Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

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Inexoráveis lembranças

14 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Evandro Carlos Jardim

O premiado escritor Luiz Ruffato acredita que cada romance é uma tentativa de reconstruir a história. É o que ele faz no recentemente reeditado De mim já nem se lembra. O livro foi publicado originalmente em 2007, como literatura infanto-juvenil, para um programa de educação de jovens, e, posteriormente, em 2011, reformulado e transformado em literatura adulta. É o livro em que o autor diz ter mais se exposto, e no qual tentou fazer uma confluência do real e do imaginário.

Elaborado a partir de uma correspondência fictícia entre sua mãe e seu irmão torneiro-mecânico na cidade de Diadema situada na região do ABC paulista, De mim já nem se lembra relata as principais mudanças pelas quais a sociedade brasileira atravessou durante a décade de 1970.

O romance trata de assuntos caros ao autor: a família, o tempo, a memória. Ao abrir uma pequena caixa encontrada no quarto da mãe falecida, a caixa na qual ela “abrigara seu coração esfrangalhado”, o narrador se depara com um maço de cartas cuidadosamente atadas por um cordel. Escritas pelo irmão, vitimado por um acidente automobilístico, e dirigidas à mãe, essas cinquenta cartas reconstituem um passado: ao mesmo tempo que ilustram as mudanças políticas, econômicas e culturais durante a ditadura militar brasileira, convidam o leitor a espreitar a memória de uma família com “olhos derramando saudades”.

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Guia de Leitura

Literatura húngara

8 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Morreu na semana passada o escritor Imre Kértezs, primeiro húngaro vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, em 2002.

Sua relevância histórico literária inspirou esta rememoração de outros prosadores seus conterrâneos, cujas letras e ideias tornaram-se célebres.

 

Andreas Latzko, “Homens em guerra”

Publicado anonimamente pela primeira vez em 1917, Homens em guerra é considerado uma das obras-primas literárias publicadas durante a Primeira Guerra Mundial. O livro reúne seis contos, relatos, a um só tempo pungentes e poéticos, do horror, da loucura e do absurdo da guerra em curso.

Muitas das cenas descritas foram de fato vividas pelo autor, Andreas Latzko (1876-1943), húngaro de expressão alemã que atuou como oficial do Exército Real do Império Austro-Húngaro.

O livro foi lançado na Suíça, onde o autor recuperava-se de traumatismos sofridos durante sua atuação no front. Foi prontamente censurado nos países envolvidos no conflito; Latzko, quando identificado como o autor, foi destituído de seu posto militar.

Homens em guerra tornou-se um dos principais libelos dos militantes pacifistas na Europa. Sobre a recepção do livro, o escritor austríaco Stefan Zweig conta: “Soltamos um grito de alegria: a verdade, acorrentada, tinha rompido suas correntes, suplantou as cem barricadas da censura, foi ouvida no mundo inteiro! Esperamos pelo livro, o livro proibido que os guardas espreitavam vigilantemente nas fronteiras para que não viesse envenenar a mentira tão bem cuidada pelo grande entusiasmo”.  Continue lendo

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A era pós-democrática

7 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“‘We are the champions’ [Nós somos os campeões] – esse é o hino do novo sujeito empresarial. Da letra da música, que a sua maneira anuncia o novo curso subjetivo, devemos guardar sobretudo esta advertência: ‘No time for losers’ [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o homem comum, aquele que perde por essência. De fato, a norma social do sujeito mudou. Não é mais o equilíbrio, a média, mas o desempenho máximo que se torna o alvo da ‘reestruturação’ que cada indivíduo deve realizar em si mesmo”.

Francisco de Goya, "Regozijo" e "Bajan riñendo"

Francisco de Goya, “Regozijo” e “Bajan riñendo”

A nova razão do mundo – Ensaios sobre a sociedade neoliberal, escrito a quatro mãos pelo sociólogo Christian Laval e pelo filósofo Pierre Dardot, acaba de ser lançado no Brasil. A reflexão dos dois pesquisadores parte da percepção de que ainda não entendemos o que é o neoliberalismo e, atualmente, por isso pagamos um alto preço. Nesse sentido, a obra tem um forte senso de urgência por repensar os lugares-comuns a respeito da natureza do capitalismo contemporâneo.

