lançamentos

O interregno em que vivemos

15 agosto, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] No fim das contas, entre a Babilônia imaginada por Borges e o mundo que a modernidade outrora nos prometeu – que JeanPaul Sartre captou na frase sublime ‘le choix que je suis’ (‘a escolha que eu sou’) – jaz o interregno no qual estamos vivendo agora: um espaço e um tempo estendidos, móveis, imateriais, sobre os quais reina o princípio da heterogenia de fins, talvez como nunca antes. Uma desordem que é nova, mas ainda assim babélica”.

gravura de Evandro Carlos Jardim

Babel – Entre a incerteza e a esperança, novo livro do grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman, escrito em co-autoria com o jornalista italiano Ezio Mauro, acaba de ser lançado no Brasil pela Zahar, com tradução de Renato Aguiar.

Sob a forma de um amplo diálogo, os autores discutem os impasses do capitalismo globalizado, os perigos do enfraquecimento da democracia e o papel da esperança que resiste, ainda que no meio movediço que abarca as relações incertas de nosso tempo.  Continue lendo

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Literatura

A exposição das rosas

20 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] eu não morrerei uma vez, mas duas. Que diabo você fica olhando? É uma coisa simples. Agora mesmo poderei interpretar para você uma agonia que deixaria até o Ularik satisfeito. Depois, se necessário, você poderá filmar a agonia verdadeira também. Você terá duas mortes e poderá aproveitar no documentário aquela que estiver melhor”.

Gravura do húngaro Gabor Peterdi [Jane Haslem Gallery]

A Editora 34 reeditou a obra inaugural de sua ótima coleção Leste, publicada originalmente no Brasil em 1993.

A exposição das rosas, do escritor húngaro István Örkény (1912-1979), reúne duas novelas que, exemplares da notória da sátira e humor negro do autor, abordam com ironia a história recente da Hungria – sobretudo satirizando o militarismo e os frágeis valores da classe média. Ambas foram traduzidas diretamente do húngaro por Aleksandar Jovanovic. O volume conta também com prefácio de Nelson Ascher.

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matraca

A oleira ciumenta

14 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Há milênios, sob todas as suas formas – barro esmaltado ou não, faiança, porcelana – a cerâmica está presente em todos os lares, humildes ou aristocráticos. Tanto que os antigos egípcios diziam “meu pote” para dizer “meu bem”, e nós mesmos, quando falamos em reparar danos de qualquer espécie, ainda dizemos ‘pagar os vasos quebrados’ [payer les pots cusses].”

Cerâmica tapajônica

Um percurso por entre os meandros do complexo terreno dos mitos ameríndios, cujos passos foram registrados neste profundamente interessante A oleira ciumenta. Lévi-Strauss põe em relação a figura da oleira, da ceramista, com o sentimento do ciúme, estabelecendo a partir dela uma ramificação de analogias com as mais diversos tribos e povos.

O último capítulo do volume, “‘Totem e Tabu’ Versão Jivaro”, é inteiro dedicado ao diálogo crítico entre o estruturalismo e a psicanálise. Lévi-Strauss combate, em Freud, sua suposição de afinidade entre neuróticos, crianças e primitivos. O antropólogo também põe em questão a primazia do “código sexual” na interpretação dos símbolos míticos e oníricos.

Ao longo do livro, pode-se saber o que há de comum entre um pássaro insectívoro, a arte da olaria e o ciúme conjugal, ou entre o pensamento especulativo dos índios e o dos psicanalistas, ou mesmo entre uma tragédia de Sófocles e uma comédia de Labiche. Continue lendo

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matraca

Luzes e sombras

11 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“Este livro é uma discussão a respeito das sombras e de seu papel em nossa experiência visual. Mais especificamente, justapõe as noções modernas sobre as sombras às do século XVIII, com a finalidade de tirar proveito de uma tensão entre elas. Naturalmente, outros períodos históricos também tiveram ideias interessantes a respeito das sombras, mas não é deles que trata esse livro”.

Anotações de Leonardo da Vinci sobre a percepção visual

Recuperando as teorias oitocentistas da percepção visual, com o apoio da ciência cognitiva contemporânea, da história da arte e de vasta bibliografia especializada, o professor de história da arte Michael Baxandall, em Sombras e luzes, discute o papel das sombras na representação que se tem das formas, assim como os significados diversos que elas podem assumir.

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Guia de Leitura

Boris Schnaiderman e suas belas traduções

8 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Escritor, professor, tradutor: Boris Schnaiderman, intelectual generoso, foi certamente o maior responsável pelo acesso e divulgação da literatura russa no Brasil, fundador de uma nova era na tradução brasileira – uma tradição de traduções cuidadosas diretas do russo para o português.

