Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

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Textos para o nada

16 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

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“Para onde eu iria, se pudesse ir, o que seria, se pudesse ser, o que diria, se tivesse uma voz, quem é que fala assim, dizendo que sou eu?”. O narrador de Textos para o nada, de Samuel Backett, relembra fragmentos de histórias e de lugares pelos quais passou, parado num charco, de onde consegue olhar para o céu: narra sem ter mesmo ao certo nada o que narrar.

Publicado em 1955, este livro radicaliza os experimentos feitos por Beckett na trilogia formada por Molloy (1951), Malone morre (1951) e O inominável (1953). Com tradução de Eloisa Araújo Ribeiro e posfácio de Lívia Bueloni Gonçalves, o livro acaba de chegar às livrarias brasileiras, em edição cuidadosa da Cosac Naify.  Continue lendo

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Literatura

O mundo é como o homem

15 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“A cada febre benigna, cada náusea, cada acesso de tosse, eles o velavam como a um moribundo, acolhendo cada cura como um milagre que não haveria de se repetir, pois nada se esgota mais rápido que a improvável misericórdia de Deus.”

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O sermão sobre a queda de Roma, de Jérôme Ferrari, vencedor do Prêmio Goncourt 2012, é um romance cuja prosa, através de uma linguagem torturada – profundamente trabalhada –, desenvolve-se sobre reflexões filosóficas. Permeada pelos Sermões de Santo Agostinho (354-430), a obra é também histórica, criando um contraponto entre as catástrofes do século XX à decadência do Império Romano.

A narrativa tematiza a ausência e a decadência, através da história das escolhas e questionamentos pessoais de dois amigos, Continue lendo

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matraca

Revoluções

14 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Estou convencido de que as fotos de revoluções – sobretudo se foram interrompidas ou vencidas – possuem uma poderosa carga utópica” – Michael Löwy.

Revolução Mexicana - "Mujer con bandera", fotografia de Tina Modotti, 1928

Revolução Mexicana – “Mujer con bandera”, fotografia de Tina Modotti, 1928

Revoluções é uma compilação de fôlego, desenvolvida por Michael Löwy, dos principais registros fotográficos de processos revolucionários, do final do século XIX até a segunda metade do século XX. Além da documentação iconográfica, este interessante livro traz textos que narram os acontecimentos, escritos por intelectuais como Gilbert Achcar, Rebecca Houzel, Enzo Traverso, Bernard Oudin, Pierre Rousset, Jeanette Habel e o próprio Löwy.  Continue lendo

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Reportagem literária

13 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Seres humanos, com a ajuda de mulas, trabalhavam essa terra para que pudessem viver. A esfera de poder de uma só família humana e uma mula é pequena; e dentro dos limites de cada uma dessas pequenas esferas a essencial fragilidade humana, a chaga finalmente morta que é viver e a força indignada para não perecer, ergueram contra suas circunstâncias hostis esta casca de ferida, este abrigo para uma família e seus animais”.

fotografia de Walker Evans

fotografia de Walker Evans

Para a realização de uma longa reportagem para a revista Fortune, o repórter, ficcionista, poeta, roteirista e critico de cinema James Agee e o fotógrafo Walker Evans perpassaram as entranhas do sul dos Estados Unidos, em 1936, com o intuito de retratar os efeitos da Grande Depressão que devastava o país. Ao longo de quatro semanas, os dois conviveram intimamente com três famílias de trabalhadores rurais das fazendas de algodão do Alabama, para retratar suas condições de vida brutais e miseráveis.

A matéria nunca chegou a ser publicada na imprensa: tornou-se de uma vez livro. O texto foi reescrito, repensado e refinado ao longo dos anos seguintes e finalmente lançado em 1941 sob o título Elogiemos os homens ilustres. Continue lendo

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Literatura

Em determinadas profundezas da alma

9 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“O momento supremo da crise se consumava numa flutuação agradável e dolorosa, que não era deste mundo. Ao menor ruído de passos, o quarto rapidamente voltava ao seu aspecto inicial. Ocorria então entre as suas paredes uma redução instantânea, uma diminuição extremamente pequena de sua exaltação, quase imperceptível; isso me convencia de que uma finíssima crosta separava a certeza em que eu vivia do mundo das incertezas” – Max Blecher.

fotografia de Joseph Sudek

fotografia de Joseph Sudek

Acontecimentos na irrealidade imediata, do romeno Max Blecher, é uma ficção autobiográfica experimental. Narrado na primeira pessoa, o romance perpassa uma história de amadurecimento, do agravamento das “crises de irrealidade” juvenis, exacerbados pela subjetividade de um narrador hipersensível e que sofre de uma grave enfermidade. O protagonista é um alter ego de Blecher, que morreu em 1938, antes de completar 29 anos, após ter passado dez anos internado, em sanatórios e em sua casa, para o tratamento do mal de Plott, uma doença degenerativa, espécie de tuberculose que afeta a coluna vertebral.

