Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

matraca

A bordo

25 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“As velas representam para mim o mundo mais sincero da vida. O mundo da sabedoria da obediência aos sinais da natureza”. 

 

Desfazer-se de uma vida citadina para ser um cidadão cosmopolita de outra maneira: pelo mundo, a bordo de um veleiro.

Essa é uma decisão cada vez mais tomada ao redor do mundo. E comum, entre as pessoas que tomam essa decisão, é manter um diário, o famoso diário de bordo, que recebe aquilo que vai tornar-se lembrança como a promessa impressa de tornar possível seu resgate. O diário deste casal, em especial, que vive no veleiro Avoante, pode ser acompanhada semanalmente através da coluna que Nelson mantém no jornal Tribuna do Norte. Sua vida a bordo tornou-se, em suas mãos, material para crônicas semanais. Os textos partem de pequenos detalhes e curiosidades sobre a vida náutica e desembocam em reflexões gerais, numa fluente prosa serena.

Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Princípios

24 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Chegado a esse ponto, de onde não mais se vê o lugar de partida, resta apenas tocar para a frente. Não ter para onde voltar e saber que não é a partir daqui que inicio”.

 

Rodrigo Naves, conhecido como um dos críticos de arte mais relevantes e atuantes do cenário brasileiro, é também um surpreendente escritor. Seus contos caracterizam-se por um aspecto seco, em que a linguagem desdobra-se, sobrepujando o enredo, as personagens, a narrativa, seu espaço e seu tempo. Seu trabalho analítico como crítico espelha-se nos breves textos de O filantropo pela captação instantânea daquilo que é narrado. Seus contos, construídos sobre poucas e precisas palavras, ficam num rico limiar entre ensaios e poemas em prosa e, ali muito bem equilibrados, criam um “sólido chão prosaico” e debruçam-se sobre temas éticos. Ao longo do livro, de história em história, o “filantropo” que dá nome à obra vai sendo paulatinamente construído. Continue lendo

Send to Kindle
matraca

O alcance da visada de Hermann Broch

21 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Hermann Broch

Grandioso lançamento deste mês, o livro Espírito e espírito de época – Ensaios sobre a cultura da modernidade [Geist und Zeitgeist: Essays zur Kultur der Moderne), reúne seis ensaios do austríaco Hermann Broch, um dos mais relevantes escritores do século XX.

Traduzidos por Marcelo Backes, os ensaios foram escritos entre os anos de 1933 e 1949 e versam sobre arte, mito e direitos humanos, contextualizados pela decadência dos valores, característica do fin-de-siècle – época marcada pelo fim do império dos Habsburgo –, cujo ápice foram os horrores do nazismo.

Unindo diversas frentes intelectuais, pensando a literatura em relação à filosofia, à história, à política, Broch, por exemplo, foi um dos primeiros intelectuais a reconhecer o trabalho de James Joyce, a respeito de quem escreveu o ensaio “James Joyce e o presente”, incluído neste volume.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Ironia filosófica

20 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Em que está trabalhando?”, perguntaram ao sr. K. Ele respondeu: ” Tenho muito o que fazer, preparo meu próximo erro”.

 Escritos ao longo de trinta anos, de 1926 a 1956, ano da morte de Brecht, os textos aqui reunidos, são todos relacionados à personagem do sr. Keuner – uma figura inusitada, misto de filósofo, professor e homem de ação, considerado por muitos como um alter ego do autor, combina em doses iguais Karl e Groucho Marx, empregando a dialética e o humor para afinar sua ironia.

A edição da Editora 34, traduzida por Paulo César de Souza, é a mais completa coletânea das Histórias do sr. Keuner de que se tem notícia em qualquer língua, pois é a única que integrou, aos 87 textos comumente conhecidos, mais 58 textos descobertos apenas em 2002 pelo pesquisador Werner Wüthrich em meio aos manuscritos originais deixados por Brecht na Suíça – país em que viveu por cerca de um ano antes de ir para Berlim oriental, onde viveu seus últimos dias.  Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

lirismo metalinguístico, poética acadêmica

19 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] A experiência da imagem, anterior à da palavra, vem enraizar-se no corpo. A imagem é afim à sensação visual. O ser vivo tem, a partir do olho, as formas do sol, do mar, do céu. O perfil, a dimensão, a cor. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência: primeiro e fatal intervalo. Pascal: ‘Figure porte absence et présence’.