Boris juntou à prática acadêmica o exercício de jornalismo literário, o culto aos clássicos e o interesse pelos novos escritores. Como tradutor, realizou um trabalho que esteve associada à docência e à produção incessante de artigos e livros, mas que combinou, a este, outros trabalhos, como os desenvolvidos em equipe (com os poetas Augusto e Haroldo de Campos, posteriormente com Nelson Ascher) e trabalhos independentes.

Suas traduções sempre foram caracterizadas pela autonomia e pelo extremo cuidado no tratamento com o texto. Autores tão diferentes como Górki e Tchekhov merecem, a cada reedição das traduções, um reexame detalhado e importantes melhoramentos.

Em entrevista, Boris certa feita disse não gostar da expressão “texto intraduzível”: trata-se apenas de um dos grandes desafios que uma tradução apresenta.

 

A. P. Tchekhov, “A dama do cachorrinho – E outros contos”

A primeira tradução assinada por Boris Schnaiderman [fizera algumas amadoras antes, sob o nome de um pseudônimo] foi A dama do cachorrinho, em 1959, quando ele tinha 42 anos. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 06 de maio de 2001, Schnaiderman conta: “Minhas traduções anteriores eu havia publicado com pseudônimo. Não as reconheço. Eu não tinha experiência. Mesmo com a tradução de ‘A Dama do Cachorrinho’ não fiquei satisfeito e a refiz várias vezes. Aliás, faço isso com todas as minhas traduções”.

Os contos breves, precisos e tocantes de Anton Tchekhov (1860-1904) revolucionaram a maneira de escrever narrativas curtas, tornaram-se mundialmente conhecidos e influenciaram os principais escritores que posteriormente dedicaram-se ao gênero. Grande parte da originalidade de Tchekhov reside no papel fundamental que desempenham, em suas histórias, a sugestão e o silêncio, a ponto de, muitas vezes, o mais importante ser justamente o que não é dito. Continue lendo

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Literatura

Ideologia da natureza

7 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Guillaume Azoulay, “Deux Bison”

Butcher’s Crossing, de John Williams, subverte a imagem romântica do West estadunidense.

Na década de 1870, Will Andrews, um jovem de 23 anos, desiste de Harvard e resolve sair da casa paterna, abandonando o opulento estilo de vida da classe média bostoniana. Viaja, então, para o West, em busca de uma forma mais autêntica de viver, para descobrir na natureza o seu “eu inalterado”. Acaba indo parar em Butcher’s Crossing, um pequeno povoado solitário, perdido na vastidão da pradaria do Kansas, reduto de uma pequena comunidade de negociantes de peles e rudes caçadores de búfalos. Em pouco tempo o protagonista trava amizade com um caçador e os dois, com mais outros dois homens, montam uma expedição de caça a búfalos nas Rochosas do Colorado. A caçada, marcada por desafios físicos extremos – sede, frio, calor, exaustão – e por um isolamento quase total, beira os limites da sobrevivência. Para Will Andrews, debilitado pela fadiga e absorto na contemplação da linda paisagem, a aventura representará uma experiência existencial de amadurecimento que, entretanto, é permeada por características quase oníricas.  Continue lendo

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Artes Plásticas

Mnemosyne

1 julho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

tábua do “Atlas Mnemosyne”

 

Aby Warburg e a compreensão do diálogo entre palavra e imagem

O legado intelectual de Aby Warburg permanece um desafio constante para a história da arte e da imagem. Se o século XX foi o século da imagem, então Warburg é um de seus pesquisadores extraordinários, pois ninguém se igualou a ele na dedicação intensa e escrupulosa não só às obras de arte, mas também às imagens do cotidiano.

Selecionamos aqui, a partir do comentário sobre a edição de seus textos sob o título “A renovação da Antiguidade pagã”, alguns livros de autores que dão prosseguimento a suas reflexões.

 

Aby Warburg, “A renovação da Antiguidade pagã”

A renovação da Antiguidade pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu, reúne todos os textos que Warburg publicou em vida, com respectivas notas e adendos, além de dois estudos sobre ele.

Neles, o historiador da arte mostra a tensão que marca as obras renascentistas europeias, fruto de uma contradição, uma força que mais desestabiliza do que unifica as figuras. A divindade serena, modelo ao belo ideal, transformava-se: “Essas mênades dançantes, conscientemente imitadas, surgidas pela primeira vez nas obras de Donatello e de Fra Filippo, redefinem o estilo antigo, ao exprimirem uma vida mais movimentada, a vida que anima a Judite, o anjo Rafael que acompanha Tobias, ou ainda a Salomé dançante, essas figuras aladas que alçaram voo dos estúdios de Pollaiuolo, Verrocchio, Botticelli ou Ghirlandaio”. Warburg analisa a base da relação dos artistas modernos com o passado, revelando, sob a aparência límpida das obras da Antiguidade clássica, o conflito das duas forças antagônicas, potência extática nascida no seio da concepção contemplativa do mundo – a dualidade do mundo grego, marcado pelo caráter dionisíaco e apolíneo, conforme analisada por Nietzsche.  Continue lendo

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Literatura

O enigma da obra

30 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Robert Desnos

O agudo ensaio Raymond Roussel. A chave unificada, do argentino César Aira, ganhou no Brasil uma edição muito especial.