Articulando uma investigação histórico-social e econômica com a psicanálise, os autores apontam que a novidade do neoliberalismo é que se trata, mais do que apenas uma doutrina econômica ou ideológica, de uma racionalidade global que funciona como espécie de lençol freático normativo global.  Continue lendo

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Literatura

Pedagogia politicamente incorreta

4 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Ilustração de Wilhelm Busch

Os nomes Juca e Chico foram os escolhidos pela primeira tradução Max und Moritz, um clássico da literatura alemã infantil, do consagrado escritor e desenhista Wilhelm Busch. A primeira tradução para o português foi feita por Olavo Bilac e publicada pela editora Melhoramentos em 1915; em 2012, voltou às livrarias brasileiras, editada pela editora Pulo do Gato, sob o título Juca e Chico — História de dois meninos em sete travessuras. Ao mesmo tempo, a editora Iluminuras também lançou sua própria edição, com tradução de Claudia Cavalcanti, sob o título As travessuras de Juca e Chico.

O livro, originalmente publicado em 1865, foi a primeira história em quadrinhos publicada.

Seu início apresenta os protagonistas mal educados: “Não têm conta as aventuras, / As peças, as travessuras / Dos meninos mal criados… / – Destes dois endiabrados”.

Como diz a tradutora da edição da editora Iluminuras, Claudia Cavalcanti, considera-se que as endiabradas travessuras são “uma crítica mordaz à burguesia da época (e de sempre), com farpas lançadas ao mundinho dos professores, profissionais liberais e até dos camponeses (classe social significativa na Alemanha do século XIX)”. Para ela, as “atrocidades praticadas pelos dois meninos nos despertam certos sentimentos de vingança, antes indolentes”, porém, “a mais pura verdade é que Juca e Chico se lê como uma grande diversão que atesta o talento de Busch tanto para as artes como para as letras. Torcemos pelos endiabrados meninos e lamentamos a falta que eles farão àquela monótona aldeia depois que o destino lhes prega uma peça” Continue lendo

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Guia de Leitura

OuLiPo

1 abril, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Marcel Bénabou e Jacques Roubaud, no artigo “Qu´est-ce que l´OuLiPo?” [O que é o OuLiPo?], explicam-no como “a literatura em quantidade ilimitada, potencialmente produzível até o fim dos tempos, em grande quantidade, infinitas para todos os usos”. Sobre o autor que se dedica a esta prática, dizem que é “um rato que constrói si mesmo um labirinto do qual se propõe a sair”.

O OuLiPo é um grupo de escritores, fundado na França, em 1960. Seu nome é o acrônimo de “Ouvroir de littérature potentielle”, ateliê de literatura potencial. Não se trata de um movimento literário. Tampouco trata-se de um seminário científico. Também não se trata de literatura aleatória.

O que caracteriza a literatura potencial é o estabelecimento de regras formais. Anagramas, palíndromos, restrições literárias baseadas em formas fixas, como haicais, sextinas, rondós. O grupo nasceu da obsessão, de Raymond Queneau e François Le Lionnais, por aplicar, à literatura, princípios matemáticos.

Em 1969, Georges Perec, dois anos após entrar para o grupo, publicou o primeiro romance da literatura potencial, O sumiço, que acaba de ter tradução publicada no Brasil. Selecionamos, impulsionados por esta grande realização editorial, mais alguns livros de escritores da OuLiPo.

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Conquistas, ou capturas

31 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Van Gogh

“O direito de greve é um direito burguês. A greve só atinge a legalidade em certas condições, e essas condições são as mesmas que permitem a reprodução do capital”.

A tese inusual é a que defende o jurista e filósofo francês Bernard Edelman, nesta polêmica e original obra, A legalização da classe operária. Segundo Edelman, a legalização da classe operária é um dispositivo de domesticação da luta de classes.

