Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

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Prólogos

18 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

jorge luis borges

“Creio desnecessário esclarecer que Prólogo de Prólogos não é uma locução hebraica superlativa, à maneira do Cântico dos Cânticos (assim escreve Luis de León), Noite das Noites ou Rei dos Reis. Trata-se, simplesmente, de uma página para anteceder os dispersos prólogos selecionados por Torres Agüero Editor, cujas datas oscilam entre 1923 e 1974. Uma espécie de prólogo, digamos, elevado à segunda potência”.

Essa é a apresentação de Borges para o seu Prólogos com um prólogo de prólogos. Traduzido por Josely Vianna Baptista, o livro integra as edições da Companhia das Letras da obra completa do escritor argentino. Sua publicação ocorreu originalmente em 1975.

São exercícios críticos, publicados esparsamente por Borges desde a década de 1930 na imprensa argentina. Os textos revelam muito do pensamento do escritor, sua impressionante erudição, bem como sua curiosa variedade de leituras – que ia dos poetas gauchescos argentinos a E. A. Poe, de Cervantes a Lewis Carroll, de Gibbon a Kafka.

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Artes Plásticas

Exercício experimental de liberdade crítica

17 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Lygia Clark

Mário Pedrosa (1900 – 1981) foi uma das mais relevantes figuras da crítica da arte brasileira. Incentivou o desenvolvimento da poética de muito artistas, novos na afirmação do abstracionismo, tais como Lygia Clark, Hélio Oiticica Alfredo Volpi e Franz Weismann.

Sua obra completa, dispersa e parte fora dos catálogos das livrarias brasileiras, está sendo reeditada pela Cosac Naify. A proposta editorial é mostrar em paralelo duas dimensões da obra crítica de Mário Pedrosa, a artística e a política.

Este volume, intitulado Arte – Ensaios, reúne 31 artigos sobre artes visuais escritos entre 1933 e 1978, nos quais Pedrosa discute os fundamentos de sua postura crítica. Permeiam seus textos inúmeras facetas, entre a do teórico marxista, a do pesquisador da Gestalt e apoiador do construtivismo, a do interessado pela arte dos alienados e das crianças. Mário Pedrosa foi um defensor da aproximação entre ciência e arte e, ao mesmo tempo, o pesquisador apaixonado pela arte primitiva e popular.

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lançamentos

Polifonia do amadurecimento

16 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Marcelo Grassmann

Fiódor Dostoiévski escreveu a novela Um pequeno herói entre julho e dezembro de 1849, período que passou no cárcere da Fortaleza de Pedro e Paulo, em Petersburgo, à espera da sentença que o desterraria para a Sibéria

A editora 34 acaba de lançar uma edição cuidadosa da obra, com tradução de Fátima Bianchi e xilogravuras de Marcelo Grassmann.

A novela nada resguarda da experiência lúgubre da prisão. Pelo contrário, é envolta numa atmosfera luminosa e delicada. A obra é considerada exemplar da singular capacidade do autor de adentrar a alma das personagens, perpassando aquilo que há aquém de suas consciências, entremeada à percepção difusa de si e das máscaras sociais.

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história

Sistema político e patrimônio privado

15 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Após algumas edições, publicadas por diferentes editoras, volta às livrarias o estudo Bases do autoritarismo brasileiro, do historiador Simon Schwartzman, agora pela Editora da Unicamp.

A primeira edição da obra foi realizada em 1975. Schwartzman questiona a própria possibilidade de desenvolvimento da democracia na sociedade brasileira, cuja história é marcada por três séculos de colonização e quase quatro de escravidão. Sua análise representa um marco na compreensão histórico-política do Brasil. A tese parte de uma advertência: que a redemocratização institucional seria apenas o imprescindível primeiro passo na construção da democracia brasileira. Seguindo este viés analítico, o autor contrapôs-se às duas principais tendências interpretativas da época: à historiografia marxista, para a qual tudo se resumia na falta de amadurecimento das classes sociais, e à ideia de um Estado todo-poderoso, sobranceiro à sociedade. Schwartzman relaciona o passado colonial e os sistemas político e econômico de caráter patrimonialista, do qual o Brasil ainda não liberou-se.

gravura de Hansen Bahia, da série "Navio Negreiro"

gravura de Hansen Bahia, da série “Navio Negreiro”

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matraca

Rapsódia musical literária

12 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Sou um tupi tangendo um alaúde!” – Mário de Andrade, “O trovador”, Paulicéia desvairada (1922).

mário

Faltando menos de um mês para a homenagem a Mário de Andrade pela FLIP, uma de suas grandes comentadoras ainda não foi mencionada. Gilda de Mello e Souza, em O tupi e o alaúde, tece uma belíssima interpretação de Macunaíma. O livro, publicado originalmente em 1979, interveio como uma resposta crítica a Morfologia do Macunaíma [Perspectiva, 1973], de Haroldo de Campos. Gilda faz uma análise poderosa e original, tece uma crítica aberta ao diálogo, marcada pela articulação criativa entre pesquisas teóricas e profundidade interpretativa.

