Fala-se sempre das imbricações da literatura com artes como a pintura, a dramaturgia ou o cinema. A relação das letras com os sons fica no geral a cargo dos filósofos, dos filólogos e dos poetas. Mas a relação pode ser, também, mais direta.
Aqui elencamos algumas narrativas cujos protagonistas são músicos, ou entusiastas da música a ponto de, embora não tocarem nenhum instrumento, viverem para sua própria sensibilidade musical.
A escritora brasileira Adriana Lisboa, em Hanói, conta a história de David, um brasileiro de 30 e poucos anos radicado em Chicago, filho de uma imigrante mexicana, que toca trompete e é apaixonado por jazz. O romance foi um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom de 2014.
Em entrevista concedida em 2013 ao jornalista Luciano Trigo e publicada no blog “Máquina de escrever”, a autora disse, sobre o protagonista músico: “Eu queria trabalhar com um personagem músico, pela primeira vez. Tive ajuda de algumas pessoas para compô-lo – um amigo trompetista, sobretudo. As passagens de David no livro foram quase sempre escritas ao som das músicas que faziam parte da vida dele”. Na mesma entrevista, Lisboa ainda conta e analisa: “Fui musicista durante mais de dez anos. Isso, ao lado da leitura de poesia, que sempre me acompanhou, tornam a musicalidade do próprio texto muito importante para mim. Em “Hanói,” a música se entrelaça na narrativa com um personagem trompetista. Cheguei a criar uma playlist para o livro. Acho também relevante o fato de que a música muitas vezes serve de ponte entre culturas, transcendendo questões de idioma (uma barreira para a literatura), e me fascina a capacidade fraternizadora do jazz. Essa união que parecemos ter às vezes com as outras pessoas na plateia de um show. A música ao vivo é uma experiência única, que você não leva para casa nem mesmo num CD. Que testemunha, experimenta num momento e lugar específicos, que vem e passa, mas que fica, na medida em que forma a sua experiência. Quando David começa a se descartar de tudo o que tem, a música fica. O seu trompete fica, a sua vontade de ir a concertos de jazz, e sua vontade de terminar a vida ouvindo Ella Fitzgerald cantando “Sweet Georgia Brown”.
Diagnosticado com uma doença terminal, eis como David sente-se: “De todo modo, era uma pena saber que não ia mais poder tocar o seu trompete, nem ia mais poder ouvir Miles tocando ‘Round Midnight’ ou ‘Spanish Key’, o que era ainda pior do que não poder mais tocar ele próprio”. O romance é pontuado por referências musicais, desenvolvendo-se, mesmo, à guisa de melodias. Continue lendo