Serão conquistas ou captura política da classe trabalhadora a regulamentação da jornada de trabalho, férias remuneradas, reforma da dispensa, direito de greve, reconhecimento da organização sindical?

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Literatura

A ilha do Pavão

28 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Samico.

O feitiço da ilha do Pavão, de João Ubaldo Ribeiro, foi publicado originalmente em 1997, após um silêncio editorial de oito anos – dois anos depois, ele lançaria o polêmico A casa dos budas ditosos.

O romance narra uma epopeia, da qual participam os habitantes de uma ilha imaginária no recôncavo bahiano, no Brasil colonial. A ilha do Pavão, geografia fantástica, é o microcosmo de uma sociedade composta por colonizadores portugueses, índios e negros – mundo ficcional que é também a representação de um povo, com suas peculiaridades de formação, seus pontos de tensão, suas glórias.

Uma utopia, mistura de crítica histórica e farsa de costumes, povoada por arquétipos caracterizados por variações linguísticas.

“Na verdade, não se fala na ilha do Pavão. Jamais se escutou alguém dizer ter ouvido falar na ilha do Pavão, muito menos dizer que a viu, pois quem a viu não fala nela e quem ouve falar nela não a menciona a ninguém. […] É sabido, porém, que a ilha frequenta os sonhos e pesadelos da gente do Recôncavo, que muitas vezes desperta no meio da noite entre suores caudalosos e outras vezes para entrar em delírios que perseveram semanas a fio. […] E muitos desaparecidos que nunca mais foram vistos podem bem estar na ilha do Pavão, embora certeza não haja, nem se converse ou escreva sobre o assunto”. Continue lendo

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Georges Perec

24 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

La Disparition” foi publicado na França em 1969. A fantástica engenhoca metalinguística e literária de Georges Perec ganhou este ano sua primeira tradução para o português, sob o título O sumiço.

O tradutor, Zéfere, no posfácio, conta os truques que criou para transpor a trama policial do enredo: o sumiço da vogal “e”, a mais frequente da língua francesa. O livro não restringe-se, porém, ao lipograma – nome dado a textos que suprimem um ou mais tipo. Sua inovação ultrapassa o sumiço da vogal e faz, do próprio desaparecimento, o tema do romance e norte de sua história: Perec cria um mundo de letras, povoado por seres de letras, cujo destino depende também das letras e, sobretudo, do sumiço de uma delas. O resultado é uma mirabolante história de investigação policial, entremeada aos jogos de linguagem que desdobram-se sobre a própria língua, mutilada, porém.

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Reconhecimento e violência ética

21 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

pintura de Paul Klee

Em Relatar a si mesmo – Crítica da violência ética, a filósofa estadunidense Judith Butler analisa o problema da autotransparência e autonarratividade, crucial para um entendimento ético do ser humano.

Trata-se de um brilhante diálogo com filósofos como Adorno, Lévinas, Foucault, entre outros, através do qual a autora realiza uma crítica do sujeito moral, mostrando que o sujeito ético transparente e racional é um construto impossível que busca negar a especificidade da essência humana.

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Arqueologia da política

18 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Arthur Briscoe, “O orador”, 1926

Arqueologia da política, de Paulo Butti de Lima, acaba de ser lançado no Brasil pela editora Perspectiva. O livro é uma leitura profundamente interessante da República platônica. Foi originalmente escrito em italiano, sob o título Archeologia della politica: letture della “Repubblica” di Platone, em 2012, pois Butti é professor da Univerisdade de Bari e responsável científico da Scuola Superiore di Studi Storici da Univerisdade de San Marino.

Butti indica, no início de sua introdução, que o argumento deste estudo “é a ‘natureza’ da política”, conforme compreendida por Platão. Sua reflexão desenvolve-se sobre a análise do poder e do conhecimento que a ele se dedica.