O ensaio tem três movimentos, parte da analogia entre a estrutura de Macunaíma e formas musicais, realiza uma defesa da ambiguidade e das fraturas da narrativa, para, apoiado em Bakhtin, inscrever a rapsódia brasileira na linhagem dos romances de cavalaria.  Continue lendo

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história

Tradição intelectual latino-americana

11 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Plano de Tenochtitlan

Acaba de chegar à livraria 30porcento A cidade das letras, de Ángel Rama (1926-1983), “o maior crítico literário que a América Latina teve”, segundo as palavras de Antonio Candido.

Rama aqui analisa a concepção, o planejamento e a consolidação das cidades latino-americanas. Sua investigação parte da destruição da asteca Tenochtitlán, em 1521, até a inauguração de Brasília, na década de 1960. O livro examina os valores que pautaram a formação das cidades e o discurso urbano da conquista.

Trata-se de uma erudita revelação de cidades latino-americanas através do desenvolvimento das letras e da ordem dos signos: um paralelo entre os projetos urbanísticos e o ideal de urbe limpa, estéril e civilizada.  Continue lendo

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lançamentos

Alices

10 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] se falássemos somente quando alguém nos fala, nunca ninguém diria nada”.

desenho de Odilon Redon

desenho de Odilon Redon

Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, de Lewis Carroll, são livros infantis ou são livros para adultos? A discussão é decorrência das múltiplas formas de interpretações do non-sense de sua prosa, construída como uma trama de proposições absurdas que se apresentam como possibilidades plausíveis.

A editora Cosac Naify acaba de lançar uma edição caprichosa das duas obras, traduzidas por Alexandre Barbosa de Souza e Nicolau Sevcenko. Além de atravessar com a menina Alice o país maravilhoso, é possível continuar a jornada por um novo mundo, através do espelho.

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Últimas

Memória narrativa

9 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“[…] Os homens estavam amordaçados, seus olhos atados com um pano, e eu queria prometer que pararia de me recordar das coisas nos próximos dez anos, mas vovó Katarina era contra esquecer”.

fotografia de Teun Voeten [Bosnia,1993]

fotografia de Teun Voeten [Bosnia,1993]

Outro autor convidado para a FLIP deste ano é Saša Stanišić. Nascido em Višegard, na Bósnia, em 1978, tinha catorze anos quando sua família fugiu da Guerra da Bósnia e refugiou-se na Alemanha.

Seu primeiro romance, Como o soldado conserta o gramofone, foi publicado em 2006 e sua narrativa é marcada pela experiência da guerra. O segundo romance de Saša Stanišić, Antes da festa [a ser lançado na FLIP pela Editora Foz], recebeu o prêmio da Feira de Livro de Leipzig em 2014.  Continue lendo

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lançamentos

Felicidade libertina

8 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Egon Schiele

Egon Schiele

Crítica literária e professora de literatura, Eliane Robert Moraes, junto com a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e com o filósofo Eduardo Jardim, participará da palestra de abertura da FLIP deste ano, intitulada “As margens de Mário” e do debate sobre literatura e erotismo, mesa por sua vez intitulada “Os imoraes”, que dividirá com o escritor Reinaldo Moraes e que será, segundo o curador Flip, “um contraponto a este erotismo de mercado” que faz sucesso atualmente.

Eliane, organizadora da Antologia poética erótica brasileira, a ser lançado pela Ateliê Editorial durante o evento em Paraty, acaba de ter, pela editora Iluminuras, reeditado seu ótimo estudo Sade – A felicidade libertina.

Neste estudo, uma introdução ao marquês de Sade para o leitor brasileiro, Eliane Robert Moraes mostra a viagem como um assunto que é o ponto de partida dos libertinos. A autora convida, pois, a acompanhar a trajetória lúbrica dos personagens, em um caminho que, por um lado, apresenta o universo de um escritor que, considerado vulgarmente como “caso clínico”, é hoje tipo um dos mais notáveis “homens de letras” do século XVIII europeu, e que, por ouro lado, propõe um roteiro literário e filosófico em que a surpresa se torna, por excelência, o elemento deflagrador da sensualidade.  Continue lendo

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Artes Plásticas

Multitrilhas. Multipistas.

3 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Hélio Oiticica veste o Parangolé

Hélio Oiticica veste o Parangolé

A trajetória de Hélio Oiticica, um dos mais relevantes artistas de vanguarda do século XX, é aqui analisada com estilo perspicaz pelo poeta Waly Salomão. O livro Hélio Oiticica: qual é o parangolé? – E outros escritos traça, portanto, um encontro de gênios, cuja naturalidade de diálogo foi beneficiada pela proximidade dos dois interlocutores, amigos.