No ensaio, Aira afirma que a figura de Roussel para estar fadada aos erros interpretativos de sua própria legião de admiradores e estudiosos:

“Explicitar mais uma vez o famoso procedimento de Roussel é tempo perdido; por mais clara que seja a explicação, sempre ficará um mal-entendido. Roussel é a torre de Babel dos seus intérpretes e estudiosos. De algum modo, ele fez com que todos falem idiomas diferentes. Todo artigo que se escreve sobre ele poderia se intitular: Os erros mais frequentes que se cometem ao falar de Roussel. O preço que se paga por acreditar tê-lo entendido é acreditar que o outro, qualquer outro, o entendeu mal”.

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Literatura

O retorno

27 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Junho e Julho de 1975, chegada a Lisboa dos retornados das antigas colônias na África [fotografia de Alfredo Cunha]

O romance O retorno é um relato emocionante, da premiada escritora Dulce Maria Cardoso, sobre um aspecto particular da descolonização portuguesa na África, em 1975: a dramática situação de cerca de meio milhão de colonos “retornados” a Portugal.

O protagonista é o adolescente Rui, que com sua família retorna à antiga metrópole, para recomeçarem a vida, a partir de uma situação financeira precária e limitada. O rico cenário da narrativa, o conturbado período de retorno de mais de meio milhão de cidadãos portugueses, durante a descolonização dos antigos territórios ultramarinos na África, faz, deste, um romance extremamente forte e, enquanto referência histórica, incontornável. Continue lendo

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matraca

Joyce

16 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Brancusi

Hoje, dia 16 de junho, é o famoso Bloomsday, celebrado ao redor de todo o mundo por amantes de James Joyce. É neste dia, em 1904, que o protagonista de seu célebre Ulysses, Leopold Bloom, perambula por Dublin, ao longo das mais de 1.000 páginas da obra.

Em Sim, eu digo sim – Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce, Caetano Waldrigues Galindo, premiado pela tradução de Ulysses [Companhia das Letras, 2012] e profundo conhecedor da obra do autor irlandês, acompanha os meandros dos passos dados por Bloom, Stephen e Molly naquele 16 de junho. Galindo ao mesmo tempo analisa a própria natureza do romance e de alguns dos principais assuntos que o povoam. Sua leitura, erudita e surpreendente, é um guia de leitura agradável e profícuo. E que abre muitas portas inusitadas; Continue lendo

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lançamentos

Pallacorda

9 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

O romance histórico-ensaístico Morte súbita, do mexicano Álvaro Enrigue, acaba de ser laçado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução, sempre muito cuidadosa, de Sérgio Molina.

O esplêndido romance foi vencedor do espanhol Prêmio Herralde em 2013 e, sua publicação no Brasil, impulsionada pela confirmação da presença do autor na FLIP – a famosa Festa Literária de Paraty.

A história inicia-se em 04 de outubro de 1599, ao meio-dia, em torno de um duelo inusitado, a ser disputado na Piazza Navona, em Roma. Os duelistas, um jovem italiano que transformava a arte pictórica e um poeta espanhol absolutamente genial: trata-se, nada menos, que a disputa de uma partida de pallacorda entre Caravaggio e Quevedo – “pallacorda” era o nome dado ao jogo de tênis na época, em que a bola [em italiano, palla] era feita de pelos e cabelos humanos.  Continue lendo

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Arquitetura

Antropologia da forma urbana

3 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

O historiador de arte Joseph Rykwert (Varsóvia, 1926) vem há anos dedicando-se a pensar a arquitetura e a urbanidade.

Em A ideia da cidade: antropologia da forma urbana em Roma, Itália e no mundo antigo, a partir do estudo da Roma Antiga e de seus mitos fundadores, o autor descreve a origem das estruturas simbólicas que foram prioritárias na fundação daquela cidade, sobrepujando mesmo as estratégias comerciais e militares. Atualmente, analisa, no mundo desencantado em que vivemos, a simbologia possível foi substituída por técnicas de linguagem, como símbolos esvaziados, que servem apenas ao consumo global.  Continue lendo

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Literatura

… a nova habitação do meu velho marcador de página

30 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“[…] um caçador de temas, um escritor sucessivamente rejeitado pelas editoras, que passa o tempo desenvolvendo, oralmente, a partir do que quer que visse por perto, histórias complexas para a platéia circunstancial de uma praça da capital. E, naquilo que relata ao narrador acerca de como um redator rejeitara seu texto, é fácil entreouvir o que teria sido dito, mais de uma vez, a Krjijanovski em pessoa:

‘O senhor tem uma pena. Mas uma pena precisa ser contida por uma caneta, e a caneta, pela mão. Seus contos são… bem, como vou dizer – prematuros. Esconda-os. Que esperem”.