O livro é profundo, denso, inquieto, agudo, assombroso.  Continue lendo

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Lógicas de situação

8 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“As crises políticas e os fenômenos críticos contíguos que se observam nos sistemas sociais complexos tornam-se inteligíveis em seus traços essenciais desde que a pensemos em termos de dessetorização tendencial do espaço social desse sistema” – Michel Dobry.

Renina Katz

Renina Katz

O clássico estudo Sociologia das crises políticas, do sociólogo francês Michel Dobry, ganhou tradução para o português pelas mãos de Dalila Ribeiro, na edição lançada no final do ano passado pela Editora Unesp. Dobry propõe uma nova abordagem para o estudo das crises políticas, interpretando-as não como imprevistos ou patologias, mas como a norma das relações sociais. Na visão do autor, tais crises resultam das relações sociais e não devem ser compreendidas apenas como factuais. Embora o sociólogo não desconsidere os aspectos históricos e factuais, sua análise propõe que a reflexão sobre as crises políticas deve concentrar-se na idealização de métodos que formem um esquema teórico capaz de ultrapassar as particularidades e revelar as suas dinâmicas características gerais. Seu método abre a possibilidade de estudo dos aspectos constitucionais das crises, sem perder de vista as racionalidades de situações específicas que constrangem as percepções, os cálculos e as táticas dos atores.  Continue lendo

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Literatura

De fatos e cálculos

7 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Havia ruas largas, todas muito semelhantes umas às outras, e ruelas ainda mais semelhantes umas às outras, onde moravam pessoas também semelhantes umas às outras, que saíam e entravam nos mesmos horários, produzindo os mesmos sons nas mesmas calçadas, para fazer o mesmo trabalho, e para quem cada dia era o mesmo de ontem e de amanhã, e cada ano o equivalente do próximo e do anterior”.

pintura de José de Ribera

pintura de José de Ribera

Tempos difíceis, de Charles Dickens, escrito em 1854, é um clássico cuja atualidade permanece vívida. O romance tece uma crítica profunda à sociedade inglesa da Revolução Industrial através da narrativa da vida dos habitantes da cinzenta cidade de Coketown. A miserável condição de vida dos trabalhadores ingleses no final do século XIX, em contraste drástico à riqueza em que vivia a classe mais rica da Inglaterra vitoriana, é, pelo romance, mostrado através de um olhar arguto e irônico. O desenrolar de sua prosa constrói uma crítica aguda à garantia que a educação infantil proporciona à manutenção do quadro de dominação e desigualdade social, por moldar desde cedo a inteligência à obediência, à submissão e subserviência, incontestabilidade e irrecuperável massificação de corpo e espírito.  Continue lendo

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Literatura

P.

6 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Paulo Emílio Sales Gomes

Paulo Emílio Sales Gomes

Três mulheres de três PPPês foi publicado originalmente em 1977, ano da morte de seu autor. Paulo Emílio Sales Gomes, até então conhecido pelo profundo trabalho como crítico de cinema, cria, nas três novelas que compõem este volume, uma prosa original e despretensiosa, satírica e bem-humorada, imaginativa e imediatamente familiar.

“Duas vezes com Helena”, “Ermengarda com H” e “Duas vezes Ela” são todas narradas Polydoro, uma figura abastada da elite paulistana que detesta seu nome e que exige de suas parceiras a omissão, abreviação ou variação na pronúncia. Cada novela acompanha o narrador em uma fase da vida, cada qual envolvida por uma das mulheres que lhe dá título.

O livro tem uma dimensão sociológica e tece uma crítica pontiaguda à burguesia paulista.  Continue lendo

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matraca

Desumanização

2 abril, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Matisse

Matisse

“A ‘realidade’ assedia constantemente o artista visando impedir a sua evasão. Que astúcia não supor a fuga genial! Terá de ser a de um Ulisses às avessas, que se liberta da sua Penélope quotidiana e navega, entre escolhos, rumo ao bruxedo de Circe. Quando consegue escapar por um momento à perpétua cilada, não levemos a mal ao artista um gesto de soberba, um breve gesto à maneira de São Jorge, com o dragão jugulado aos seus pés”. 

 

No ensaio A desumanização da arte o filósofo espanhol Ortega y Gasset traça uma análise crítica sobre a estética e a história da arte desde o período romântico até às vanguardas do século XX, buscando as razões para a impopularidade das novas artes.