O discurso político é, neste argumento, central e, junto com sua teoria, “devem ser considerados segundo um processo que é, ao mesmo tempo, formal e temporal”: é nesse sentido que o autor pode falar de uma “arqueologia” da política, enquanto viés investigativo tanto das formas revestidas pelo discurso político, quanto do reconhecimento do momento inicial deste discurso como fundador de toda a tradição política vindoura.

Butti mostra o problema que surge quando Platão recorre ao vocabulário da cidade [pólis], pois, diz o professor, entre ela e o cidadão [polítes], “o termo politikós não se explica facilmente, quer atribuindo-o a formas de conhecimento (arte ou ciência política), quer a alguns cidadãos (homem ‘político’)”.   Continue lendo

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Natureza inquietante

14 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

retrato de Ivan Búnin, por Leonard Turzhansky

A editora 34 acaba de lançar O amor de Mítia, do russo Ivan Búnin (1870-1953), sob a primorosa tradução de Boris Schnaiderman, que beira os cem anos de idade.

Búnin, em 1933, foi o primeiro escritor russo a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra, por uma lado, é grande herdeira da prosa realista russa do século XIX, sobretudo a de Tolstói. Porém, sua sua ficção conhece de perto as fraturas abertas pela modernidade.

Segundo Boris Schnaiderman, este é um dos textos mais vigorosos por ele já traduzidos.

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Guia de Leitura

Bibliofilia

12 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Se lemos um livro antigo é como se lêssemos durante todo o tempo que transcorreu entre o dia em que foi escrito e nós. Por isso convém manter o culto ao livro. O livro pode conter muitos erros, podemos não concordar com as opiniões expendidas pelo autor, mas ainda assim, ele conserva algo sagrado, algo divino, não com um tipo de respeito supersticioso, mas com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria”

– Borges, “O livro” [in: Cinco visões pessoais. Brasília, Editora da UNB, 1985].

 

Os livros que lemos e os que escolhemos manter próximos a nós tornam-se capítulos de nossa história pessoal. O colecionamento de livros é tão especial justamente por ser motivado em parte como busca de certezas, em meio à velocidade um tanto efêmera do mundo.

O escritor Miguel Sanches, comentando o belo ensaio “Desempacotando minha biblioteca”, de Walter Benjamin, diz: “Se a literatura é o território movediço, a coleção de livros devolve-nos à exatidão das coisas. Não sem alguma ironia, Benjamin cita Anotole France: ‘O único conhecimento exato que existe é o ano de publicação e o formato dos livros’. Entre a desordem e a ordem possível, entre o caos e o cosmos, o colecionador vai transformando, segundo Benjamin, sua coleção em uma ‘enciclopédia mágica’, em que se manifesta um encontro inevitável: ‘o destino mais importante de cada exemplar é o encontro com ele, o colecionador, com a própria coleção’”. Trata-se de uma experiência mágica.

É, pois, semelhante a uma concha, a construção enquanto morada de filas e pilhas de livros, no sentido em que dá, à concha, Paul Valéry: “Uma concha emana de um molusco. Emanar parece-me a único termo próximo da realidade visto significar propriamente: deixar pender. Uma gruta emana suas estalactites; um molusco emana sua concha” [“O homem e a concha”].

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matraca

Frágil experiência do indivíduo

10 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“É diferente ser sem pátria em seu próprio país e sê-lo no estrangeiro, onde justamente essa falta de pátria pode nos levar a encontrar um novo lar”.

Fotografia de Roger-Viollet, da entrada de Auschwitz [janeiro de 1945]

A língua exilada, do húngaro Imre Kertész (1929), reúne ensaios, discursos e conferências, inclusive o texto proferido pelo autor quando do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, em 2002. A Academia Sueca, ao anunciá-lo vencedor, definiu sua escrita como sustentáculo da “vivência frágil do indivíduo contra a arbitrariedade bárbara da história”.

Entre as narrativas marcantes da segunda metade do século XX figuram seus relatos e reflexões, enquanto sobrevivente dos campos de extermínio nazistas. Imre Kertész transforma a experiência da deportação em reflexão sobre os valores éticos e morais da nossa sociedade.