Marc Chagall, “Passeio” [1917/18]

O Marcador de Página, de Sigismund Krzyzanowski, foi publicado no Brasil pela primeira vez em 1997, com tradução de Maria Aparecida B. Pereira Soares, pela Editora 34 e, depois de esgotado por tempos, acaba de ganhar uma bela nova edição.

Sua prosa é profunda, marcada por uma variação especial de paradoxos. Suas narrativas adentram as entranhas do absurdo de seu presente – as décadas de 1920 a 1940 -, tendo, como horizonte, um futuro longínquo e improvável. Metaliterário, satírico, por vezes alegórico, sua enorme vocação filosófica e instinto universalista são características fortes em seus contos – comparados a Borges, Kafka, Calvino, Grombrowicz, Swift.

Na orelha do livro, Nelson Ascher diz que as informações sobre este escritor desconhecido, enigmático e instigante são “escassas, imprecisas, não necessariamente confiáveis e difíceis de obter”.

Krzyzanowski nasceu numa família de origem polonesa em 1887, em Kiev, na Ucrânia, que, então, era território do Império Russo. É autor de cinco novelas e seis livros de contos – apenas, porém, duas de suas histórias foram publicadas antes de sua morte. Dentre seus livros, três foram proibidos pela censura soviética quando já estavam a ser publicados. Frente ao crescente terror político comunista, muitas histórias Krzyzanowski permaneceram guardadas. Continue lendo

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cinema

O poeta entre crônicas e críticas

9 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

cena de “O Encouraçado Potemkin”

Guilherme de Almeida (1890-1969), além de poeta modernista, ensaísta, tradutor e jornalista, foi um dos mais destacados críticos de cinema no Brasil.

A editora Unesp acaba de lançar a reunião deste trabalho crítico, no volume Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica, cuidadosa edição organizada por Donny Correia e Marcelo Tápia.

A crítica cinematográfica é uma vertente hoje quase desconhecida da produção do poeta. Neste volume, ela é representada por 218 textos, publicados entre 1926 e 1942 no jornal O Estado de S. Paulo. Através deles, revive-ase o período de transição entre o cinema mudo e a “arte do movimento silencioso” e o filme falado. Também perpassa-se a fecunda presença dos cinemas em São Paulo nas primeiras décadas do século XX e sua introdução enquanto relevante elemento do cotidiano cultural da cidade.

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Guia de Leitura

Multidão – parte II

7 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

A multidão, profícuo conceito, encontrou repercussão também quando aplicado à literatura, à psicanálise e à história.

Em todas as áreas, há um embate com a autonomia, a subjetividade e a própria potência da multidão.

 

– Multidão como conceito literário –

Walter Benjamin, “Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo”

O conceito de multidão existe também na literatura. Walter Benjamin o explorou no belo livro Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, no qual cria um mosaico da modernidade, no final do século XIX, entre Paris, Londres e Berlim. O mais notório argumento do livro é a figura do flâneur, termo em francês que designa o andarilho que se perde pela cidade e, andando sem destino, permite-se intensamente observar seu entorno como se eterna novidade. O flâneur é alguém aberto ao que o mundo expõe a cada segundo. A ele contrapõe-se a multidão, cujo significado Benjamin compara entre três autores: Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe e E.T.A. Hoffmann. No conto A janela de esquina do meu primo, Hoffman ressaltou à sua época as mudanças de uma nova convivência social urbana, tendo sido o pioneiro na introdução do conceito de multidão na literatura ocidental, depois absorvido por outros autores, como o próprio Poe em seu “O Homem da Multidão” e Charles Baudelaire, em seus poemas sobre Paris.

Por outro lado, o conceito figura também na teoria e crítica literária enquanto relacionado ao problema da expressão e a certo esgotamento da noção de opinião pública. Como indica Philippe Beck, no interessante “O acalanto e o clarim (Literatura, tirania, expressão) – Ensaio sobre a multidão literária”, a multidão, por não ser uma massa homogênea, mas, ao contrário, um conjunto de singularidades abertas, apesar de suscetíveis a fecharem-se, “é a possível obra aberta de cada um que aparece”. Beck no mesmo ensaio evoca o livro Gramática da multidão, de Paolo Virno, para expôr a pertinência da questão sobre multidão no impulso da linguagem, na questão, particular na aparência, da expressão, multidão como ferramenta decisiva para qualquer reflexão sobre a esfera pública contemporânea. Continue lendo

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