam faleceu tragicamente em uma prisão na Sibéria durante a era de terror stalinista. Após escrever um poema anti-stalinista, “Epigrama de Stalin” – em que o ditador aparece com enormes bigodões de barata –, foi preso, em 1934. Morreu por inanição.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Em verso e prosa

16 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Dois sonhos reúne duas ficções de Fiódor Dostoiévski, que se articulam não tanto pelo gênero, mas pela percepção extremamente aguçada que tende a descobrir, por meio da ironia e do confronto entre diferentes pontos de vista, os ângulos mais incomuns da realidade. O volume traz O sonho do titio e Sonhos de Petersburgo em verso e prosa, traduzidos diretamente do russo por Paulo Bezerra, também responsável pelo posfácio e pelas notas.

O sonho do titio foi publicado em 1859, ano em que o escritor retornou a São Petersburgo após um longo período de exílio na Sibéria. A narrativa toma a forma da comédia de costumes e da crônica de província para promover uma crítica generalizada à sociedade russa, sobretudo em relação à sua aristocracia, alheia às importantes transformações históricas em vias de realizar-se na Rússia.

Sonhos de Petersburgo em verso e prosa, folhetim publicado em 1861, apaga deliberadamente as fronteiras entre a prosa e a poesia para construir uma visão a um só tempo crítica, cômica e fantástica da cidade construída por Pedro, o Grande. Dostoiévski utiliza um registro que oscila entre o devaneio, a epifania e a mais lúcida observação.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

A arte como procedimento

3 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Em Teoria da literatura – Textos dos formalistas russos, Tzvetan Todorov revelou aos leitores franceses a existência da escola de análise literária que prosperara em São Petersburgo e Moscou entre 1915 e 1930. Esta coletânea é uma das poucas publicadas no Ocidente que apresentam textos escritos pelos chamados formalistas russos, cuja escola formalista revolucionou a crítica literária, originou a lingüística estrutural e influencia até hoje o pensamento científico. Sua metodologia, original e teoricamente bem estrturada, de análise literária, é considerada pioneira na fundamentação da teoria literária contemporânea.

Segundo Boris Scnaiderman, “numa época de grandes discussões, na época em que o suprematismo de Maliévitch, o construtivismo, a poesia de Kliébnikov e Maiakóvski subverteram todas as noções de consagrado, na época das transformações do palco cênico por Meyehold e da sucessão de imagens até então conhecida no cinema, realizada por Eisenstein, o assim chamado formalismo russo procurou na literatura viva e não apenas nos monumentos do passado aquilo que podia caracterizar a linguagem da obra literária”.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Humor magistral

6 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Obra-prima da literatura satírica, misto de realismo mágico, comédia de costumes, história de amor e crítica social e política, O Mestre e a Margarida foi escrito em segredo, nas sombras do período mais violento da repressão de Stálin. Bulgákov começou a trabalhar no romance em 1928 e, doze anos mais tarde, morreu sem ver a obra publicada. O livro só foi publicado duas décadas após a morte do autor. A complexa trama parte da aparição, num entardecer quente de primavera, do diabo em plena Moscou, a capital de uma suposta utopia racionalista que promovia o ateísmo. O demo, acompanhado de figuras esquisitas que incluem um imenso gato preto adepto do xadrez, da vodca e das armas de fogo, ingressa nos círculos literários locais e envolve-se com o mestre, um escritor perseguido pelo governo e pelos intelectuais por ter publicado um romance sobre os últimos dias da vida de Jesus.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

Minuciosas ressonâncias

5 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Sob o título Pelo prisma russo, esta coletânea de ensaios do historiador Joseph Frank desvela uma compreensão profunda da literatura e da história russas. Joseph Frank, que morreu em fevereiro do ano passado, foi professor emérito de Literatura Comparada da Universidade de Princeton e professor de Literatura Comparada e Língua e Literatura Eslava da Universidade de Stanford. Estudioso da obra de Dostoiévski, ficou famoso por ter escrito uma extensa biografia sobre o autor, para a qual foram necessários cerca de trinta anos de pesquisa, condensados em cinco grande tomos – no Brasil, publicados também pela Edusp; para Frank, a genialidade de Dostoiévski encontra-se na abordagem de grandes questões da humanidade enquanto acontecimentos da sua contemporaneidade, sem jamais reduzir seus personagens a “um fenômeno da realidade, dotado de traços típico-sociais”, mas, ao contrário, concentrando neles singularidades psicológicas, através de seu “incomparável dom para o retrato psicológico”.