“Não tive nenhuma reverência dogmática pelo artista, mas sim a visão de um cúmplice que compartilhou algumas das histórias”, disse Salomão, à época da publicação da primeira edição do texto, em 1996. O poeta na década de 1960 chegou a morar na casa da família Oiticica. Waly acompanhou de forma estreita os trabalhos e reflexões de Hélio Oiticica através de uma intensa troca de cartas poéticas durante os anos 1970.

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Literatura

No século de Luis XIV

2 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
cartaz do polonês Julian Palka, 1955.

cartaz do polonês Julian Palka, 1955.

E. T. A. Hoffmann (1776-1822) é o mais expressivo escritor romântico alemão. Conhecido sobretudo pelo caráter fantástico de sua literatura, com A senhorita de Scudéri, inaugurou a novela policial como gênero na literatura alemã.

O texto foi publicado originalmente como uma obra autônoma, em 1820, e mais tarde foi agrupado na reunião de textos de Hoffmann, organizada em quatro volumes, intitulada Os irmãos Serapião. Os volumes tem como fio condutor uma narrativa que, como o Decameron de Boccaccio, gira em torno de um punhado de amigos, que se encontram no dia de São Serapião e, interessados todos por questões artísticas, contam histórias uns aos outros e as comentam em seguida. A história da “senhorita de Scuderi” é contada por Sylvester, que diz ter se aproveitado da Crônica da cidade de Nuremberg [Chronik der Stadt Nürnberg], de Johann Christoph Wagenseil, para caracterizar sua personagem-título.

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matraca

Sobre o Estado

1 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
grassmann

gravura de Marcelo Grassmann

Sobre o Estado, do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) reúne os cursos por ele ministrados no Collège de France entre 1989 e 1992. Sua análise detém-se na transição do Estado absolutista, próprio da Idade Média, para o Estado moderno, cuja constituição vai se moldando ao longo dos séculos a partir da separação entre poder político e religioso e da diferenciação entre os poderes.

Esta compilação dos textos permite analisar e estudar este “objeto impensável”, do qual, em última instância, todos os poderes tiram a sua legitimidade.  Continue lendo

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lançamentos

Piccole virtù

29 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Natalia Ginzburg

Natalia Ginzburg

Numa prosa que se equilibra entre o ensaio e a auto-biografia, As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg (Palermo 1916 – Roma 1991), é uma pequena joia literária. O livro, que reúne onze textos, é tido como um dos maiores da escrita memorialística do século XX. A tradução para o português, feita por Maurício Santana Dias, acaba de ser lançada pela Cosac Naify; a edição conta com posfácio de Cesare Garboli.

Lançado originalmente em 1962, é conhecido desde então pela escrita elegante e clara da escritora.  Um dos textos é o belo “Retrato de um amigo”, um perfil do poeta e amigo Cesare Pavese. Também são tema para suas reflexões as relações entre as gerações, sua experiência de medo e pobreza em tempos de guerra, sua visão, irônica e cômica, sobre Londres, cidade que lhe parece inóspita. Sua visão, de sensibilidade profundamente humana, dota esses textos de uma beleza perturbadora.  Continue lendo

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história

Micro-história

28 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
fotografia de Sâo Paulo, entre as décadas de 1930 e 40.

fotografia de Sâo Paulo, entre as décadas de 1930 e 40.

Uma pesquisa de história cuja investigação começou por uma lembrança da infância. O crime do restaurante chinês, do historiador Boris Fausto, recorre aos arquivos da história e de sua memória pessoal para narrar um dos acontecimentos policiais mais comentados da história paulistana. Ele era ainda menino quando, logo após um animado carnaval de rua, ouviu a rumor que se espalhava pela cidade: um homem negro era acusado de matar o ex-patrão e mais três pessoas com terríveis golpes de pilão.

A escrita de Boris Fausto narra todo o processo policial investigativo com a desenvoltura de um romance.  Continue lendo

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lançamentos

A ambiguidade como valor

27 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
botticelli

Botticelli

Obra Aberta – Forma e Indeterminação nas Poéticas Contemporâneas, estudo clássico de Umberto Eco, acaba de ser reeditado pela Perspectiva.

A tese do filólogo italiano, grosso modo, baseia-se na ideia da obra de arte como inacabada, de modo a exigir de seus receptores, portanto, uma participação ativa, uma percepção peculiar entre inúmeras possibilidades interpretativas. Eco investiga o prazer estético proveniente do embate com uma obra ambígua, que concede a seu receptor a livre ressignificação contínua.  Continue lendo

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