O belo livro O ser e o tempo da poesia, do professor e crítico literário Alfredo Bosi, foi publicado originalmente em 1977, pela Editora da Universidade de São Paulo. Em 2000, foi trazido de volta ao mercado editorial brasileiro pela Companhia das Letras. Interessado pela investigação do “ser” e da “origem” da poesia, numa chave de leitura que retoma ideias desenvolvidas pelo filósofo italiano Vico, ele procura pensar o primado da linguagem poética em uma nova ordem de valores – a alteridade estranha das coisas e dos homens, o pensamento humano enquanto sonoro, a formação de imagens, o ritmo do discurso poético a música na linguagem.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

A matéria da poesia

18 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.

Um dos poemas utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Lavorare stanca

17 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Trabalhar cansa foi o livro de estreia de Cesare Pavese (1908-1950), um dos escritores italianos mais importantes do século XX. Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, as poesias aqui reunidas retratam as noites insones das cidades, povoadas pelas figuras de proletários, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seus dramas diários.

Escrito no contexto da Itália fascista, Trabalhar cansa é um marco de renovação e revitalização da poesia italiana, até então dominada por tendências mais herméticas da “poesia pura”. Depois dessa primeira experiência poética, Pavese passou a dedicar-se quase exclusivamente à prosa, como em Diálogos com LeucóContinue lendo

Send to Kindle
Literatura

Partitura literária

14 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Frans Krajcberg, Sem Título.

a pedra lisa tem

escamas

 

O interessante livro Totens, de Sérgio Medeiros, foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, na categoria Poesia. Seu trabalho desenvolve-se a partir de um inusitado entroncamento, que ele encontra entre a poesia e a antropologia.

Totens reúne dois dos trabalhos mais recentes de Sérgio Medeiros: “Enrique Flor”, que recria uma passagem do Ulysses de Joyce, em que aparece o músico português Flor, especialista em “música vegetal”; o segundo trabalho, “Os eletoesqus”, reinventa uma lenda da fronteira do Brasil com o Paraguai sobre um totem que é o bafo do verão, um sopro ardente.

Continue lendo

Send to Kindle
cinema

A enorme carga dos sonhos

13 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um visionário cuja obsessão é construir uma casa de ópera no coração da floresta amazônica: a cena clássica é a transposição de um pequeno navio montanha acima. O cinema de Herzog é inconfundivelmente poético. Seu lirismo é metafórico, de maneira extravagante, porém precisa.

Fitzcarraldo é a história de um sonho, de sua impossibilidade e de sua realização. Drama que as próprias filmagens reverberaram, em si mesmas, na sua intimidade. A conquista do inútil é o diário que Werner Herzog manteve durante as filmagens, Continue lendo

Send to Kindle
Artes Plásticas

Posteridade, presente

12 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O crítico e historiador da arte Hal Foster é conhecido por suas reflexões sobre as vanguardas artísticas do pós modernismo. Em O retorno do real, propôs um modelo das recorrências históricas das vanguardas, em que reconhece um movimento cíclico, no qual as vanguardas sobrepõem-se, colocando-se em relação a inevitáveis falhas das anteriores. Para Foster, esses ciclos são complementares, não opostos. Analisando os modelos críticos na arte e na teoria a partir de 1960 por meio de uma nova narrativa da vanguarda histórica e da neovanguarda, ele argumenta que a vanguarda retorna para nós do futuro, reposicionada por práticas inovadoras do presente. Segundo Foster, vivenciamos, agora, um retorno ao real, em que arte e teoria voltam-se para a materialidade de corpos reais e de lugares concretos. O livro, originalmente publicado em 1996, agora é lançado no Brasil pela Cosacnaify, com tradução de Célia Euvaldo e texto de orelha de Sônia Salzstein.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Uma chama afirmativa

11 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Boa publicação da Companhia das Letras – uma das poucas no Brasil que contempla o poeta, lançada pela primeira vez em 1986 e reeditada no ano passado –, esta edição bilíngue traz cinquenta dos principais poemas de W. H. Auden, traduzidos por José Paulo Paes e João Moura Jr. o livro é composto por textos escritos desde 1927, quando ele primeiro definiu publicamente suas posições estéticas no que ficou conhecido como “O Manifesto de Oxford Poetry”, até 1973, ano da morte do poeta. Selecionados por João Moura Jr., os textos procuram apresentar um panorama que abarque, conforme disse o organizador, “na medida do possível, as várias fases da obra poética de Auden, que foi um poeta prolífico”. A poesia de Auden partiu da experiência do modernismo, aproveitando a contribuição de Ezra Pound e T. S. Eliot, porém afastando-se do viés reacionário político expresso por ambos para expressar-se numa linguagem pessoal – que todavia não torna-se alheia às grandes questões de sua época. Além da tradução dos poemas, José Paulo Paes escreveu, para esta antologia, um estudo introdutório sobre a vida e sobre a poética do autor. O volume conta ainda com um interessante ensaio a respeito de Auden escrito pelo poeta russo Joseph Brodsky.