A língua exilada é uma coleção de ensaios permeados pela idéia de que o Holocausto não é um acontecimento restrito aos nazistas e aos judeus: é uma experiência universal. Se Theodor Adorno disse ser impossível escrever versos após Auschwitz, Kertész afirma que o campo de concentração é um marco zero e que, portanto, nada mais poderia ser escrito sem fazer menção a ele. Segundo o autor húngaro, em todas as produções artísticas pós-Segunda Guerra Mundial estão evidentes as marcas da aniquilação dos valores que sustentavam a civilização antes do Holocausto. Passada a euforia inicial da queda do Muro de Berlim, em 1989, renasceram os velhos nacionalismos e, com eles, a sombra do anti-semitismo. Continue lendo

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Literatura

O baile de Lygia

7 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Era o círculo eterno sem começo nem fim. […] A perplexidade do moço diante de certas considerações tão ingênuas, a mesma perplexidade que um dia senti. Depois, com o passar do tempo, a metamorfose na maquinazinha social azeitada pelo hábito: hábito de rir sem vontade, de chorar sem vontade, de falar sem vontade, de fazer amor sem vontade… O homem adaptável, ideal. Quanto mais for se apoltronando, mais há de convir aos outros, tão cômodo, tão portátil”

– trecho de “Eu era mudo e só” [Telles, Antes do baile verde]

 

Renina Katz

Reunião de narrativas escritas entre 1949 e 1969, publicada em originalmente em 1970, Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles, é uma das obras mais marcantes da carreira da autora, pontuada por uma sensibilidade singular.

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Guia de Leitura

Os castelos encantados de Eco

5 março, 2016 | Por Isabela Gaglianone

O escritor e filósofo italiano Umberto Eco [1932 – 2016] deixou um legado intelectual profícuo e amplo. Foi um dos intelectuais que ajudaram a refazer a figura do intelectual.

Como diz Pepe Escobar, em artigo Umberto Eco era o professor que sabia tudo: “Em 1971, Eco já ensinava ciências semióticas na faculdade de Letras e Filosofia de Bologna. Viu essa ciência experimental – lançada por Roland Barthes – como mais que um método; ela levou-o a experimentar além de todas as intersecções, entre culturas erudita e pop. Bebendo freneticamente da cultura pop, Il Professore teria de acabar na TV, que se pôs a dissecar com milhão de bisturis; disso veio um coquetel tóxico de kitsch, futebol, cultura das celebridades, publicidade, moda – e terrorismo. O embrião desse frenesi crítico já estava ativado em Apocalípticos e Integrados. A atitude apocalíptica da mídia-empresa reflete uma visão elitista e nostálgica de cultura; a atitude integrada privilegia o livre acesso aos produtos culturais, sem se preocupar com o modo como são produzidos. E foi o que levou Eco a propôr uma visão crítica de todos os meios da mídia-empresa, a qual, infelizmente, poucos tiveram coragem de aplicar”.

 

Umberto Eco, “Apocalípticos e integrados”

Um dos livros seminais de Umberto Eco, Apocalípticos e integrados é um verdadeiro marco na interpretação do fenômeno em tela O livro tornou-se referência fundamental na discussão sobre as definições dos dilemas da cultura de massa na era tecnológica.

O título já coloca as duas posturas intelectuais conceitualizadas por Eco e que marcaram as discussões sobre a indústria cultural e a cultura de massa no início da década de 70. Os apocalípticos e os integrados postulam os extremos entre as análises vigentes na referida discussão. Os primeiros, são caracterizados por encarar a cultura de massa como a anticultura,  como sintoma de sua decadência da cultura tomada em seu sentido aristocrático, consideram que a massificação provoca a perda da essência da criação artística, de sua “aura”, como dizia Walter Benjamim. Os segundos, compreendem a cultura de massa como um fenômeno do alargamento da área cultural, uma vez que faz com que uma arte e cultura popular possam ser consumidas por quaisquer camadas sociais; uma democratização cultural.

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