Em Pelo prisma russo, o interesse de Joseph Frank pela obra de Dostoiévski forma o núcleo principal a partir do qual irradiam-se os ensaios da coletânea, como um filtro, Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Agudas memórias

7 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ivan Turguêniev, conhecido especialmente por seu romance Pais e filhos, nasceu em 1818, em Oriol, na Rússia. Aos vinte anos, mudou-se para Berlim, onde estudou filosofia, letras clássicas e história. Pouco depois, em 1843, conheceu o grande crítico literário Bielínski e, influenciado por suas ideias, publicou contos inspirados pela estética da Escola Natural, depois reunidos em Memórias de um caçador, coletânea que, publicada originalmente em 1852, obteve enorme sucesso na Rússia e na Europa. O volume agora é lançado no Brasil, com tradução de Irineu Franco Perpetuo em edição cuidadosa da Editora 34. O conjunto dos contos é reconhecido como um dos mais profundos e tocantes retratos da antiga Rússia. Sua denúncia, sutil, porém contundente, da injustiça da servidão acabou por representar-se fundamental no processo de emancipação dos servos, em 1861, o episódio mais importante da história russa do século 19. Conforme diz o tradutor no posfácio, após a publicação do livro o censor moscovita, a quem o autor submetera o manuscrito justamente por saber da menor rigidez daquele em relação aos censores de São Petersburgo, perdeu o emprego; Turguêniev, por sua vez, foi condenado a um mês de prisão domiciliar em Spásskoie.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Um pescador de momentos singulares cheios de significação

5 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Três anos, novela de Tchekhov publicada originalmente em 1895, acaba de ser lançada no Brasil com a tradução cuidadosa feita por Denise Sales – doutora em Literatura e Cultura Russa pela USP e, desde 2012, professora de Língua e Literatura Russa na UFRGS –, que também assina o posfácio e as notas ao volume. A narrativa é ambientada em Moscou, na rua Málaia Dmítrovka, onde o escritor efetivamente viveu, após retornar de sua viagem à colônia penal da ilha de Sacalina. Este não é, contudo, o único elemento autobiográfico. Esta extraordinária narrativa, ao lado de Minha Vida – também publicada pela editora 34 e traduzida por Denise Sales –, é considerada a mais autobiográfica das histórias de Tchekhov. Três anos expressa as inquietações morais e políticas de seu autor. Protagonizada pelos recém-casados Iúlia Belavina, filha de um médico da província, e Aleksei Láptiev, nascido no seio de uma família de prósperos comerciantes moscovitas, a novela mostra o estabelecimento do cotidiano dos primeiros anos matrimoniais do jovem casal e suas relações com os círculos sociais que frequenta, ao passo que demonstra toda a atmosfera opressiva das relações de afeto e poder na Rússia ainda marcada pela recém-abolida servidão.

Em uma de suas cartas Tchekhov escreveu algo que aplica-se a seu trabalho em geral e que pode ser notado em Três anos: “Meu objetivo é matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”. Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Viajar e escrever, viajar para escrever