Continue lendo

Send to Kindle
Artes Plásticas

Retrospectiva contemporânea: sobre arte e tempo

10 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um livro dedicado a realizar uma retrospectiva do trabalho da artista plástica Laura Vinci. Dedicada ao desenvolvimento de instalações desde 1997, a artista tem como um dos fios condutores de seu trabalho reflexões sobre o tempo e a transitoriedade, quer da própria matéria, quer enquanto reflexão histórica e consequente maneira de pensar a contemporaneidade.

Editado pela Coscnaify, o livro apresenta, além das monumentais instalações exibidas em importantes museus e centros culturais, também as mais relevantes intervenções feitas pela artista em espaços públicos. Laura Vinci enfatiza a transitoriedade presente nos trabalhos através de legendas aos registros fotográficos; Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Imagem e pensamento

7 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Goya não é somente um dos principais pintores de sua época: é também um dos pensadores mais profundos daquele período.”

Tzvetan Todorov, semiólogo e historiador de origem búlgara, em Goya à sombra das luzes analisa a influência da filosofia iluminista e as consequências de uma doença na obra do artista Francisco Goya. O livro acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.

Em entrevista, publicada no jornal Corriere della Sera, Todorov afirmou: “Como Goya, temo o messianismo político”. Para o autor, Goya foi “um intelectual que conseguiu refletir de modo profundo sobre o que acontecia ao seu redor”; segundo sua análise, “ele era muito influenciado pelos iluministas espanhóis do final do século XVIII e assistiu à invasão da Espanha do lado das tropas napoleônicas que combatiam, pelo menos teoricamente, em nome dos direitos humanos e dos ideais das Luzes. O espetáculo das atrocidades cometidas tanto pelos franceses quanto pelos guerrilheiros espanhóis o fez refletir sobre a guerra. Foi assim, antecipadamente aos seus tempos, que podemos considerá-lo como um contemporâneo”.  Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Humor magistral

6 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Obra-prima da literatura satírica, misto de realismo mágico, comédia de costumes, história de amor e crítica social e política, O Mestre e a Margarida foi escrito em segredo, nas sombras do período mais violento da repressão de Stálin. Bulgákov começou a trabalhar no romance em 1928 e, doze anos mais tarde, morreu sem ver a obra publicada. O livro só foi publicado duas décadas após a morte do autor. A complexa trama parte da aparição, num entardecer quente de primavera, do diabo em plena Moscou, a capital de uma suposta utopia racionalista que promovia o ateísmo. O demo, acompanhado de figuras esquisitas que incluem um imenso gato preto adepto do xadrez, da vodca e das armas de fogo, ingressa nos círculos literários locais e envolve-se com o mestre, um escritor perseguido pelo governo e pelos intelectuais por ter publicado um romance sobre os últimos dias da vida de Jesus.

Continue lendo

Send to Kindle
Crítica Literária

Minuciosas ressonâncias

5 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Sob o título Pelo prisma russo, esta coletânea de ensaios do historiador Joseph Frank desvela uma compreensão profunda da literatura e da história russas. Joseph Frank, que morreu em fevereiro do ano passado, foi professor emérito de Literatura Comparada da Universidade de Princeton e professor de Literatura Comparada e Língua e Literatura Eslava da Universidade de Stanford. Estudioso da obra de Dostoiévski, ficou famoso por ter escrito uma extensa biografia sobre o autor, para a qual foram necessários cerca de trinta anos de pesquisa, condensados em cinco grande tomos – no Brasil, publicados também pela Edusp; para Frank, a genialidade de Dostoiévski encontra-se na abordagem de grandes questões da humanidade enquanto acontecimentos da sua contemporaneidade, sem jamais reduzir seus personagens a “um fenômeno da realidade, dotado de traços típico-sociais”, mas, ao contrário, concentrando neles singularidades psicológicas, através de seu “incomparável dom para o retrato psicológico”.

Em Pelo prisma russo, o interesse de Joseph Frank pela obra de Dostoiévski forma o núcleo principal a partir do qual irradiam-se os ensaios da coletânea, como um filtro, Continue lendo

Send to Kindle