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história

Um povo fora da história

31 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Josef Koudelka, do livro "Gypsies"

fotografia de Josef Koudelka, do livro “Gypsies”

Alvo de preconceito e estigma canonizados, os ciganos, porém, mantém sua marginalidade por entenderem-na como necessária para evitar a contaminação com a impureza – mahrime – daqueles que não são ciganos, para manterem seus costumes e suas tradições. A pátria dos ciganos é a sua língua –romani – e, seu lugar, é a extensão da memória dos ancestrais. A história dos ciganos é repassada pela oralidade. Em Enterrem-me de pé, estudo sociológico e histórico sensível e interessante, a jornalista Isabel Fonseca desvela um mundo escondido, a um só tempo ignorado e secreto, perseguido e oculto, resgatando a presença cigana na Europa centro-oriental – sobretudo Romênia, Albânia e Bulgária – e sua rica cultura.

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Literatura

Um passeio

30 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

nievski 19

Avenida Niévski, do russo Nikolai Gógol, é um dos contos mais representativos de sua série de histórias petesburguesas, escritas entre 1832 e 1842. No Brasil, o conto ganhou em 2012 edição cuidadosa individualizada, com tradução de Rubens Figueiredo, pela Cosac Naify. Trata-se de uma publicação primorosa.

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Literatura

Dentro dos gritos

27 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

[…] O medo de tudo, algo distinto e ao mesmo tempo inseparável da própria vida. Encarniçado. Não se pode escrever sem a força do corpo. É preciso ser mais forte do que si mesmo para abordar a escrita. […] É uma coisa curiosa um escritor. Uma contradição e também um absurdo. Escrever é também não falar. É se calar. É berrar sem fazer barulho. É muitas vezes o repouso de um escritor, e ele tem muito a ouvir. Não fala muito porque é impossível falar com alguém de um livro que se escreveu e sobretudo de um livro que se está escrevendo. É impossível. É o contrário do cinema, o contrário do teatro, e de outros espetáculos. É o contrário de todas as leituras. É o mais difícil de tudo. É o pior. Porque um livro é o desconhecido, é a noite, é fechado, é assim. É o livro que avança, que cresce, que avança nas direções que se supõem exploradas, que avança para o seu próprio destino e do seu autor, agora aniquilado pela sua publicação: a separação entre os dois, o livro sonhado, como a criança recém-nascida, sempre a mais amada. Um livro aberto é também a noite. Não sei por que, estas palavras que acabei de dizer me fazem chorar. Escrever apesar do desespero. Não: com desespero” – Marguerite Duras.

cena de "Hiroshima mon amour"

cena de “Hiroshima mon amour”

Os Cadernos de guerra de Marguerite Duras são uma espécie de campo arqueológico literário. Continue lendo

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lançamentos

A alma do corpo

26 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Wesley Duke Lee

Wesley Duke Lee

Corpo, de Carlos Drummond de Andrade, foi lançado originalmente em 1984. Estava esgotado e acaba de ganhar nova edição, agora pela Companhia das Letras, com posfácio da crítica e escritora Maria Esther Maciel. Trata-se de um dos mais esplêndidos livros da última fase do poeta; publicado aos 82 anos do poeta, três anos antes de seu falecimento, revela um olhar poético preciso, profundo e inesgotável.

Os poemas tematizam o amor, a morte, a relação entre pessoas e das pessoas com o meio ambiente. O corpo a que refere-se o título, diz respeito não só ao corpo humano físico, mas ao corpo das cidades, corpo geográfico e urbano, histórico: degradado, devastado, violentado. Em seus versos, Drummond denuncia, ainda que resguarde seu olhar generoso em relação à vida.

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matraca

A produção é destrutiva

25 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

cartaz

O filósofo húngaro István Mészáros, interpreta, em O desafio e o fardo do tempo hitórico, o significado histórico da crise estrutural do capital, que, como “ordem estabelecida”, produz destruição – do tempo livre, da educação, das pessoas, da cultura, da natureza, da vida. Articulando argumentos de filosofia, economia política e teoria social, Mészáros mostra que capital atua somente na destruição e reafirma a necessidade do socialismo no século XXI.

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Arquitetura

Arte tectônica

24 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Frank Gehry, Museu Guggenheim Bilbao

Frank Gehry, Museu Guggenheim Bilbao

O crítico de arte Hal Foster identifica no conceito de “complexo” e na condição de inerência da arte e da arquitetura elementos que definem a cultura contemporânea. Em O complexo arte-arquitetura, lançamento no Brasil pela Cosac Naify, ele aponta que a arquitetura e a arte estão intrinsecamente unidas, desde o final do século passado, até o início deste século XXI. A arte, com suas instalações e obras em larguíssima escala, remete à arquitetura; obras de arquitetos, vendidas como de artistas a colecionadores, lembram que parte fundamental da arte é o chamado projeto.

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