29 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Um bom par de sapatos e um caderno de anotações é uma seleção de textos e breves considerações de Tchekhov, organizada por Piero Brunello – professor de história social na Università Ca´Foscari, Veneza, também responsável pelos textos de prefácio e apêndice. A tradução foi feita por Homero de Andrade para a editora Martins Fontes. O livro foi publicado originalmente em 1895, resultado de notas realizadas em uma viagem do escritor, entre os meses de abril e outubro de 1890, à ilha-prisão de Sakalina, situada entre o mar de Okhotsk e o mar do Japão. Apesar da organização dos textos sugerir a formação de um “guia teórico-prático de reportagem”, para viajantes, jornalistas ou, simplesmente, leitores, o livro ultrapassa esta modesta pretensão, concentrando textos interessantes sobre assuntos variados: o castigo comum das fustigações – censurado até pouco tempo mesmo em traduções estrangeiras – ou questões teóricas e práticas da narrativa, observações que acabam por esboçar os traços de sua poética.

Durante a viagem, Tchekhov percorreu em condições precárias a região siberiana – a pé, a cavalo, sobre carroças, navegando em balsas e barcos a vapor –, demorou dois meses e meio para chegar à ilha, que “pareceu-lhe um inferno”; percorreu mais de doze mil quilômetros. Ao chegar, “pôde encontrar as pessoas, ver como viviam e escutar suas histórias”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Um século de pensamento crítico

28 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Após a excelente publicação, neste ano, da Antologia do conto russo, a editora 34 anunciou o lançamento, ainda sem data definida, da Antologia do pensamento crítico russo, que, como a primeira, também é organizada pelo professor Bruno Gomide e apresenta textos traduzidos diretamente do russo, por diversos tradutores: Cecília Rosas, Denise Sales, Ekaterina Vólkova Américo, Graziela Schneider, Mário Ramos, Renata Esteves, Sonia Branco e Yulia Mikaelyan.

A Antologia do pensamento crítico russo abarca textos de 1802 a 1901 e é uma preciosidade editorial, trazendo ao lume do público brasileiro a tradução cuidadosa de textos críticos escritos por pensadores em geral pouco populares entre nós, graças justamente à escassez de material publicado.

Atualmente, há um crescente número de tradutores especializados, que tem encontrado respaldo em algumas editoras interessadas na publicação de literatura e crítica russas – em especial a editora 34, mas também Kalinka e Cosacnaify são exemplos. Publicações do porte da Antologia só enriquecem esse cenário. O resultado é a possibilidade, no Brasil, de que o magnífico trabalho iniciado por Boris Schnaiderman de realização de traduções minuciosas, feitas direto do russo para o português, consolide-se como uma rica e viva tradição. Bruno Gomide, no artigo “Boris Schnaiderman: questões de tradução nas páginas de jornal”, analisa: “A história da recepção da literatura russa no Brasil remonta a fins do século XIX e possui muitos personagens. Não há dúvidas, contudo, de que o começo da atividade ensaística e tradutória de Boris Schnaiderman constitui o ponto nevrálgico no nosso contato com a multifacetada experiência russa”.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Pessimismo satírico

19 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Luigi Bartolini

O diabo mesquinho [Мелький Бес], publicação cuidadosa da editora Kalinka, trouxe pela primeira vez ao conhecimento do público brasileiro a escrita pessimista de Fiódor Sologub (1863-1927), um dos expoentes do simbolismo russo. O texto integral (originalmente, fora publicado em capítulos em uma revista russa, que suprimiu as partes finais da narrativa) foi traduzido por Moissei Mountian, com colaboração de Daniela Mountian e revisão de estilo feita por Aurora Fornoni Bernardini. O livro conta também com desenhos de Fabio Flaks.

O texto é psicologicamente rico, trata do progressivo enlouquecimento do protagonista Peredónov, um professor de ginásio maldoso e mesquinho, que pouco a pouco desenvolve uma paranoia. Assaltado por estranhas alucinações, desconfiado de tudo e de todos, começa a praticar atos de insanidade. A mente confusa e inquietante do anti-herói é desvelada por meio de uma narrativa satírica, que cria um mundo carnavalesco, de um pessimismo delirante. O paulatino processo de loucura retumba, no simbolismo de Fiódor Sologub, o mundo dos sonhos de Freud.  Continue lendo

Send to Kindle